Carina Bratt
Numa virada lerda, em
torno de mim mesma, percebo que ainda estou meio atordoada, pasma, zonza,
atônita, com a cacetada que levei. Machucou? Sim! Muito! Feriu profundamente
meu ser? Feriu! Deixou nele marcas indeléveis, como queimaduras de ferro em
brasa? Deixou. Não pensava fosse doer tanto, me escoriando a alma, me refugando
o corpo inteiro, aniquilando e pondo em frangalhos meu eu interior.
Confesso tudo o que aconteceu
me pegou desprevenida e completamente despreparada. Eu sabia que mais hoje ou
amanhã, aconteceria. Pelo andar da carruagem, seria desastroso, irreparável,
irremediável, inevitável. E, de fato, foi. Num horror pungente, me consumi
todinha como se me enterrasse viva num brejo de lama pútrida. Meus caminhos
tortuosos por itinerários irregulares, minha conduta no dia a dia com a
família, notadamente com o companheiro, sinalizava, a olhos vistos, que logo eu
teria uma surpresa.
Uma surpresa de assombro
desagradável. Um susto malquerido, entojado... Tipo um terremoto em grau máximo
na escala de Richter que me levaria a custear meu próprio sismo em magnitude
irreversível. Era, pois, esperado esse sobressalto. Todavia, jamais imaginei
viesse essa dor infame castigar tão fortemente meus dias vindouros, a ponto de
me pegar espoliada. Imaginei, logo a seguir a essa queda vertiginosa e
catastrófica, alguma coisa boa surgisse e me sustentasse ou me confortasse
diante do irremediável.
O irremediável, em certas
ocasiões, se torna um peso morto, um agourento decisivo. Virei, de repente,
bagaço de espectro esbulhado e como tal, assustando os fantasmas que se
colocaram diante de meus medos e receios. De saia justa, saí de cabeça baixa,
arrasada, desmoronada, consternada por dentro e por fora, destroçada da raiz
dos cabelos à planta dos pés.
De roldão, a cabeça
desaprumada e o coração em frangalhos. Esse dia lindo, de repente, se fez tão
profundamente pesado e marcante quanto à partida de meu pai para os braços do
infinito. Em verdade, iria um pouco mais longe, na minha insanidade. A passagem
de meu papito para as terras do Bendito, não doeu tanto, não mexeu deveras
comigo, quanto essa separação, embora, de antemão se fizesse esse divórcio anunciado
há tempos.
Agora sozinha, na casa dos
trinta, chafurdada na minha agonia bucólica, não estou conseguindo trilhar os
desvãos que se descortinam à minha ansiedade. Parecem existir muros altos com
cães raivosos me espreitando. Além deles, para piorar o quadro da minha
derrocada, uma barreira enorme se ergueu à proa de meu destino. Enfim,
reconheço obstáculos intransponíveis me impedindo seguir para qualquer lado que
sinta vontade explorar.
Nuvens compridas de feições
escuras se juntaram sobre minha cabeça e as saídas para um recomeço,
simplesmente deram conta de não mais existirem. Penso, comigo, que o imprevisto
previsível, se antecipou e me deixou meio abobalhada, quebrantada, sem chão
firme para calcar os restos que consegui juntar. Chego ao ponto de me sentir
uma escrava despida para o sexo de um carreiro sem volta.
Tornou-se trabalhoso,
confesso, catar um por um os pedacinhos de tudo o que sobrou. Colar fatia por
fatia da vida alegre e feliz que se desfez em sonhos andrajos. Quase impossível
também avistar ali adiante, tão perto de meus sentidos, um horizonte novo se
abrindo inteiro aos meus percalços e estorvos, molestos e agastamentos. Sequer
enxergo alfombras de cores variadas onde pisar com minhas horas incertas.
Pareço ter perdido a vontade
de seguir em frente, de me reestruturar, de me reconstruir. Pinçar cada
fragmentado da solidão e soerguer, numa audácia maravilhosa, aquela expectativa
que, de um minuto para outro, me devolvesse à graça de viver, de voltar a
sonhar com um sol se esplendendo, de me abrir ao amar, ao recomeçar como em
outrora fazia sem maiores esforços.
Sobretudo, o mais importante:
queria regressar ao faz de conta, regredir ao de como tudo era antes da
explosão da minha imbecilidade, da insensatez que costurou meus passos num
mundinho lúgubre e sem volta. Apesar de toda essa confusão desordenada, o
melhor de tudo. Eu creio piamente num porvir esperançoso. Creio, de fato, sem
restrições. E nele, eu, comigo, de posse de uma carta de euforia, de volta com
ele, ao lado dele, nos braços dele, inteiramente dele, INTEIRAMENTE DELE...
Voando como Ícaro em suas asas de sonhos, plena e FELIZ.
Título e Texto: Carina
Bratt, de São Paulo, Capital. 8-9-2019
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