Vitor Cunha
Na sua crónica desta
semana, Alberto Gonçalves menciona as explicações apontadas para estes fenómenos do #MeToo.
O artigo é excelente, como sempre. Pessoalmente, não creio é que qualquer
destas explicações mencionadas — não é o autor que as aponta, apenas enumera as
que vão circulando — seja abrangente o suficiente para justificar seja o que
for. A explicação que me parece mais plausível e abrangente é a da adolescência
dos média modernos, substituídos pela estranha noção twitteriana e facebookiana de
que cada pessoa é uma história, uma opinião num igualitário sistema de difusão
do eu. Factos são batidos por anedotas, reportagens destituídas por alegorias
emocionais e delações recompensadas com likes. Quando abrir a boca
(ou escrever algo) do foro pessoal passa a ser visto como coragem, é natural
que qualquer um deseje a sensação de ser reconhecido como corajoso.
Estando as redes sociais na
sua adolescência, não é de admirar que estejam neste momento a experimentar o
choque inevitável que é descobrirem que os pais tiveram sexo e que este foi
animalesco, suado e cheio de fluidos causadores de náusea para idades tão
precoces. Daqui a uns tempos, como é natural, as redes (e, consequentemente, os
“media tradicionais”) esquecerão a ideia romântica de amor à primeira vista com
cruzamento de olhares num sítio escuro e estarão, sem qualquer pudor, a
chuparem-se mutuamente no carro dos pais num daqueles pinhais de sobreiros
modernos. Até lá, termos que gramar. Não deixa de ser cómico que a preocupação
dos pais se desvie de uma gravidez indesejada para a exposição aplaudida do eu
em público.
E a vida continuará, como
dantes. Exceto para os desgraçados acusados e condenados sem recurso na praça
pública. São os chamados danos colaterais.
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias,
27-1-2018
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