Carlos Lira
Neve
mais branca, tão grande, distendida pelo campo afora,
à
minha porta ela fica, onde pôr os pés nesta hora?
Vejo
através da janela, fria como sói, vejo um chapéu de chuva,
que
no horizonte flutua, pose crua, a quem enfrenta a nevasca que cai...
Quando
menos espero, mais ela se avoluma,
vejo
fantasmagórica sombra quando me detenho,
não
me contenho, pelo corpo me percorre um azedo frio,
assombrações
me consomem de noite na estrada.
Um
cão tardio ou vadio, nem bem sei,
bem
próximo de mim passa, portando neve nas costas,
vai
à caça ou onde a leva este faminto cão?
Odores
vindos de longe, de lenha imagino, chama crepitante,
em
algum abrigo ao relento, tendo o céu como teto,
e
o vento que a chama atiça...
Em
outro canto da cidade fria,
a
neve cai. Uma mulher nua no quarto ao mau tempo desafia,
olhos
pousados em ponto fixo, ainda jovem, quase menina,
cabelos
soltos, um arfante respirar, escuta a tempestade lá fora, enquanto espera a
hora chegar
ao
amar um amor verdadeiro, por inteiro, esta menina amorosa,
primorosa
na arte de amar, nem se preocupa se o amor for à luz do sol quente,
insistente
menina, nem teme granizo ou neve que a domina...
Quando
a noite chegar cedo e a neve as ruas cobrir,
sem
nenhuma preocupação, condição única para esta bela amante,
é
ficar o dia inteiro na cama pensando em dormir com o amor perfeito.
Lua
na neve, a minha, a tua, a nossa lua lá no alto postada,
prateia
matas e serras, aqui a vida muito em breve será jogada.
Enquanto
tudo isso acontece, enquanto de frio o mundo padece,
eu
parto com o ar, célere o calor vou buscar, com ele hei de ficar,
a
minha neve branca dos ombros sacudo ao sol que foge,
desfaço
minha carne em pardacenta espuma,
entrego-me
à terra para crescer entre as ervas que amo,
se
queres ver-me novamente, não precisas ir longe, sob teus pés estou.
Jamais
saberás quem sou ou meu real significado,
apesar
de que sempre sou e boa saúde serei para ti e para todos codificado,
filtrarei
em suave enigma e comporei teu sangue
e
se não conseguires descobrir-me, não desanimes:
O
norte e o sul, o leste e oeste em algum destes pontos estarei,
sempre
à tua espera meu nobre viajante permanecerei!
Depois
desta longa caminhada, desta cruel provação,
através
da neve atravessar, da tempestade e da chuva enfrentar,
saberás
que ao sol alcançarás e tudo ficará bem,
afinal,
a neve derretendo está e a aldeia cheia de crianças exulta,
esperanças
de um final feliz!
Neve
congelada, bonecos, são capazes de fazer quase qualquer um sorrir.
Carlos Lira, 20-7-2017
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