Carina Bratt
Uma pessoa de meu estreito relacionamento
se separou recentemente da companheira com a qual conviveu por muitos anos.
Esse divórcio inesperado (inesperado para ele, para ela, de certa forma, meio
que “premeditado”) o deixou, como se costuma dizer, sem chão firme onde
pisar.
A criatura se viu de repente
estupefatada. Perdida em meio a uma perplexidade imensurável e sufocante. Uma
estranheza que ele jamais esperava viesse acontecer em sua pacata realidade. A
decadência irreversível da convivência entre ambos, acredito, passou a ter
força desde quando ela o convidou para morar em sua casa.
Geralmente quem já foi casado,
ou pior, quem passou por uma série de relacionamentos anteriores, jamais
conseguirá “aquietar o facho” e desfrutar uma nova união embaixo do mesmo teto.
A vida em comum, o habitar, o se conservar a dois entre quatro paredes, é muito
difícil.
Embora muitos casais tentem,
sempre haverá entre os envolvidos a sombra escura e difusa da desconfiança, o
medo mórbido de que o outro venha a ter uma “recaída momentânea” e não
conseguir segurar a barra. Dito de forma mais clara: para um dos agregados será
penoso, trabalhoso e aflitivo se sustentar nesse novo juntar de calcinhas e
cuecas.
Foi o que aconteceu ao meu
amigo de trocentas mulheres de tantos casamentos, de dezenas de camas e quartos,
lençóis e cobertores. Numa fase da vida da gente, caminhos percorridos ora
aqui, ora ali, ora acolá, atrapalham sobremaneira.
Se essas estradas estiverem
atreladas a uma porção de “rachaduras” tipo “ex-viúvas vivas”, filhos e netos, e
todos os demais quesitos existentes no rol dos problemas que não desgrudam o quadro
bonito que vemos diante dos olhos se tornará ainda mais sombrio e lutuoso.
Penso que o meu amigo querido
esperava viver um conto de fadas. Um romance à moda Jojo Moyes, onde se
movimentam personagens como a singela garçonete Louisa Clark e o tetraplégico
Will Traynor. Sem mencionar a figura de Patrick uma terceira figura que entra
em cena e aos poucos dá um nó irreversível na cabeça da moça.
Em face dele, toda a
historinha água com açúcar descamba para os desvãos das proporções gigantescas.
Nossa vida diária tem muito desses contos de ficção. Somos um pouquinho da Mary
Jane, namorada do Homem Aranha, o imbecilizado desajeitado e cômico Peter
Parker.
Carregamos no sangue um misto da
ousadia da Mulher Gato pelo Batman. Quem de nós não gostaria de viver o
deslumbramento e o encanto mavioso da Lois Lane a eterna musa do Homem de aço? Percebam que até nos imaginários dos
quadrinhos tomamos conhecimento de finais odiosos com os quais não gostaríamos que
o autor tivesse escrito.
Darei um exemplo, ainda no
gancho do Superman. Entre ele e a Lois existia a Lana Lang. Todas nós (embora não admitamos), carregamos
aquela imaginosa realidade-irreal do “até que a morte nos separe”. A morte, às
vezes, não está no falecimento de um dos cônjuges.
A morte tem várias facetas. Alimenta
formas estranhas de nos dizer, “ei, cheguei, estou aqui”. A desgranhenta mora
ao nosso lado se faz encorpada num vizinho que acabou de se mudar para a nossa
rua, para o nosso bairro ou se tornou quase palpável a ponto de se ver todas as
manhãs, senão na praça ou na missa de domingo, no elevador, na garagem do
prédio quando descemos para pegar nosso carro.
Noutro arco, aquele “saradão”
da academia onde malhamos, o entregador de pizzas, o dentista recém-formado. Enfim...
Essa é a morte (não a prematura) que nos leva à morada dos pés juntos. Falo da morte
anunciada, ou aquele infortúnio infame que convive praticamente dentro do nosso
lar com respingos em nosso relacionamento familiar.
Meu amigo acredita em outras
vidas. Em alguém que esteve com ele em dimensões outrorais. Em outras terras,
sob o mesmo céu contemplado pelo Pai Maior. Meu amigo bate na tecla que a
mulher que o deixou fez parte da sua trajetória em espaços consumidos pelos
séculos.
Sustenta convictamente que ela
apenas se afastou. Deu um tempo e brevemente estará em sua trajetória e em
outras tantas mais que ainda nem sabem que existirão. Nesse particular, a morte
foi o desgaste. Meu amigo tem no DNA a certeza dos espíritos com os quais Chico
Xavier conversava animadamente em seus livros.
Não discordo dele, de verdade,
igualmente não concordo. Fico quietinha em cima do muro, esperando, observando,
meditando, e assistindo, de camarote, como no final das contas tudo isso acabará. Torço do fundo do meu âmago, para que o meu prezado
amigo reencontre dez vezes, ou vinte mil vezes o amor da sua vida.
Essa encantada que do nada,
num abrir e fechar de portas sem prévio aviso, carta, telefonema ou bilhete
chutou o pau que sustinha a barraca e lhe meteu os pés no traseiro. Transijo para
que as músicas que ele lhe envia via WhatSapp mensagens e GIF’s surtam o efeito
desejado ou ao menos acomode as dores da sua alma frangalhada.
Que um “espírito de luz”
bondoso atenue os machucados expostos. Cicatrize as feridas abertas... Que ela,
a amada, deixe como Patricia Highsmith “O tremor das suspeitas” de lado morrerem
adormecidas no para sempre das sepulturas e espante as angústias e os
dissabores para um abismo além daqui e dissipe de modo definitivo, os momentos adoentados,
maléficos e execráveis pelos quais passou e suportou por anos e anos a fio.
Gostaria de deixar o trechinho
de uma passagem inesquecível de um romance de Nicholas Sparks, no qual o
personagem Noah Calhoun recorda vidas consumadas e retoma, reassume,
restabelece o amor por Allie Nelson, uma jovem que roubou para todo o sempre o melhor
da sua existência.
Como meu amigo acredita com elevada
persuasão e empáfia nos espíritos e o melhor de tudo, crê fielmente e junto com
a sua alma em festa sonha com o retorno, com a volta triunfal com o regresso
dessa musa que lhe tirou a calma e o colocou em desassossego... Daqui de onde
estou sentadinha em cima do muro, juro, oro ardentemente para que o final da
dupla seja, de fato, FELIZ.
Vamos ao texto: “Essa separação dói tanto porque nossas
almas estão conectadas. Talvez sempre tenham estado e sempre vão estar. Talvez tenhamos
vivido mil vidas antes desta e, em cada uma delas, nós nos encontramos. E
talvez todas as vezes tenhamos sido afastados pelos mesmos motivos”.
“Isso significa que este adeus é tanto uma despedida dos últimos dez
mil anos quanto um prelúdio do que virá. Quando olho para você, vejo sua graça
e beleza e sei que só aumentaram a cada vida que você teve. E sei que passei
todas as vidas antes desta procurando por você”.
“Não alguém como você, mas você, pois sua alma e a minha devem sempre
ficar juntas. E então, por uma razão que nenhum de nós compreende, somos
obrigados a dizer adeus. Adoraria lhe garantir que vai dar tudo certo para nós,
e prometo fazer tudo o que puder para isso”.
E conclui esperançoso: “Mas, se nunca mais nos encontrarmos e este
for mesmo o adeus, sei que nos veremos novamente em outra vida. Vamos nos
encontrar de novo e, talvez, as estrelas tenham mudado, e não só nos amaremos
dessa vez, mas por todas as vezes que passaram antes”.
Título e Texto: Carina
Bratt. De São Paulo, capital. 29-9-2019
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