Aparecido Raimundo de Souza
A JOVEM ENTRA SILENCIOSA, na
lanchonete, quase sem ser percebida e, antes de se sentar num dos vários
banquinhos, com mesinhas redondas ao longo do salão, se dirige com um sorriso
largo no rosto ao homem com um avental branco e bolinhas da mesma cor que se
encontra em pé, atrás do balcão.
- Boa tarde. Um refrigerante,
por favor.
- Desculpe, só temos sucos.
Pode ser?
- Está bom. Prepara um de
manga. Pouco açúcar e sem gelo.
- Posso substituir a manga por
maracujá?
- Por quê? A manga não está
boa?
- É que... acabou. Desculpas,
por não poder atender a seu pedido.
- Fazer o quê, não é? Que
seja!
O homem dá meia volta e some
atrás de uma porta vai-e-vem. Retorna um segundo depois.
- Vou ter que pedir desculpas
novamente.
- O que foi desta vez?
- O maracujá também foi pro
brejo.
- Como foi pro brejo?
- Acabou. Antes das onze. Não
tivemos como repor o estoque.
- Esquece o suco. Traga, por
gentileza, uma bananada. De morango.
- Como disse? Perdão, senhorita, não existe bananada de
morango.
- Claro que existe.
- Bananada?
- Sim!
- Nunca vi no mercado bananada
sabor morango.
- Como não? Estou cansada de
comer...
- Desconheço. Aliás, nunca
ouvi falar ou dizer que fabricassem. Estou nesse ramo de comércio, tocando
lanchonete há mais de 15 anos. Sinceramente...
- Desculpe a insistência. O
senhor não está atualizado. Deixa pra lá a bananada. Qual o lanche mais rápido
do seu cardápio?
O sujeito arreganha a boca num
sorriso que vai de um canto a outro da orelha.
- Lanches. Uma infinidade
deles. Veja o cardápio afixado ali naquela parede. O que a senhorita quiser. É
só pedir.
- Ummm!... Me veja um misto
quente...
A alegria do cara se fecha
imediatamente como se alguém tivesse lhe aplicado um tremendo soco na boca do
estômago e ele se trancasse, assediado pela dor repentina.
- Preparei o derradeiro para
aquela senhora ali naquela mesinha.
- Salgadinhos?
- À vontade... veja. Temos um
leque bastante grande...
- Menos mal. O que sugere?
- Depende do que realmente
queira colocar no estômago.
- Uma coxinha, um pastel de
carne, ou de queijo, um quibe frito...
- Estamos sem sorte. O garoto
que faz a entrega caiu da bicicleta e se ralou todo. Dois dias sem dar o ar da
graça. Estou, inclusive, à cata de outro fornecedor.
- Não acredito! Que falta de
sorte!
- Verdade!
- Então, qual a sua decisão?
De novo, vou pedir que me
ajude.
- Pão de queijo. Quer
experimentar? Acabaram de sair do forno.
- Uauuuuuuu...
- Boa escolha, pode acreditar.
Quantos?
- Traga dois.
O cidadão se retira, passa
novamente pela porta vai-e-vem e retorna coçando a cabeça em sinal de
desalento.
- A senhorita só pede o que
não temos...
- Meu Deus! Não é possível. O
que houve com os pães de queijo?
- A moça que os faz acabou de
entrar para o banho. Seu horário laboral acabou de acabar. Agora, só amanhã...
- Pastel. Isso. Traga depressa
que estou morta de fome.
- Agora sim. De queijo, carne
ou frango?
- Carne. Vê logo uns
três.
- Parece brincadeira, filha,
só tem de galinha. E como pode ver, se olhar ali na vitrine, sobrou só um.
- Dos males, o pior: fico com
esse.
O infeliz passa a mão em dois
guardanapos e se encaminha até um compartimento ao lado da porta vai-e-vem.
Todavia, se desconsola ao olhar para o tal pastel. Por questão de segundos,
permanece sem ação. Olha para a cliente como um paspalho idiota.
- Querida, estamos realmente
sem sorte. Sinto muito. Sinto mesmo. Me perdoe. Vou ficar lhe devendo mais
essa... que lástima!
- Estou vendo o pastel daqui.
Manda esse.
- Não posso.
- Por que não pode?
- Está frio e uma mosca...
está pousada... sugiro...
- Sugere o quê? Fale?
- Perdão. Nem sei aonde meter
a minha cara.
- O senhor tem banheiro?
- Temos ali no final do
corredor. O feminino está interditado. E a minha funcionária está, neste
momento, no dos cavalheiros.
- Que pena!
- Por quê?
- Ia sugerir ao senhor enfiar
a cara dentro dele e dar descarga.
- Perdão. Pelo amor de Deus,
mil desculpas. A senhorita não menciona o tamanho da minha vergonha.
- Vergonha, o senhor, por
acaso tem vergonha?
Risos.
- Claro. E muita. Ainda mais
nessa situação...
- Pois não parece ter nem um
pingo. Se tivesse, arriaria as portas desta espelunca e sairia a caçar outra
coisa para fazer.
A jovem sorri, vira as costas
e vai embora, tão silenciosa como chegou. E o homem atrás do balcão permanece
ali, estático, boquiaberto, sem dizer nada. Na verdade, não havia, igualmente,
nada para ser dito.
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista. De Brasília, Distrito Federal, 11-7-2017
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