domingo, 29 de setembro de 2019

[As danações de Carina] Um certo e negro amor de rendas brancas

Carina Bratt

Uma pessoa de meu estreito relacionamento se separou recentemente da companheira com a qual conviveu por muitos anos. Esse divórcio inesperado (inesperado para ele, para ela, de certa forma, meio que “premeditado”) o deixou, como se costuma dizer, sem chão firme onde pisar. 


A criatura se viu de repente estupefatada. Perdida em meio a uma perplexidade imensurável e sufocante. Uma estranheza que ele jamais esperava viesse acontecer em sua pacata realidade. A decadência irreversível da convivência entre ambos, acredito, passou a ter força desde quando ela o convidou para morar em sua casa.

Geralmente quem já foi casado, ou pior, quem passou por uma série de relacionamentos anteriores, jamais conseguirá “aquietar o facho” e desfrutar uma nova união embaixo do mesmo teto. A vida em comum, o habitar, o se conservar a dois entre quatro paredes, é muito difícil.

Embora muitos casais tentem, sempre haverá entre os envolvidos a sombra escura e difusa da desconfiança, o medo mórbido de que o outro venha a ter uma “recaída momentânea” e não conseguir segurar a barra. Dito de forma mais clara: para um dos agregados será penoso, trabalhoso e aflitivo se sustentar nesse novo juntar de calcinhas e cuecas.

Foi o que aconteceu ao meu amigo de trocentas mulheres de tantos casamentos, de dezenas de camas e quartos, lençóis e cobertores. Numa fase da vida da gente, caminhos percorridos ora aqui, ora ali, ora acolá, atrapalham sobremaneira.

Se essas estradas estiverem atreladas a uma porção de “rachaduras” tipo “ex-viúvas vivas”, filhos e netos, e todos os demais quesitos existentes no rol dos problemas que não desgrudam o quadro bonito que vemos diante dos olhos se tornará ainda mais sombrio e lutuoso.

Penso que o meu amigo querido esperava viver um conto de fadas. Um romance à moda Jojo Moyes, onde se movimentam personagens como a singela garçonete Louisa Clark e o tetraplégico Will Traynor. Sem mencionar a figura de Patrick uma terceira figura que entra em cena e aos poucos dá um nó irreversível na cabeça da moça.

Em face dele, toda a historinha água com açúcar descamba para os desvãos das proporções gigantescas. Nossa vida diária tem muito desses contos de ficção. Somos um pouquinho da Mary Jane, namorada do Homem Aranha, o imbecilizado desajeitado e cômico Peter Parker.

Carregamos no sangue um misto da ousadia da Mulher Gato pelo Batman. Quem de nós não gostaria de viver o deslumbramento e o encanto mavioso da Lois Lane a eterna musa do Homem de aço?  Percebam que até nos imaginários dos quadrinhos tomamos conhecimento de finais odiosos com os quais não gostaríamos que o autor tivesse escrito.

Darei um exemplo, ainda no gancho do Superman. Entre ele e a Lois existia a Lana Lang.  Todas nós (embora não admitamos), carregamos aquela imaginosa realidade-irreal do “até que a morte nos separe”. A morte, às vezes, não está no falecimento de um dos cônjuges.

A morte tem várias facetas. Alimenta formas estranhas de nos dizer, “ei, cheguei, estou aqui”. A desgranhenta mora ao nosso lado se faz encorpada num vizinho que acabou de se mudar para a nossa rua, para o nosso bairro ou se tornou quase palpável a ponto de se ver todas as manhãs, senão na praça ou na missa de domingo, no elevador, na garagem do prédio quando descemos para pegar nosso carro.  

Noutro arco, aquele “saradão” da academia onde malhamos, o entregador de pizzas, o dentista recém-formado. Enfim... Essa é a morte (não a prematura) que nos leva à morada dos pés juntos. Falo da morte anunciada, ou aquele infortúnio infame que convive praticamente dentro do nosso lar com respingos em nosso relacionamento familiar.  

Meu amigo acredita em outras vidas. Em alguém que esteve com ele em dimensões outrorais. Em outras terras, sob o mesmo céu contemplado pelo Pai Maior. Meu amigo bate na tecla que a mulher que o deixou fez parte da sua trajetória em espaços consumidos pelos séculos.

Sustenta convictamente que ela apenas se afastou. Deu um tempo e brevemente estará em sua trajetória e em outras tantas mais que ainda nem sabem que existirão. Nesse particular, a morte foi o desgaste. Meu amigo tem no DNA a certeza dos espíritos com os quais Chico Xavier conversava animadamente em seus livros.

Não discordo dele, de verdade, igualmente não concordo. Fico quietinha em cima do muro, esperando, observando, meditando, e assistindo, de camarote, como no final das contas tudo isso acabará.  Torço do fundo do meu âmago, para que o meu prezado amigo reencontre dez vezes, ou vinte mil vezes o amor da sua vida.

Essa encantada que do nada, num abrir e fechar de portas sem prévio aviso, carta, telefonema ou bilhete chutou o pau que sustinha a barraca e lhe meteu os pés no traseiro. Transijo para que as músicas que ele lhe envia via WhatSapp mensagens e GIF’s surtam o efeito desejado ou ao menos acomode as dores da sua alma frangalhada.

Que um “espírito de luz” bondoso atenue os machucados expostos. Cicatrize as feridas abertas... Que ela, a amada, deixe como Patricia Highsmith “O tremor das suspeitas” de lado morrerem adormecidas no para sempre das sepulturas e espante as angústias e os dissabores para um abismo além daqui e dissipe de modo definitivo, os momentos adoentados, maléficos e execráveis pelos quais passou e suportou por anos e anos a fio.

Gostaria de deixar o trechinho de uma passagem inesquecível de um romance de Nicholas Sparks, no qual o personagem Noah Calhoun recorda vidas consumadas e retoma, reassume, restabelece o amor por Allie Nelson, uma jovem que roubou para todo o sempre o melhor da sua existência.

Como meu amigo acredita com elevada persuasão e empáfia nos espíritos e o melhor de tudo, crê fielmente e junto com a sua alma em festa sonha com o retorno, com a volta triunfal com o regresso dessa musa que lhe tirou a calma e o colocou em desassossego... Daqui de onde estou sentadinha em cima do muro, juro, oro ardentemente para que o final da dupla seja, de fato, FELIZ.

Vamos ao texto: “Essa separação dói tanto porque nossas almas estão conectadas. Talvez sempre tenham estado e sempre vão estar. Talvez tenhamos vivido mil vidas antes desta e, em cada uma delas, nós nos encontramos. E talvez todas as vezes tenhamos sido afastados pelos mesmos motivos”.

“Isso significa que este adeus é tanto uma despedida dos últimos dez mil anos quanto um prelúdio do que virá. Quando olho para você, vejo sua graça e beleza e sei que só aumentaram a cada vida que você teve. E sei que passei todas as vidas antes desta procurando por você”.

“Não alguém como você, mas você, pois sua alma e a minha devem sempre ficar juntas. E então, por uma razão que nenhum de nós compreende, somos obrigados a dizer adeus. Adoraria lhe garantir que vai dar tudo certo para nós, e prometo fazer tudo o que puder para isso”.

E conclui esperançoso: “Mas, se nunca mais nos encontrarmos e este for mesmo o adeus, sei que nos veremos novamente em outra vida. Vamos nos encontrar de novo e, talvez, as estrelas tenham mudado, e não só nos amaremos dessa vez, mas por todas as vezes que passaram antes”.
Título e Texto: Carina Bratt. De São Paulo, capital. 29-9-2019

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