sexta-feira, 22 de março de 2019

[Daqui e Dali] Meu amigo Manel

Humberto Pinho da Silva

Conheci-o na antiga Escola Académica [foto], no Porto, onde fui parar após ter sido o melhor aluno da turma no “Alexandre”.


O Manel era um adolescente, franzino, elegante, de estatura meã. Tinha rosto moreno, e na boca permanente sorriso gaiato e camarada.

Certa manhã, manhã doirada, marchetada a tons rosáceos, estava a caminhar no gracioso jardim, fronteiro ao edifício da escola, quando vi o Manel, a conversar, animadamente, com colegas. Falavam do Porto e de figuras portuenses.

Pé ante pé, avizinhei-me, e intervi na acalorada conversa.

Olharam-me surpreendidos; mas ele, escutou-me com muito atento e interesse, mormente, quando comecei, a determinado passo, a citar o Conde d’Aurora.

Em breve seríamos inseparáveis. Raro era o dia, que não trocássemos confidências. Contava-me, com graça - era excelente conversador, - as aventuras do pai, que adorava; e as “ diabruras” da irmã - menina encantadora e meiga, segundo dizia.

Uma tarde, por sinal chuvosa, mostrou-me sebenta escolar, onde esboçara, a lápis, complicada mecânica, de carro movido a água. Tinha sido a sua última invenção…

Debatemos o funcionamento da engenhoca, recorrendo aos parcos conhecimentos de física e química que tínhamos.

Nos longos passeios que dávamos falava-me de mundo, que não conhecia: de Bento de Amorim, e seu famoso automóvel; do Conde de Campo Belo; de Sousa Guedes; de Alberto Pinheiro Torres; Condes de Alpendurada; Magalhães Bastos…; e de amigos e amigas do high-life.

Havia duas meninas, que não saíam dos seus olhos: uma, vivia na Avenida Rodrigues de Freitas; outra, perto do antigo liceu “Carolina”. Mas, os olhos brilhavam de júbilo ao referir-se à última. Seria namorada? Não sei… Certamente era…

Semanalmente, realizávamos curiosas e instrutivas excursões pelas velhas e típicas ruas e ruelas do velho Porto. Nessa recuada época, alguns bairros estavam infectados de fartum enjoativo, bafiento, que nos obrigava a estugar o passo.

Juntos, calcorreávamos locais pitorescos da cidade. Não havia monumento, museu ou jardim, que não fosse visitado e apreciado, por todos os ângulos…

A vida militar separou-nos. Ainda recebi correspondência da Guiné; mas, por motivos que desconheço, cessaram os aerogramas…

Os anos passaram… Passou, também, a juventude…

Encontrei-o, mais tarde, já casado. Era o mesmo Manel, alegre e folgazão; mas, os olhos, brilhavam, agora, de tristeza e desânimo.

Ainda demos um passeio pela baixa gaiense. Visitamos a igreja de Santa Marinha [foto], e armazéns de vinhos; e recordamos, com terna e profunda saudade, os felizes tempos, do passado, já longínquo…


Na despedida ficou de me telefonar…

Soube, pouco depois, que falecera. Desaparecera, assim, o meu melhor amigo da juventude… Nunca mais tive amizade como a dele…
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva

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