
Actualmente vários sensíveis mostram-se todos os dias muito sensibilizados
pela insensibilidade das medidas de austeridade. Durante anos e anos, a sua
alma sensível nunca se chocou com o crescimento desmesurado do Estado, nem com
os observatórios, institutos, fundações e empresas municipais que floresciam
ancorados num discurso sobre "políticas sociais",
"cidadania", "combate à pobreza" que mesmo que conduzisse
ao resultado contrário não se questionava porque isso era e é sinónimo de
insensibilidade social.
Acrescente-se também que a sensibilidade se tornou uma verdadeira agência
de empregos e um sector muito rentável para aqueles que nele apostaram: as
políticas que os sensíveis defendem nunca falham por serem más ou desajustadas
mas simplesmente porque não foram dotadas dos meios suficientes e eles mesmos,
os sensíveis, também raramente são escrutinados porque está implícito logo à
partida que só com grande insensibilidade se questiona ou pretende avaliar o
modo de proceder de um sensível. Tanto mais que ser sensível e dizer coisas
sensíveis é meio caminho andado para se gozar de boa imprensa: as redes
sociais, que parecem a versão tecnológica das pretéritas conversas de taberna e
café, adoram as pessoas sensíveis e os jornalistas odeiam fazer perguntas difíceis
às pessoas sensíveis.
Outro dado a ter em conta é que os sensíveis não têm memória. Só
indignações. Sempre que, até num passado relativamente recente, se questionava
a sustentabilidade da Segurança Social, as pessoas sensíveis sensibilizavam-se
muito e achavam um horror que (diziam) se questionasse o direito à reforma.
Como ninguém queria ficar nesse odioso papel - ser objecto da indignação de um
sensível condena qualquer um ao opróbrio! - o assunto foi sendo iludido até se
tornar uma tragédia anunciada. Perante o avizinhar da catástrofe os sensíveis
num ápice passaram a lastimar a ausência de estadistas e de líderes com coragem
para atempadamente terem evitado esta dramática situação que, claro, muito os
preocupa a eles e à sua sensibilidade.
Desiluda-se quem, mesmo que por breves segundos, acalente a esperança de
ver um sensível questionar-se sobre o que fez ou disse no passado. Para as
pessoas sensíveis apenas conta o presente. Esse momento em que defendem aquilo
que amanhã nem lhes lembra e caucionam líderes que, anos depois, quando se
tornam uma mancha incómoda no seu curriculum, dizem que se revelaram uma
desilusão. Afinal os sensíveis nunca erram, iludem-se. Mas ainda e sempre com
muita sensibilidade.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 12-03-2013
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