Henrique Pereira dos Santos
Luis Aguiar-Conraria tem sido
incansável na desmontagem dos argumentos dos que querem evitar a normalidade
presencial do ano letivo.
Na Sexta-feira, 21, na RTP3,
por volta das 22 e 20, e sobretudo no fim do seu segundo comentário, diz
claramente que os senhores jornalistas, em vez de perguntarem que medidas deve
o governo tomar para responder à crise econômica que se instala perante os
nossos olhos e a nossa indiferença, devem parar de assustar as pessoas com
informação falsa sobre a epidemia que, isso sim, seria um bom contributo para
retoma econômica.
Dá dois exemplos claros e
recentes, o da forma como foi tratada a morte de um bebé de quatro meses que é
registado como uma morte covid, mas que tem uma patologia grave desde o
nascimento e, sobretudo - ele diz acaloradamente que é inadmissível e eu só
posso concordar - a forma como toda a imprensa repetiu títulos sobre um estudo
que demonstraria que as crianças são tão ou mais infecciosas que os adultos e,
lendo o estudo, é claríssimo que que os autores dizem que não estudaram a
transmissibilidade mas apenas cargas virais.
Por coincidência, uma pessoa
que não conheço, e que pela conversa me pareceu professor, veio argumentar
comigo que "se há várias dezenas de milhares de professores com mais de 60
anos é de esperar que para alguns a doença ataque mais fortemente e que alguns
morram".
Este tipo de terrorismo
argumentativo, que felizmente muitos professores não usam, mas que caucionam
com o seu silêncio e com a passividade com que deixam o espaço público aos que
não querem normalizar o ensino presencial, tem excessiva expressão no
jornalismo, que raramente perde tempo a demonstrar que isto não são argumentos
para manter escolas fechadas, isto é puro terrorismo argumentativo.
Vamos aos factos.
Não sabemos quantos
professores existem em grupos de risco.
Os estudos sobre o
envelhecimento da classe debruçam-se sobre os professores com mais de 50 anos,
não tendo muita informação sobre a estrutura etária (ou melhor, na rápida pesquisa
que fiz não encontrei a estrutura etária, deve haver com certeza, eu é que não
tenho tempo agora para procurar mais) que permita saber quantos professores
existem entre os 60 e os 70 anos.
Dito isto, as pessoas entre 60
e 70 não estão, por essa razão, nos grupos de risco que, do ponto de vista
etário, são definidas a partir dos 70 anos.
É verdade que dentro dos
grupos de risco estão muitas pessoas que têm mais de sessenta anos e que têm
outras patologias que as tornam parte desses grupos de risco.
Algumas dessas patologias não
dependem de comportamentos individuais, mas duas das mais espalhadas, o excesso
de peso e a tensão alta, são, em grande medida, controláveis por comportamentos
individuais, isto é, quem se sinta em risco porque tem mais de sessenta anos e
a tensão alta ou excesso de peso pode, na maior parte dos casos (não em todos,
é certo) reduzir esse risco adotando comportamentos individuais que diminuam o
seu peso ou a sua tensão arterial.
Exigir o fecho das escolas
para que estas pessoas possam manter comportamentos individuais de risco não
diminui o risco de morte destas pessoas, que continuam com mais de sessenta
anos, peso a mais ou tensão arterial alta, mas a alteração dos seus
comportamentos individuais ajuda a protegê-las da doença, com ou sem escolas
abertas.
Acresce que os professores em
grupos de risco podem adotar comportamentos de defesa perfeitamente
praticáveis, o principal dos quais é o distanciamento físico das outras
pessoas. A OMS recomenda um metro, se quiserem podem duplicar para dois metros,
e dar aulas mantendo uma distância permanente de dois metros em relação a
terceiros é perfeitamente viável. Podem reforçar essa defesa própria com uma
máscara adequada para esse efeito (não estas coisas que usamos por serem obrigatórias
em alguns sítios, mas as que protegem mesmo a pessoa em causa) e lavar as mãos
frequentemente.
Tudo isso cumpre perfeitamente
a necessidade de defesa de grupos de risco, sem pôr em causa o direito dos
alunos, em especial dos mais pobres e frágeis, a ter uma educação que atenue a
diferença de oportunidades para quem nasceu em berços mais dourados.
Um professor que se recusa a
contribuir para fazer funcionar o elevador social através da educação porque se
recusa a adotar comportamentos individuais que podem reduzir o seu risco face
à covid não é um professor que eu respeite.
Acresce que toda a informação
que existe sobre escolas - sim, há países em que as escolas ou sempre
funcionaram, ou rapidamente foram postas a funcionar, mesmo durante a epidemia
- não demonstra problemas de maior de gestão da epidemia, ou de crescimento de
risco para os professores, decorrentes do contexto escolar presencial.
Claro que com os jornalistas a
insistir em falar nas escolas que fecham imediatamente depois de recomeçar o
ensino presencial será sempre difícil combater a paranoia dos contágios.
Lembro-me de uma notícia que
dizia que já havia sete escolas fechadas, se não me engano, na Alemanha, e
depois percebia-se que em apenas numa havia uma ligação a um surto ligado à
comunidade, nem sequer ao contexto escolar, o resto eram medidas
precaucionistas da paranoia dos contágios e, ainda assim, a notícia omitia que
sete escolas é um número residual, sem qualquer expressão.
Lembro-me de se focar a
atenção, por exemplo, nas dez escolas que fecharam em Portugal (existem cinco
mil escolas em Portugal, se não em engano), omitindo que algumas nem sequer
tinham caso nenhum, declara-se um surto no lar de terceira idade e a câmara
decide fechar as escolas, o que torna difícil combater a paranoia dos
contágios.
Se há um teste positivo (e já
nem discuto a questão de nos concentrarmos nos doentes, e não em resultados de
laboratório) numa escola, o que há a fazer é isolar esse caso, testar os contatos
mais próximos, isolar quem deva ser isolado, e continuar a vida da escola
normalmente.
Mesmo que assim não seja, eu
não entendo os professores que não dizem, alto e bom som, que mais vale ter cem
escolas a abrir e fechar ao ritmo da paranoia dos contágios e testes, e as
outras 4 900 abertas e a funcionar normalmente, a ter tudo fechado, com medo de
que algum professor seja contagiado na escola.
Que me perdoem os professores
que não o merecem, mas o silêncio de tantos professores perante as campanhas
absurdas contra a abertura de escolas é imperdoável.
Os professores têm a obrigação
moral de estar na primeira fila da defesa da importância social da escola
presencial - e, já agora, da importância social da sua profissão - e, mesmo que
tenham medo, compreender que ali ao leme são mais eles próprios, são uma das
principais garantias e alavancas de uma sociedade mais rica e mais justa.
Que os jornalistas não ajudem
os professores de boa vontade a sair do armário, é deprimente.
Título e Texto: Henrique
Pereira dos Santos, Corta-fitas,
23-8-2020
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