Danusa Leão
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Imagem: revista Manchete |
Lembro bem; era um domingo de
sol, 14 de agosto de 1955, e acordei com o rádio noticiando que o
hotel Vogue estava pegando fogo.
O Vogue era na Princesa
Isabel, no Rio, e no andar térreo funcionava a boate mais famosa da cidade.
Era lá que se encontravam os
políticos (a capital da República ainda era aqui), as beldades e o high society em geral. Não havia jantar,
coquetel, festa, que não terminasse no Vogue, onde as crooners eram Linda Batista e Araci de Almeida, olha que luxo; às
vezes aparecia Dolores Duran para dar uma canja.
Só saímos de lá com o sol
raiando, e vivíamos intensamente os anos dourados, onde se nem todos eram felizes,
todos pareciam ser. Foi a melhor boate que o Rio já teve.
No dia do incêndio a cidade
inteira foi para a porta do hotel. Ou pelo menos todos os amigos dos que lá
moravam. A agonia foi lenta, durou horas. As escadas do hotel eram forradas de
madeira, o que ajudou o fogo a rapidamente chegar ao último andar (eram 12).
Como num incêndio não se pode
usar o elevador, e pelas escadas em chamas ninguém podia descer, ficaram todos
em seus quartos esperando por um milagre, o que não aconteceu. Chegaram os bombeiros,
mas suas escadas iam só até o 4º andar; um boêmio muito conhecido na época, o
Dantinhas, teve sangue frio para conseguir se salvar.
Ele pegou os lençóis, amarrou
um no outro, molhou, para que os nós não se desfizessem, se vestiu inteiro – conta
a lenda que não se esqueceu nem de botar a pérola na gravata – e desceu pelos
lençóis até encontrar, mais abaixo, a escada dos bombeiros.
Foi o único que se salvou (e
quando chegou na rua não falou com ninguém; foi para um bar ali perto, onde
tomou uma garrafa de uísque inteira).
Os recém-casados Glorinha e
Waldemar Schiller foram encontrados abraçados, mortos, dentro da banheira, e
duas pessoas se jogaram da janela, entre elas um cantor americano que fazia o
show do Vogue naquele momento. Foi uma tragédia que abalou o Rio de Janeiro;
quem viu nunca esqueceu.
Promessas foram feitas pelo
chefe do Corpo de Bombeiros, pelas autoridades; aquilo havia sido uma lição,
nunca mais nada de parecido aconteceria. Pois esta semana, 57 anos depois, a
história se repetiu.
Um prédio no Leblon pegou fogo
– e a tragédia só não foi maior porque o prédio tinha apenas quatro andares.
Mas um casal não resistiu às chamas, se atirou e morreu – ela com 33 anos, ele
com 57; eles pareciam muito felizes.
A assessoria do Corpo de Bombeiros
declarou que no Rio existem apenas três unidades que têm plataformas e escadas;
escadas tão curtas que nem chegam ao quarto andar. E o hidrante não tinha água,
claro.
Dizer o quê? Que o Brasil
continua o mesmo de 57 anos atrás, que ninguém faz nada para melhorar os
serviços mais elementares, que os bueiros explodem, as escadas dos bombeiros
são pequenas, mas que, segundo nossos dirigentes, o Brasil – o Rio, sobretudo –
está bombando?
O governador declarou que o
socorro foi de padrão internacional, que tal? Claro, ele deve estar comparando
com Paris, onde passa a maior parte do tempo; já o nosso prefeito só pensa em
carnaval, em samba, em alegria. Eu preferia ter um prefeito e um governador
mais sérios, que cuidassem mais da nossa cidade e de seus habitantes.
Aliás, não me consta que o
prefeito esteja estudando uma solução para os blocos, que este ano passaram de
todos os limites; ele acha que é legal uma cidade animada.
Tem horas que nem sei o que
dizer. Será que esse país não vai ter jeito nunca? As escadas dos bombeiros
eram e continuam sendo pequenas? Então, feche-se o Corpo de Bombeiros, por sua
inutilidade.
E aproveitando o embalo,
fecha-se Brasília.
Subtítulo e Texto: Danusa Leão, Folha de S. Paulo, 10-03-2013
Leitura complementar:
Leitura complementar:
Incêndio em um prédio de apartamentos na Rua Santa Clara, Copacabana, em 14 de agosto de 2009
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