Em partes menos folclóricas da Terra, corre
a lenda de que costumamos gastar as esmolas em mulheres e vinho. É uma lenda:
de facto, gastamos tudo em lixo.
Alberto Gonçalves
A bajulice
Uma estação televisiva, a TVI,
lembra o aniversário do Primeiro-Ministro e cria um espaço para que os
espectadores possam, cito, dar os parabéns ao dr. Costa. Ao contrário do que
corre por aí, os milhões de euros com que o Governo nacionalizou a quase
totalidade dos “media” não serviram para comprar propaganda. A propaganda e a
censura das dissidências já existiam com abundância, graças a Deus. O dinheiro
apenas lançou as redações numa competição para distinguir as maiores
manifestações de sabujice face ao poder. O empenho das redações é grande. O
descaramento com que o fazem é maior. Claro que todos temos de ganhar a vida,
mas vender o corpinho nas esquinas é muito mais digno do que isto. E não obriga
ao uso daqueles fatos ridículos da rapaziada televisiva.
O parasitismo
Os líderes europeus discutem à
mesa o “fundo de recuperação”. O sofisticado estadista que representa Portugal
“esparrama-se no sofá” (está escrito, embora não pelo “jornalismo” caseiro)
enquanto espera. Durante semanas, os noticiários chamam comentadores para
apelar ao patriotismo e insultar os países renitentes em patrocinar pelintras.
Cá dentro, o estadista também insulta esses forretas repugnantes. Lá fora,
derrete-se com mesuras e mão estendida. Por fim, chega o acordo e a garantia de
incontáveis milhões. Em partes menos folclóricas da Terra, corre a lenda de que
costumamos gastar as esmolas em mulheres e vinho. É uma lenda: de facto,
gastamos tudo em lixo.
A selvajaria
Para combater a crise
provocada pela histeria provocada pelo vírus, um município vizinho de Lisboa já
encomendou – a um “artista luso-angolano” – um obelisco (com laser, vá lá) de
600 mil euros. E a própria autarquia lisboeta desatou a pintar o chão das ruas
com cores bonitas. Não tarda temos rotundas na A1 e um projeto do Siza para
cimentar o Marão. Imagino a cara dos holandeses forretas quando confrontados
com a nossa gestão responsável. Espero que os holandeses leiam o plano daquele
outro artista luso-angolano que, a pedido do dr. Costa, traçou em dois dias a
salvação de Portugal para as próximas décadas, séculos e milênios.
A intrujice
Não li o plano do poeta
António Costa Silva, concebido em dois dias como o “Klavierstück I” do
Stockhausen e o “Prontuário das Micoses”. Mas o “Expresso” diz que é bom. Além
disso, o homem é amigo do Nicolau do Laço, o verdadeiro jornalista promotor de
falsos economistas. O que vi citado na imprensa deixou-me otimista. Ele é
aeroportos. Ele é TGV. Ele é TAP. Ele é energias “renováveis”. Ele é uma
miríade de milagres “sustentáveis”. Ele é uma ânsia insustentável de espatifar
os milhares de milhões do “fundo” em projetos ruinosos e essenciais à nação.
Para sossegar os descrentes, felizmente raros, o dr./eng./arq. Costa Silva foi
às televisões informar que “o mar é o nosso grande ativo”. Não podemos esquecer
que, antes de engenheiro, gestor ou sequer alfabetizado, o homem é poeta.
A indigência
Pelos vistos, existe uma
“disciplina” escolar, ou uma gosma que infecta várias disciplinas, chamada
Cidadania e Desenvolvimento. Trata-se de um pretexto para enfiar babugem “correta”
na cabeça dos fedelhos, carecidos de informação válida sobre a transexualidade
ou as alterações climáticas. Acho fantástico. De alto a baixo, estes projetos
envolvem inúmeras criaturas a concebê-los e a aplicá-los, pelo que são uma
prova de que indivíduos com limitações mentais podem ter empregos quase comuns.
Em Famalicão, um cidadão sem limitações dessas não apreciou que os filhos fossem sujeitos à babugem e impediu-os de frequentar as aulas de Cidadania. O Ministério da Educação puniu a afronta e rebaixou em dois anos os alunos, ambos excelentes nas disciplinas a sério. Ótimo. Em qualquer dos casos, os miúdos farão carreiras em países livres e habitáveis. E o exemplo que têm em casa é um justo enxovalho aos portugueses que toleram tudo, incluindo o rapto dos filhos por um Estado particularmente criminoso, brutal e iletrado.
Em Famalicão, um cidadão sem limitações dessas não apreciou que os filhos fossem sujeitos à babugem e impediu-os de frequentar as aulas de Cidadania. O Ministério da Educação puniu a afronta e rebaixou em dois anos os alunos, ambos excelentes nas disciplinas a sério. Ótimo. Em qualquer dos casos, os miúdos farão carreiras em países livres e habitáveis. E o exemplo que têm em casa é um justo enxovalho aos portugueses que toleram tudo, incluindo o rapto dos filhos por um Estado particularmente criminoso, brutal e iletrado.
A boçalidade
Por sugestão do PSD do dr.
Rio, o Parlamento proíbe os debates quinzenais com o Primeiro-Ministro. Faz
muito bem. As democracias inseguras precisam dessas patetices, as ditaduras
firmes dispensam-nas. O dr. Rio é um achado: o problema é que ninguém o
procurou. Ninguém, vírgula. Parecendo que não, ao PS convém que o líder do
maior partido da oposição apoie o Governo com um entusiasmo que nem a sra. dona
Antónia Palla conseguiria igualar. Não vale a pena tentar decifrar a estratégia
subjacente. Há meses, pessoa que respeito me definiu assim o dr. Rio: “É
admiravelmente burro.” Não restam dúvidas. Resta apurar por quanto tempo o PSD
sobrevive a tão particular espécime, embora o exercício seja inconsequente.
Setenta e dois em setenta e nove deputados votaram com o chefe na matéria em
questão. Mudar o chefe não mudaria o PSD. O PSD, que nasceu com a democracia,
morreu no estertor desta.
A vassalagem
Não me venham com a metade da
população que nunca vota, já que a omissão dessa gente é um consentimento e não
um protesto. Nas sondagens, mais de um terço dos portugueses promete votar no
PS (ou dois terços, se incluirmos o PSD, ou quatro quintos, se incluirmos o
PSD, o BE, o PCP e o PAN). Contas por alto, são os mesmos eleitores do prof.
Marcelo. Os partidos citados – ou o PS, com a conivência dos restantes –
aboliram a democracia. O prof. Marcelo não comenta, como não comentaria o bombardeamento
da Beira Alta desde que o silêncio lhe favorecesse a reeleição. Não importa.
Por enquanto, os portugueses têm o que querem. Claro que, um dia, talvez se
lembrem de querer outra coisa e não a poderão ter. Então, e só então, terão o
que merecem. Durante duas décadas, escrevi crônicas sob o pressuposto de que,
apesar da corrupção, da pequenez e do atraso, vivíamos em liberdade. Hoje, à
imagem de um moço forçado a relatar jogos de futebol sem balizas, tento
habituar-me à Nova Ordem em que vivemos, a qual jamais pensei conhecer de
perto. Ainda não me habituei, e espero que a habituação não chegue. De
colunistas habituados estão as televisões e os jornais cheios. E eu não gosto
do excesso de concorrência. Mas também não importa. Importa o seguinte: até quando
a União Europeia vai tolerar e alimentar os dois membros que abandonaram os
princípios civilizacionais básicos? Um deles é a Hungria.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
25-7-2020
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