Alguns elementos factuais sobre a relação
entre Bolsonaro e a imprensa
Guilherme Fiuza
Não é desejável uma relação
hostil entre presidente da República e imprensa numa democracia. Bolsonaro
formatou seu mandato para favorecer a proximidade com os jornalistas
recebendo-os semanalmente — sem restrições — para cafés da manhã no palácio.
Nem Lula nem FHC fizeram algo assim. Ao contrário, Lula não dava coletivas. Mas
a estratégia foi desandando, com direito a provocações de parte a parte
(Bolsonaro e imprensa) no cercadinho do Alvorada.
Após mais um episódio
colocando em choque presidente e imprensa, Bolsonaro se referiu a parte dos
jornalistas como “bundões”. Há algo errado aí, naturalmente, e não dá para
topar essa descida ladeira abaixo no idioma em terreno que precisa de
civilidade. E também é preciso verificar o contexto do qual provém o disparate
presidencial.
Vamos à verificação de alguns
elementos factuais desse contexto:
· Produção de reportagens insinuando que a
eleição de Bolsonaro resultou de uma manipulação da votação por meio de um
golpe no WhatsApp;
· Notícias associando o presidente da República
com o assassinato de Marielle Franco a partir de falsos testemunhos;
· Reportagens no Brasil e no exterior
insinuando em contrariedade com os fatos que o governo iniciado em 2019 bateu
recordes de destruição da Amazônia seguindo diretrizes de crime ambiental;
· Especulações e pensatas na grande imprensa
sobre um suposto golpe militar em articulação pelo presidente da República para
o fechamento do regime, ignorando a reiteração pelo próprio presidente do seu
compromisso incondicional com a democracia e a Constituição;
· Omissão deliberada da negociação democrática do governo com o Congresso em reformas cruciais como a da Previdência e produção de reportagens — inclusive em grandes veículos estrangeiros — sugerindo que o Brasil resiste ao domínio fascista graças a um “parlamentarismo branco”;
· Omissão deliberada da negociação democrática do governo com o Congresso em reformas cruciais como a da Previdência e produção de reportagens — inclusive em grandes veículos estrangeiros — sugerindo que o Brasil resiste ao domínio fascista graças a um “parlamentarismo branco”;
· Divulgação internacional de foto da
primeira-dama fazendo tradução em libras com legenda transformando um dos
gestos manuais dela em “continência militar”;
· Usar o vídeo de uma menina palmeirense
acenando negativamente aos seus colegas de escola corintianos para dizer que
ela estava se recusando a cumprimentar Bolsonaro;
· Tentar transformar o presidente numa pessoa
insensível às vítimas da pandemia omitindo, inclusive, um ato oficial do
governo em solidariedade aos mortos por covid-19;
· Plantar especulações e notas por mais de um
ano e meio “noticiando” que Paulo Guedes, o principal ministro do governo, está
deixando o cargo;
· Omitir o cumprimento de todas as metas no
setor de infraestrutura para poder dizer que se trata de um governo inoperante;
· Transformar contingenciamento de verbas
orçamentárias em corte fascista na educação (e silenciar quando essas mesmas
verbas são liberadas);
· Espalhar fake news de que os
Estados Unidos desistiram de indicar o Brasil para a OCDE para poder dizer que
Bolsonaro é um capacho de Trump;
· Espalhar fake news de que o
STF não retirou do governo federal o poder sobre as diretrizes de funcionamento
da sociedade durante a pandemia;
· Escrever que manifestações de rua em apoio à agenda
de reformas eram atos milicianos orquestrados pelo presidente contra a
instituição do Congresso Nacional;
· Publicar que um remédio para tratamento da
covid que divide a classe médica é curandeirismo, apenas porque o presidente
encampou a recomendação dos médicos favoráveis a essa terapêutica;
· Silenciar sobre a violência de governadores e
prefeitos contra cidadãos a pretexto de cumprir medidas sanitárias para fingir
que o isolamento vertical com proteção dos vulneráveis é genocídio;
· Minimizar o Covidão e preservar
vergonhosamente governadores e prefeitos que estão no centro da roubalheira
porque eles são oposição ao governo federal;
· Silenciar sobre prisão arbitrária de
jornalista em inquérito ilegal para fingir que isso é caçada a milícia
fascista;
· Apoiar censura ditatorial do STF a
plataformas de alcance internacional para se fingir de justiceiro contra o
fascismo;
·
Apoiar projeto de lei que finge
combater fake news para instituir a mordaça nas redes sociais.
Vamos parar por aqui porque
essa lista é interminável e você tem mais o que fazer. Vamos deixar só duas
conclusões:
1.
Nenhum presidente deve tratar a imprensa de
forma rude;
2.
Quem veiculou as fanfarras acima é
bundão. No mínimo.
Título e Texto: Guilherme
Fiuza, revista Oeste,
28-8-2020
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