Folha de S. Paulo
É preciso ler e reler a
notícia, pois a primeira reação é de completa incredulidade. Um ofício do
Supremo Tribunal Federal pede que a polícia investigue os responsáveis por ter levado às ruas, no dia 19 de junho, dois bonecos infláveis.
Os "pixulekos", como
ficaram popularmente conhecidos, retratavam o presidente do tribunal, Ricardo
Lewandowski, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ambos
caracterizados como defensores do PT.
Típicos do sentimento de
exacerbação que tomou conta de parcelas da sociedade no auge da crise política,
os bonecos representavam uma opinião radicalizada e sem dúvida injusta a
respeito da conduta das duas autoridades.
Ocorre que, como qualquer
caricatura, cartaz ou palavra de ordem —ainda mais num contexto de livre
manifestação popular—, as imagens satíricas contra Lewandowski e Janot estão
protegidas pelo direito constitucional à liberdade de expressão.
Bonecos semelhantes,
retratando o ex-presidente Lula (PT) ou a presidente afastada Dilma Rousseff
(PT), circularam pelas principais cidades brasileiras, não tendo motivado
nenhum pedido de investigação por parte da corte.
O absurdo é patente. Seria
ainda alarmante, tivessem os mais altos magistrados do país tomado pessoalmente
a iniciativa. Na verdade, o ofício provém não do gabinete de algum ministro,
mas, sim, da Secretaria de Segurança do Supremo, cargo vinculado à presidência
da instituição.
Atuando, em suas palavras,
"no estrito exercício de suas atribuições funcionais", o secretário
Murilo Maia Herz considerou que os "pixulekos" representam
"grave ameaça à ordem pública" e "inaceitável atentado à
credibilidade" do Judiciário, sendo necessária a pronta ação da Polícia
Federal.
O vocabulário lembra, sem
dúvida, o empregado pelos censores durante o regime militar. Ao que tudo
indica, o gosto das pequenas autoridades pelo arbítrio há de ser inversamente
proporcional aos poderes que de fato possuem.
Seja como for, é o próprio STF
que tem sua imagem comprometida pela iniciativa de seu secretário; nada arranha
mais a credibilidade da corte do que vê-la patrocinando um ato de cabal
ignorância jurídica e em claro descompasso com princípios constitucionais.
O Supremo fica a dever,
portanto, desculpas à sociedade. Um boneco inflável jamais constituirá
"ameaça à ordem pública". Já a liberdade de expressão, por vezes,
sofre com a pequena prepotência oficial. Há egos, sem dúvida, inflados demais
na instituição.
Título e Texto: Editorial, Folha
de S. Paulo, 9-7-2016
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