sexta-feira, 8 de abril de 2011

Pelo presidente Obama, para que tenha sorte na Líbia

A situação no Médio Oriente é confusa, perigosa, violenta - e impregnada de esperança, e pode produzir resultados magníficos. Obama assumiu uma responsabilidade que pode prestigiar os EUA

Diz-se no Médio Oriente que um camelo é um cavalo nomeado por uma comissão. Lembrei-me disto quando ouvi o presidente Obama tentar explicar a intervenção da América e dos seus aliados na Líbia, e não o digo em forma de crítica mas com empatia. A coisa está longe de ser fácil, e isto ainda é só o começo.
Quando toda uma região que vive afastada das tendências políticas e de mercado globais há mais de 50 anos de um dia para o outro se junta à corrente da história - e cada um dos seus estados tem uma orientação étnica, tribal e política diferente e há uma coligação pouco coerente de países árabes e ocidentais com motivações muito variadas a tentar perceber a melhor maneira de os apoiar -, bom, o melhor é prepararmo-nos para ver nascer animais políticos com aspecto realmente estranho. E a Líbia é apenas a primeira de muitas escolhas difíceis que teremos de fazer no "novo" Médio Oriente.
E como poderia ser de outro modo? Na Líbia teremos de perceber se devemos ajudar rebeldes que não conhecemos a depor um ditador de quem não gostamos ao mesmo tempo que fechamos os olhos a um monarca de quem gostamos no Bahrein, que reprimiu pessoas de quem também gostamos - os democratas do Bahrein -, porque essas pessoas de quem gostamos combatem ao lado de outras de quem não gostamos: xiitas da linha dura pró-iraniana. Entretanto, na Arábia Saudita, vários líderes de quem gostamos dizem- -nos que não devíamos ter deixado partir um líder de quem o seu povo não gostava - Mubarak - e, embora gostássemos de dizer aos líderes sauditas que nesta matéria vão dar uma volta, não podemos porque eles têm muito petróleo e muito dinheiro, de que gostamos. Tudo isto tem semelhanças com o nosso dilema na Síria, onde um regime de que não gostamos - e que provavelmente matou o primeiro-ministro do Líbano, de quem não gostávamos - pode ser deposto por pessoas de quem dizemos que gostamos, embora não estejamos certos de que todas elas acreditem realmente naquilo de que gostamos porque entre elas pode haver fundamentalistas sunitas, que, para chegar ao poder, poderiam suprimir todas aquelas minorias da Síria de que não gostam.

A última vez que os fundamentalistas sunitas da Síria tentaram tomar o poder, em 1982, o então presidente, Hafez al-Assad, saído de uma dessas minorias, não gostou nada disso e mandou matar 20 mil desses sunitas numa cidade chamada Hama, coisa de que eles de certeza não gostaram nada, o que explica que haja ali tanto ódio, que pode vir ao de cima, apesar de alguns especialistas garantirem que desta vez não, e é possível que tenham razão, porque o povo sírio quer liberdade para todos.
Foto: Reuters/i
No entanto, por agora, estamos a ser cautelosos. Não estamos de maneira nenhuma a tentar ver-nos livres do ditador sírio como estamos a tentar ver-nos livres do líbio, porque a situação na Síria é menos clara do que gostaríamos e porque a Síria é um país-chave. A Líbia implode, a Síria explode.
Bem-vindo ao Médio Oriente de 2011! Quer mesmo saber a verdade? Duvido. A verdade é que se trata de uma barafunda perigosa, violenta, impregnada de esperança e que pode tornar--se imensamente positiva ou explosiva - dominada pela ambiguidade política e moral. Temos de construir a democracia no Médio Oriente que temos, não naquele que queremos - e o que temos é este.
É por isso que tenho orgulho no meu presidente, estou genuinamente preocupado com ele e só espero que tenha sorte.
Ao contrário de todos nós, nas bancadas, o presidente tem de escolher, e a maneira como explicou o seu argumento central na segunda-feira passada pareceu--me sincera e aliciante: "Há países que podem fechar os olhos às atrocidades noutros países, mas não os Estados Unidos. Como presidente, recuso-me a ficar à espera das imagens da carnificina e das valas comuns para tomar uma atitude."
Agrada-me que tenhamos um presidente que veja a América desta maneira. Estas razões não podem simplesmente ser ignoradas, especialmente quando estamos perante um ditador como Kadhafi. Mas ao mesmo tempo estou convencido de que é ingénuo pensar que podemos ter uma atitude humanitária exclusivamente aérea - e deixar as coisas nas mãos da NATO, como se não fôssemos nós a coluna vertebral da aliança.
Não conheço a Líbia, mas tenho o forte pressentimento de que qualquer resultado decente no país exigirá que ponhamos as botas em terra - seja para ajudar militarmente os rebeldes a expulsar Kadhafi, seja para manter a paz e arbitrar os conflitos entre tribos e facções e facilitar o processo de transição para a democracia. Estas botas não podem ser as nossas. Não temos capacidade para isso - nem dinheiro, nem homens, nem energia, nem atenção. Contudo, também tenho grandes dúvidas de que os nossos aliados consigam resolver o problema sem nós. Se a situação ali se agravar seriamente, ou estagnar num empate, as pessoas vão voltar a pedir a nossa ajuda humanitária. Bombardeamos, tomamos conta.
Acima de tudo é por isso que espero que Obama tenha sorte. Espero que o regime de Kadhafi caia como um castelo de cartas, que a oposição na Líbia se mostre decente e unida e que um mínimo de ajuda internacional lhe baste para se pôr de pé. Se assim for, o prestígio dos Estados Unidos será reforçado e esta missão humanitária acabará por salvar a vida de muitos e ao mesmo tempo contribuir para empurrar mais um estado árabe para o clube das democracias.
Pelo presidente Obama, para que tenha sorte. Orai por nós.
Thomas Friedman, jornal i/The New York Times

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