A República dos discursos

Editorial do Diário de Notícias

Aníbal Cavaco Silva

Cavaco Silva apelou ontem à "ética e responsabilidade" dos titulares de cargos públicos. Uma espécie de regresso ao passado, aquela que foi a sua primeira intervenção como Presidente da República numa cerimónia do 5 de Outubro, em 2006. Nessa altura, o Chefe do Estado fez um forte apelo aos valores da ética republicana e enfatizou a necessidade de combater a corrupção na administração pública.

Este ano, naquele que terá sido um dos seus últimos grandes discursos antes do final do mandato, acrescentou apelos de conjuntura falando da necessidade de se estabelecerem "compromissos" entre todos os partidos, tendo como pano de fundo o Orçamento do Estado para 2011. Cavaco Silva, ao contrário do que fez no passado, optou agora por um discurso que aponta desígnios de curto prazo. Não falou do que preocupa os portugueses, mas apenas os partidos e o Governo. A aprovação do Orçamento do Estado é, seguramente, importante e decisivo para o País. Mas, na celebração do centenário da implantação da República, os portugueses esperavam certamente mais do seu Presidente.

As ausências de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas foram marcas negativas das cerimónias. Sobretudo a do presidente do PSD, a menos que pretenda a todo o custo evitar pisar o mesmo chão que José Sócrates. É certo que os apelos do Presidente o colocam de novo sob pressão para viabilizar o Orçamento. Estando ausente, Passos Coelho conseguiu evitar ser confrontado depois pelos jornalistas com estas questões. Mas o que esta atitude demonstrou foi que, afinal, o líder do PSD privilegia o tacticismo político e partidário.

Tudo isto, a somar aos conhecidos desmandos da política económica dos últimos anos, se resume à constatação feita pelo presidente da Comissão para as Comemorações do Centenário, Artur Santos Silva: "O País precisa de mudar de vida."

Editorial do Diário de Notícias, 06-10-2010