Rui Ramos
Por mais que custe a admitir, Trump é
fundamentalmente o presidente de uma época em que os EUA voltaram a ser um país
que faz o que os outros países fazem.
Às antigas potências da Europa
ocidental, deu sempre jeito a proteção dos EUA, que as dispensou de se
preocuparem com a sua própria defesa. Isso, porém, não impediu que ressentissem
a “hegemonia” americana. Daí, a recorrente exigência de que os EUA se portassem
como um país igual aos outros. Mas agora, que essas preces foram
atendidas, parece que os europeus não gostam.
A história torna-se mais
complexa quando inclui a ambivalência americana sobre a sua missão no mundo. Os
EUA emergiram como primeira potência, não no fim da Segunda Guerra Mundial, mas
da primeira. Só que em 1918, escusaram-se a pagar o preço de zelar pelo
planeta. Não apenas pelos custos, mas porque recearam que o policiamento
internacional subvertesse o seu regime de governo limitado e administração
mínima. O máximo que se propuseram fazer, nos anos 20, foi ajudar a
restabelecer o comércio livre internacional. Mas quando, no fim da década,
a crise lhes bateu à porta, não tiveram dúvidas em recolher-se,
cancelando créditos e protegendo-se com barreiras alfandegárias (sobre tudo
isto, ver o livro de Adam Tooze, The Deluge. The Great War and the Remaking
of Global Order).
São conhecidas as dificuldades
de Roosevelt em romper esse “isolacionismo” entre 1939 e 1941. Em 1945, porém,
com os tanques soviéticos na Alemanha e enormes partidos comunistas em França e
em Itália, qualquer retirada americana teria significado a entrega da Europa a
Estaline. Foi preciso ficar. As elites americanas aderiram então à ideia de um
destino mundial, como guardas do “mundo livre”. Para muitos críticos dessa
opção internacionalista, foi apenas o começo da transformação da velha
república num império. Desde 1989, sem o comunismo, houve logo quem exigisse os
“dividendos da paz”.
Os europeus, muito ocupados a
resmungar sobre o “mundo unipolar”, não deram por isso. Mas Bill Clinton foi o
último internacionalista genuíno, convencido de que os EUA podiam precipitar o
“fim da história”. Em 2001, George W. Bush começou por condenar as intervenções humanitárias, e só o 11 de Setembro o
desviou do “neoisolacionismo” que todos previram. Barack Obama, porém, já pôde
aproveitar a extinção da crença na universalização da democracia para cruzar os
braços sempre que possível, como na Síria.
A fixação doentia em Donald
Trump impede-nos de ver o que se está a passar. O primeiro agravamento dos
direitos alfandegários sobre aço e alumínio é de Bush, em 2002. A tentação de apaziguar a Rússia é
antiga: Bush deixou Putin invadir a Georgia em 2008, e Obama entregou-lhe o que
ele quis da Ucrânia em 2014.
Não, Trump não é o começo
desta história. E também não será o seu fim. Trump tem as suas excentricidades.
Mas é fundamentalmente o presidente de uma época em que os EUA voltaram a ser
um país como os outros: um país que propõe “negócios”, e não alianças, e que
exige aquilo que desde 1945 já ninguém esperava dos EUA — “reciprocidade”. Um
país, em suma, que faz o que os outros fazem. Os europeus acusam Trump de
complacência para com Putin, mas eles próprios financiam a autocracia russa
através da sua dependência energética. Exaltam-se porque Trump protege o aço e
o alumínio, mas não se envergonham do seu próprio protecionismo agrícola, um dos maiores obstáculos ao
comércio livre no mundo.
A Europa tem razão para estar
inquieta. Porque tal como o seu papel internacional afetou o regime americano,
a responsabilidade pela própria defesa afetará os regimes europeus. Durante
décadas, os europeus puderam deixar o Estado social absorver os seus
orçamentos, confiantes em que a despesa militar estava por conta dos
americanos. Sem os EUA, vão ter de aprender a viver de outra maneira.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
20-7-2018
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ResponderExcluirThen-Secretary of State Clinton: “We Very Much Want To Have A Strong Russia”