Vitor Cunha
O que mantém o verniz da
civilização com umas rachas, mas ainda suportável é a ideia de que ainda
voltaremos a uma “normalidade”, uma reminiscência de um tempo em que
passeávamos pela praia sem que alguém com máscara P2 se cruzasse conosco. Não
querendo acelerar o processo de degradação de todos os laços sociais, o que
parece certo é não haver qualquer hipótese de regressarmos a Fevereiro de 2020,
quanto mais a uma época em que Guterres não se fotografava de pés na água ou
que Greta ainda brincava com o que quer que crianças criadas por pais imbecis
brincam.
A televisão que nos
estupidificaria era a mesma que nos fazia sentir o calor do Verão com os
biquínis, o Ambre Solaire, o Fá Fresh e a beleza feminina pré-burqa. Era o
tempo em que belas moças brindavam vencedores de corridas com vestidos que refletiam
o poder feminino. Era o tempo em que se reconhecia que a stripper a receber
gorjetas enfiadas na tanga refletia o poder que esta exercia sobre homens
completamente babados e não a opressão do heteropatriarcado. Pelo contrário,
era o tempo em que as mulheres dominavam o mundo, deixando o palermita do homem
para o cargo de fingir liderar fosse o que fosse. Era o tempo em que a dona de
casa geria aquilo tudo enquanto o caçador ia buscar o dinheiro ao emprego para
que ela aprumasse filhos, os alimentasse e os criasse na completa admiração
pelo “mãe é mãe”.
Esse tempo não volta. Este é o
tempo de “sermos felizes”, como se uma condição efémera de felicidade não fosse
apenas possível através da superação de sofrimento. Ninguém é permanentemente
feliz, mas não é nada disso que se vende: vende-se a ideia de que a felicidade
é um estado que se atinge – e divulga – e do qual nunca mais se sai exceto por
culpa do próprio.
Ninguém voltará à
“normalidade”. A normalidade era a condição humana. Agora, em que esta é
substituída pela fé no pantomineiro das “ciências sociais” e dos “organismos do
estado”, as pessoas estão em via de extinção, sendo progressivamente
substituídas pelos drones do pensamento único, anódinos, sem alma.
Se alguém viajasse no tempo de
1946 para 2020 não creio que desejasse ficar. Melhor seria voltar aos escombros,
onde, por muitas falhas que tivesse, os humanos ainda o eram. Mas, como sempre,
a culpa deve ser do Trump.
Já há algum tempo que não
vivemos na era do pecado original. Agora vivemos na era do pecado permanente.
Título e Texto: Vitor Cunha,
Blasfémias,
11-8-2020
Excelente argumento. Realmente, temos agora que nos focar em redirecionarmos nossa vida, enxergando uma nova realidade que nos obriga a sermos ainda mais "ante-sociais". Mais afinal, era isso mesmo que muitos procuravam e poucos temiam, não é Vitor!!!
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