Aparecido Raimundo de Souza
O RAPAZ VINHA CONTENTE andando pelo calçadão da Avenida
Atlântica, dividindo espaço com pessoas que corriam e faziam ginástica. Trazia,
numa das mãos, uma latinha de cerveja e, na outra, um cigarro aceso, cuja
fumaça lembrava uma antiga Maria Fumaça da extinta Leopoldina. Parecia
contente, embalado, talvez, pela música que curtia em seu Smartphone. Chamava a
atenção nele, não a altura, nem os cabelos compridos, e os olhos de um azul
muito vivos e brilhantes.
Menos ainda o rosto queimado de sol e os traços de moleque
travesso. Tampouco o bermudão estampado e cheio de cores berrantes, as pernas
grossas, o tênis de marca nos pés e o relógio bacana no braço cabeludo. Ele não
arrebatava suspiros e queixumes das princesas, que iam e vinham, por estar
usando um grosso cordão em volta do pescoço, com um pingente de Nossa Senhora
na ponta, ambos esculpidos em ouro maciço.
Nada disso. Essas joias não ajudavam em nada. Mormente no
sentido de fazer dele um sujeito diferente dos outros tipos, vistos rondando,
pelas vias, em meio da multidão alvoroçada, de despreocupados banhistas e
transeuntes os mais variados. Garotão divorciado de qualquer resquício de
responsabilidade, absolutamente sem nada na cabeça, vazio de idéias e
compromissos com o futuro, parecia um filho de família de classe alta, gastando
a mesada polpuda do pai, curtindo as ondas da vida adoidadamente.
Destoando mesmo, e descomedidamente implicando com o
conjunto, se enxergava, de chofre, a camisa decotada e sem mangas que
usava. Havia, de carona, justaposto no
assessório, o rosto de Valentina Ryabova [foto], tatuadora de São Petersburgo, na
Rússia, exibindo uma porção de desenhos hiper-realistas inseridas por sobre
seus seios e braços.
Vagamente o imberbe lembrava o Marcos Frota depois de uma
ovulação camuflada num de seus filmes pornôs de categoria duvidosa. Acima da
cabeça de Valentina, se via, ou melhor, se lia uma frase estampada em letras
vermelhas, escrita em inglês, cuja tradução para o português, sinalizava: “SOU
UM IDIOTA”.
Os que cruzavam com ele, davam uma olhadela básica. As
jovens que caminhavam (e que evidentemente sabiam o que estava disposto na
língua original) se limitavam a sorrir e a balançar a cabeça como se
comentassem entre si: “que grande Zé Mané.” Na verdade, aquele palhaço com
todas as feições de um babaca de carteirinha, desempenhava muito bem o seu
papel de ator de meia tigela numa peça de gosto infeliz. Anônimo, mas com
certeza, nota mil.
Se algum diretor figurão da Central Globo de Produções o
visse, com certeza contrataria, na hora, sem pensar duas vezes para lavar os
banheiros dos estúdios Globos em Jacarepaguá.
O belo espécime seria capaz de derrubar, numa só cacetada, no pega-pega,
o Mateus Solano de primeira, apesar de não ser nem um bocadinho parecido com
Brad Pitt ou Tom Cruise.
“SOU UM IDIOTA”. A peça de puro algodão, como um espelho,
mostrava além das pinturas de Valentina, o perfil do infeliz. Jeitão, porte e
postura (nu e cru), sem retoques, sem maquiagens e meios termos. Não devido à
cerveja ingerida àquela hora da manhã, quando todos deveriam estar reunidos em
volta de uma mesa para um café reforçado, ou pelo uso do tabaco. Longe de
pensar nessas hipóteses. A maioria da população, bem se sabe, se autoflagela e
se autodegenera numa velocidade incrível.
É comum, nos passeios públicos, não só de Copacabana e de Ipanema, como também corriqueiro na Avenida Paulista, na Rua Augusta, nos aeroportos de Congonhas em São Paulo, como na Avenue des Champs Élysées, na França. Virou moda nos barzinhos e cantinhos acolhedores espalhados por todas as cidades, mundo inteiro. Febre de quarenta graus. Autodestruição da vida, o maior dos bens legados pelo Criador ao ser humano. Nenhum remédio cura, nem médico por mais especialista, consegue dar jeito.
Alto lá! O problema,
aqui, não é a degenerescência acelerada das massas, mas a frase. A frase da
camisa da criatura. Será que o garotão conscientizava sua tradução ao pé da
letra? Duvido muito! O fato é que a coisa, superposta, no peito, simplesmente
para que todos vissem e lessem se transformara no maior avant-première da sua
pagação de mico. Na verdade, o deus grego amortizava um King Kong inteiro. Um
gorila sorridente trepado com a fuça de um macaco na antena existente no topo
do Empire State, 443 metros de altura, em pleno coração pulsante de Manhattan.
Seria fácil apostar e até ganhar um prêmio: aquele zé ruela não conhecia nadinha
de inglês. Menos o que dizia a pequena frase em letras vermelhas. Ou isso, ou a
confirmação peremptória de que era, de fato, um grandessíssimo idiota.
Ainda assim e, sobretudo, pairava no ar a indagação: se
soubesse, será que teria coragem suficiente de assumir, em todas as suas
nuances tamanha asneirice e sair pelas ruas, à vista de toda a galera
informando gratuitamente ser um idiota? Quem, em sã consciência teria peito ou
a cara de pau para se declarar, publicamente, em confissão tácita e formal, um
perfeito babaquara?
Só mesmo um simplório aparvalhado e assumido se prestaria a
se culpar ou a se tachar ominosamente de que não falta nada para ser visto e
reconhecido como tal. O ruim ou o negativo das pessoas, principalmente dessas
gerações que nos fazem frente, pensando saber tudo, é se deixarem levar pela
mídia, notadamente pela aquisição de tralhas com propagandas enganosas, pelo
delírio violento e pelo glamour desajuizado e doidivano dos anúncios
chamativos, na certeza de que estão abafando. No sentido vergonhoso, estão, de
fato, mandando vê.
Contudo, em contrário, fazendo e não só fazendo,
desempenhando o grotesco e estapafúrdico papel de desajeitados e errôneos
parvajolas. No mercado da moda estulta e esdrúxula, existe uma leva enorme de
camisetas sendo comercializadas por inescrupulosos com dizeres em inglês do
tipo: Someone farted in here! Was it?, A
fart is a combination of gases that travel from the stomach to the anus,
entre outras de efeitos piores. Ainda que seja camuflada ou venha maquiada com
a beleza ímpar e incontestável da espetaculosa e incomparável Valentina
Ryabova.
É aconselhável, antes de entrar em lojas onde se
comercializam esses produtos (americanizados ou inglesados) e sair vestido com
uma roupa com dizeres não decifrados, pedir para alguém que entenda da língua a
proceder à tradução. Ou estará e não só estará – pior que isso –, ficará
ridiculamente propenso a cair, como um patinho, no escárnio popular. Essa de
“tô na moda”, você não usa uma blusa dessas porque é careta, deixa de ser
ultrapassado e velho, “qualé, meu”, ou “o negócio é curtir, meu brother”, pode
se transformar, de repente, numa verdadeira arapuca. Exemplo bem presente em
nossos dias:
- Estou na minha.
Como se traduz, literalmente, “estar na minha” do português
para o português??!! Muitas vezes a massa de mongoloides e sonsos repete essa
frase. E o faz infinitas vezes. Porém, quando se indaga ou que se converta em
língua fluente qual é a dele, a resposta, invariavelmente aflora vazia e sem
nexo: “meu, te juro que não sei”. E o mais engraçado. Não sabe mesmo. Nisso, a
maioria está certa. Não tem noção. Ninguém sabe. Como o nosso amigo.
Espetacularmente “aburralhado” espalha, aos quatro cantos, a sua condição
máxima de idiota de carteirinha, sem saber que, no fundo, não passa ou não vai
além de um hebetado completo.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, jornalista. Da cidade de Araguari, Minas Gerais.
4-7-2017
Colunas anteriores:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-