terça-feira, 12 de março de 2013

A corporação dos sensíveis

Helena Matos
As pessoas sensíveis falam muito dos pobres e enfatizam expressões como “políticas sociais” como se ao pronunciá-las assim enfaticamente elas mesmas de tão sensíveis lhes sentissem as dores e logo aumentassem a sua condição de pessoas moralmente superiores.
Actualmente vários sensíveis mostram-se todos os dias muito sensibilizados pela insensibilidade das medidas de austeridade. Durante anos e anos, a sua alma sensível nunca se chocou com o crescimento desmesurado do Estado, nem com os observatórios, institutos, fundações e empresas municipais que floresciam ancorados num discurso sobre "políticas sociais", "cidadania", "combate à pobreza" que mesmo que conduzisse ao resultado contrário não se questionava porque isso era e é sinónimo de insensibilidade social.
Acrescente-se também que a sensibilidade se tornou uma verdadeira agência de empregos e um sector muito rentável para aqueles que nele apostaram: as políticas que os sensíveis defendem nunca falham por serem más ou desajustadas mas simplesmente porque não foram dotadas dos meios suficientes e eles mesmos, os sensíveis, também raramente são escrutinados porque está implícito logo à partida que só com grande insensibilidade se questiona ou pretende avaliar o modo de proceder de um sensível. Tanto mais que ser sensível e dizer coisas sensíveis é meio caminho andado para se gozar de boa imprensa: as redes sociais, que parecem a versão tecnológica das pretéritas conversas de taberna e café, adoram as pessoas sensíveis e os jornalistas odeiam fazer perguntas difíceis às pessoas sensíveis.
Outro dado a ter em conta é que os sensíveis não têm memória. Só indignações. Sempre que, até num passado relativamente recente, se questionava a sustentabilidade da Segurança Social, as pessoas sensíveis sensibilizavam-se muito e achavam um horror que (diziam) se questionasse o direito à reforma. Como ninguém queria ficar nesse odioso papel - ser objecto da indignação de um sensível condena qualquer um ao opróbrio! - o assunto foi sendo iludido até se tornar uma tragédia anunciada. Perante o avizinhar da catástrofe os sensíveis num ápice passaram a lastimar a ausência de estadistas e de líderes com coragem para atempadamente terem evitado esta dramática situação que, claro, muito os preocupa a eles e à sua sensibilidade.
Desiluda-se quem, mesmo que por breves segundos, acalente a esperança de ver um sensível questionar-se sobre o que fez ou disse no passado. Para as pessoas sensíveis apenas conta o presente. Esse momento em que defendem aquilo que amanhã nem lhes lembra e caucionam líderes que, anos depois, quando se tornam uma mancha incómoda no seu curriculum, dizem que se revelaram uma desilusão. Afinal os sensíveis nunca erram, iludem-se. Mas ainda e sempre com muita sensibilidade.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 12-03-2013

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