João Miguel Tavares
Por favor, alguém informe os
nacionalistas progressistas e os campeões do patriotismo da figura ridícula que
estão a fazer.
Já ouvem ao longe as
trombetas? Neste momento, a luta contra as sanções não é apenas um combate
político – é um desígnio patriótico ao nível do ultimato inglês de 1890. É a
dignidade de Portugal que está em causa! É a obrigação de reagirmos à chantagem
europeia! É a necessidade de defendermos a alma lusitana e o espírito de
Viriato! Vocês lembram-se do tempo em que o nacionalismo era coisa salazarenta
e o patriotismo uma bandeira poeirenta do CDS? Esqueçam. O patriotismo está
super-fashion e há um novo nacionalismo 2.0. O PCP, o Bloco de Esquerda e o
próprio PS estão embriagados de nacional-patriotismo, e não é por causa do
Europeu de futebol: é porque os alemães – ou melhor: os boches – querem impor a
todo o custo a ditadura da austeridade. Em 1890 cantava-se pelas ruas “contra
os bretões, marchar, marchar”. Com o advento da República passou a cantar-se
“contra os canhões, marchar, marchar”. Chegou a hora de uma nova e
imprescindível actualização: “contra os teutões, marchar, marchar”.
O secretário-geral do PCP pede
ao Governo “brio patriótico” para informar Wolfgang Schäuble que “no seu país
manda ele, mas aqui mandam os portugueses”. O Bloco garante que se as sanções
forem para a frente ele lança contra a Europa a sua mais recente canhoneira: o
referendo-a-não-se-sabe-bem-o-quê. Já no final do ano passado, o Bloco discutia
num dos seus fóruns a candente questão: “A esquerda deve ser patriótica?” Luís
Fazenda mostrava o caminho: “Há um nacionalismo progressivo e um nacionalismo
reaccionário. Nós somos do campo do nacionalismo progressista.” Viva, pois, o
nacionalismo progressista, que o PS tem vindo a adoptar com entusiasmo
crescente, cumprindo mais uma das suas promessas eleitorais: ser, nas palavras
de António Costa, “o campeão do patriotismo na Europa”.
A coisa funciona assim: quanto
mais a Europa se desconvence da sanidade mental dos planos económicos de Mário
Centeno, mais o fervor patriótico toma conta do Partido Socialista. Por cada
mapa Excel que se afunda há uma bandeira verde-rubra que se ergue. Pelas ruas,
estão plantados cartazes onde os socialistas prometem “defender Portugal na
Europa” e a destacada Ana Catarina Mendes elogia a “voz grossa” do Governo e do
PS. Os agudos de Pedro Passos Coelho foram substituídos pelos baixos profundos
de António Costa.
Por favor, alguém informe os
nacionalistas progressistas e os campeões do patriotismo da figura ridícula que
estão a fazer. Não por haver mal algum em defender os interesses de um país –
acho óptimo –, mas porque o único interesse que a esquerda está a defender é a
sua sobrevivência política. Isto não é um patriotismo corajoso, de faca nos
dentes. Isto é apenas um patriotismo dependente, de chucha na boca.
Eis a dura verdade: esta
esquerda não tem qualquer projecto político plausível para o país que tanto diz
amar. Aquilo a que chamam patriotismo é o eterno prolongamento do Portugal de
mão estendida e incapaz de produzir o suficiente para sustentar o seu nível de
vida. Patriotismo é tentar quebrar esse círculo vicioso. Patriotismo é
trabalhar pelas reformas indispensáveis, é fazer sacrifícios por um país
melhor, é lutar pela nossa independência financeira. Patriotismo não é berrar
alto, a ver se nos voltam a encher a velha gamela. Dizem por aí que o bom aluno
era demasiado subserviente. Já o aluno cábula, esse, é um grande patriota. Com
uma mentalidade destas, só temos aquilo que muito patrioticamente merecemos.
Título e Texto: João Miguel Tavares, Público,
7-7-2016
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