Francisco Vianna (Da revista
Época - pelos jornalistas Diego Escosteguy, Murilo Ramos, Leandro Loyola,
Marcelo Rocha e Flávia Tavares)
O desgoverno petista de Dilma
Roussef, sem dar a menor satisfação ao país promove uma queima de seu
patrimônio, na obscura “carteira de desinvestimentos”, tomando decisões que têm
gerado bilhões de prejuízos à estatal e o Ministério Público quer saber quem
está ganhando com essa escabrosa estória.
Segundo a revista de o ‘Globo’, a estatal comandada por Graça Foster estaria conduzindo mal a venda de patrimônio no exterior; na Argentina, ativos valiosos estariam sendo transferidos a preço vil para aliados de Cristina Kirchner; na Nigéria, o comprador de promissores poços de petróleo seria o banqueiro André Esteves (sempre ele), do BTG Pactual.
Na quarta-feira, dia 27 de
março, o executivo Carlos Fabián, do grupo argentino INDALO, esteve no 22º
andar da sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, para fechar o negócio de sua vida.
É lá que funciona a Gerência
de Novos Negócios da Petrobras, a unidade que promove o maior feirão da
história da estatal – e talvez do país. Sem dinheiro em caixa, a Petrobras
resolveu vender grande parte de seu patrimônio no Exterior, que inclui de tudo:
refinarias, poços de petróleo, equipamentos, participações em empresas, postos
de combustível e o que mais houver para ser convertido em dólares.
Com o feirão, chamado no
jargão da empresa de “plano de
desinvestimentos”, a Petrobras espera arrecadar cerca de US$ 10 bilhões. De
tão estratégica, a Gerência de Novos Negócios reporta-se diretamente à
presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster. Ela acompanha detidamente
cada oferta do feirão. Nenhuma causou tanta polêmica dentro da Petrobras quanto
a que o executivo Fabián viria a fechar em sua visita sigilosa ao Rio de
Janeiro: a venda de metade do que a
estatal tem na Petrobras Argentina, a PESA.
ÉPOCA teve acesso, com
exclusividade, ao acordo confidencial fechado entre as duas partes, há um mês.
Nele, prevê-se que a INDALO pagará US$ 900 milhões por 50% das ações que a
Petrobras detém na PESA. Apesar do nome, a Petrobras não é a única dona da
PESA: 33% das ações dela são públicas, negociadas nas Bolsas de Buenos Aires e
de Nova Iorque. A INDALO se tornará dona de 33% da PESA, será sócia da
Petrobras no negócio e, segundo o acordo, ainda comprará, por US$ 238 milhões,
todas as refinarias, distribuidoras e unidades de petroquímica operadas pela
estatal brasileira – em resumo, tudo o que a Petrobras tem de mais valioso na
Argentina.
O negócio provocou rebuliço
dentro da Petrobras por três motivos: o valor e o momento da venda, a
identidade do novo sócio e, sobretudo, o tortuoso modo como ele entrou na
jogada. Não se trata de uma preocupação irrelevante – a Petrobras investiu
muito na Argentina nos últimos dez anos. Metade do petróleo produzido pela
Petrobras no exterior vem de lá. Em 2002, a estatal brasileira gastou US$ 1,1
bilhão e assumiu uma dívida estimada em US$ 2 bilhões, para comprar 58% da PEREZ
COMPANC, então a maior empresa privada de petróleo da Argentina, que já tinha
ações negociadas na Bolsa.
Após sucessivos investimentos,
a PEREZ COMPANC passou a se chamar PESA, e a Petrobras tornou-se dona de 67% da
empresa. Nos anos seguintes, a Petrobras continuou investindo maciçamente na
PESA: ao menos US$ 2,1 bilhões até 2009.
Valeu a pena. A PESA atua na
exploração, no refino, na distribuição de petróleo e gás e também na área
petroquímica. Tem refinarias, gasodutos, centenas de postos de combustível. Em
maio de 2011, a Argentina anunciou ter descoberto a terceira maior reserva
mundial de xisto – fonte de energia em forma de óleo e gás –, estimada em 23
bilhões de barris, equivalentes à metade do petróleo do pré-sal brasileiro.
A PESA tem 17% das áreas na
Argentina onde se identificou esse produto. No ano passado, por fim, a PESA
adquiriu uma petroleira argentina, a ENTRE LOMOS, que proporcionou um aumento
em sua produção.
Apesar dos investimentos da
Petrobras, quando a economia da Argentina entrou em declínio, há cerca de dois
anos, as ações da PESA desvalorizaram. As desastrosas políticas socialistas
intervencionistas da presidente Cristina Kirchner contribuíram para a perda de
valor da PESA. De 2011 para cá, as ações da empresa caíram mais de 60%. É por
isso que técnicos da Petrobras envolvidos na operação questionam se agora é o
melhor momento para que faça aquele negócio – por mais que a Petrobras precise
de dinheiro.
Seria mais inteligente – dizem
os técnicos – esperar que a PESA recupere o seu ‘valor de mercado’ (o que é
problemático num regime como o Cristina Kirchner que caminha para um
socialismo).
Reservadamente, por medo de
sofrer represálias, eles também afirmam que os bens da Petrobras na Argentina –
as distribuidoras, refinarias e unidades de petroquímica que constituem a parte
física do negócio – valem, ao menos, US$ 400 milhões, pois, um valor bem maior
que os US$ 238 milhões acordados com a INDALO. “Se o governo não intervier
tanto, a PESA pode vir a valer muito mais num prazo de curto a médio”, diz um
dos técnicos.
A Petrobras, até dezembro do
ano passado, tinha um discurso semelhante. Na última carta aos acionistas, a
PESA diz: “Estamos otimistas em relação ao futuro da Petrobras Argentina. E
agora renovamos o compromisso de consolidar uma companhia lucrativa,
competitiva e sustentável, comprometida com os interesses do país
(Argentina)...”. Em outro trecho da carta, informa-se que os resultados do ano
passado foram “encorajadores” e permitiram, como nos cinco anos anteriores, a
distribuição de dividendos milionários aos acionistas.
Mesmo que os valores do
negócio pudessem ser considerados vantajosos para a Petrobras, nada provocou
tanto desconforto dentro da estatal como o sócio escolhido. O executivo Fabián
trabalha para o bilionário argentino Cristóbal López, dono do grupo INDALO. Ele
é conhecido como o “czar do jogo”, em virtude de seu vasto domínio no mundo dos
cassinos (na Argentina, o jogo é legal). López é amigo e apoiador da presidente
da Argentina, Cristina Kirchner.
Como o “czar do jogo” da
Argentina virou sócio da Petrobras? No dia 5 de novembro do ano passado, López
enviou uma carta, em espanhol, à presidente da Petrobras, Graça Foster. Na
carta, a que ÉPOCA teve acesso, López revela ser um homem bem informado. Não se
sabe como, mas ele descobrira que a Petrobras estava negociando a venda da PESA
com três de seus concorrentes.
O assunto da carta, embora
escrita ‘em economês’, deixava claras as intenções do empresário López: “Ref.
PESA - Proposta de aquisição e integração de ativos”.
López, portanto, queria
comprar um pedaço da Pesa. Na carta, ele manifestou a “firme intenção de chegar
a um entendimento entre Pesa e Oíl
Combustibles S.A.”, a empresa de petróleo de López, para que a operação
viesse a ser fechada. No documento, López propôs comprar 25% das ações que a
Petrobras detinha na PESA. Queria também a opção de, se a parceria desse certo,
comprar mais 23,52% das ações – uma proposta mais modesta do que o acordo que
ele conseguiu depois.
A resposta da Petrobras também
veio por escrito, semanas depois. No dia 21 de novembro, Ubiratan Clair,
executivo de confiança de Graça Foster, que toca o feirão da Petrobras e
negociava a venda da PESA aos concorrentes do “czar do jogo”, escreveu a López:
“Nos sentimos honrados pelo interesse manifestado na compra de 25% (da PESA).
No entanto, devemos indicar que as ações da Pesa não fazem parte de nossa
‘carteira de desinvestimentos’, razão pela qual não podemos iniciar qualquer
negociação relativa às mesmas”.
Diante do que aconteceu em
seguida, a carta do assessor de Graça Foster causa espanto. Não só ele escondeu
que a PESA estava, sim, à venda – como, semanas depois, fechou acordo com o
próprio López.
No dia 18 de dezembro, menos
de um mês após a inequívoca negativa, o mesmo assessor de Graça Foster firmou
um “convênio de confidencialidade” com López para lhe vender a PESA.
O que houve nesse espaço de um
mês?
Por que a Petrobras mudou de
ideia e resolveu fechar negócio com López?
A estatal não explica. Assessores
envolvidos na operação dizem apenas que “veio a ordem” de fechar com o amigo de
Cristina Kirchner.
Procurada por ÉPOCA em três
oportunidades, a assessoria da Petrobras limitou-se a responder que “não vai
emitir comentários sobre assuntos relacionados com o seu Programa de
Desinvestimento”.
Graça Foster e o executivo
Ubiratan não responderam às ligações. A assessoria de López confirmou apenas
que o grupo INDALO fez uma proposta pela PESA. López é o que a imprensa
argentina chama de “empresário K”, como são conhecidos os empresários que têm
proximidade com o governo Kirchner. Ele tem empresas de transporte, construção
civil, petróleo, alimentação, concessionárias e meios de comunicação. É famoso
por suas redes de cassino e caça-níqueis. É sócio em pelo menos 14 cassinos,
incluindo o Hipódromo de Palermo, para o qual ganhou de Néstor Kirchner, nos
últimos dias como presidente da Argentina, uma extensão da concessão para os
caça-níqueis – o prazo foi estendido de 2017 a 2032.
A relação entre López e Néstor
Kirchner, o marido de Cristina, que governou o país antes dela e morreu em
2010, começou em 1998. Néstor, quando governador de Santa Cruz, ajudou uma
empresa de López a fechar negócios com petroleiras. Desde então, López nunca
escondeu de ninguém: sentia que tinha uma “dívida eterna” com Néstor.
Para pagar a “dívida eterna”,
convidava Néstor, que sempre gostou de uma mesa de jogo, a se divertir num dos
cassinos dele em Comodoro Rivadavia. A amizade era recíproca.
Em 2006, López recebeu de Néstor concessão para explorar sete reservas de petróleo em Santa Cruz. Cristina, a sucessora, também o ajudou. Fez-lhe um favorzinho depois que ele gastou US$ 40 milhões na compra da concessão do canal de TV C5N, a fim de torná-lo governista. Para que fechasse o negócio, Cristina abriu exceções na lei de audiovisual, que proíbe negociar concessões.
Depois que a Petrobras fechou
o acordo de confidencialidade com López, o negócio andou rápido. Ele apresentou
uma proposta em 7 de janeiro, aumentou o valor numa segunda proposta, um mês
depois – e fechou a compra das ações por US$ 900 milhões em 22 de fevereiro.
Com o acordo, López e a
Petrobras discutem agora os detalhes do contrato a ser assinado. Se tudo correr
como previsto, resta apenas a aprovação do Conselho de Administração da
Petrobras, que se reunirá no final de abril.
A PESA, porém, enfrentará
resistências na Argentina se assinar o contrato. O atual governador de Santa
Cruz, Daniel Peralta, um desafeto de López, ameaçou tirar dele as concessões
das sete reservas de petróleo que López tem na região. Peralta diz que ele não
fez os investimentos previstos. Diz, ainda, que a situação em Santa Cruz pode
“inviabilizar” o negócio com a Petrobras – mas não diz como.
O maior problema do negócio da
Petrobras com o “czar do jogo”, e com todas as operações do feirão, é a falta
de transparência. Como demonstra o caso da Argentina, não há critérios claros
para a escolha das empresas que farão negócio com a Petrobras.
Esse modelo sigiloso e sem
controle resultou em calamidades, como a compra da refinaria de Pasadena, nos
Estados Unidos. Em 2004, a Astra Trading pagou US$ 42 milhões pela refinaria.
Meses depois, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por metade do negócio.
Tempos depois, um
desentendimento entre as sócias levou a questão à Justiça. A Petrobras perdeu e
foi condenada a comprar não só a parte da sócia, como a pagar multa, juros e
indenização. Em junho, a Petrobras anunciou que pagaria mais US$ 820 milhões.
Barbaridade!
ÉPOCA teve acesso a um
documento interno da Petrobras, elaborado em 2009. Um trecho afirma que a então
diretoria, comandada pelo petista José Sergio Gabrielli, decidiu manter o
processo devido à “prepotência” com que a Astra se colocava no caso. Logo
depois, o documento lista razões para fazer um acordo. Uma delas é que um
representante da Astra procurara a Petrobras em busca de entendimento. A razão
mais forte era clara: “Caso no litígio a Petrobras perca, o custo total irá
para cima de US$ 1 bilhão (...). Vale lembrar que a Petrobras já perdeu na
arbitragem, e a possibilidade de perder na corte é muito preocupante”.
A opção do acordo era a menos
pior. A Petrobras gastaria, no máximo, US$ 639 milhões. O documento afirma que
a (então) “ministra (de Minas e Energia) Dilma Rousseff deverá ser procurada
para ser informada de que a Astra está procurando entendimentos, inicialmente
por canais informais”. O texto diz que Dilma Rousseff deveria comunicar isso na
reunião do Conselho da Petrobras, marcada para 17 de julho de 2009. O Conselho
daria então um prazo para um acordo com a Astra.
O pior cenário sobreveio. A
Petrobras não fez nenhum acordo com a Astra, perdeu na Justiça e gastou mais de
US$ 1 bilhão (boa parte dele dinheiro
público) – ou seja, 24 vezes o que a Astra pagou pela refinaria.
O Tribunal de Contas da União
investiga como a Petrobras pôde fazer um negócio tão ruim e tão danoso ao país
– pelo menos para seu caixa e para os cofres públicos – e quer saber quem
ganhou com tal barbaridade.
A ausência de critério,
segundo executivos da Petrobras, aparece também na parte mais valiosa do
‘feirão’: as operações da estatal na África. Cálculos do mercado e da Petrobras
estimam o patrimônio no continente num patamar entre US$ 5 bilhões e US$ 8
bilhões.
A Petrobras produz e explora
petróleo em Angola, Benin, Gabão, Líbia, Namíbia, Nigéria e Tanzânia. De 2003 a
2010, investiu cerca de US$ 4 bilhões na África.
ÉPOCA teve acesso a documentos
internos reservados da Petrobras que apresentam um diagnóstico sobre os
negócios na África que devem ser vendidos, incluindo mapas com a localização
dos poços e informações sobre seu potencial produtivo. O material mostra muitas
possibilidades de lucro. A maior fatia de investimento está na Nigéria,
responsável por 23% da produção atual de toda a área internacional da companhia
– uma média equivalente a 55 mil barris de óleo por dia. São três poços na
Nigéria: Agbami, Akpo e Engina.
Os documentos da Petrobras
mostram que os três poços têm “reservas provadas” de 150 milhões de barris de
petróleo.
Para quem a Petrobras planeja
vender tamanho tesouro?
A estatal, de novo, não
explica os critérios. Até agora, a única negociação avançada é com o grupo BTG,
do banqueiro André Esteves.
Por meio do investidor
Hamylton Padilha, uma das mais poderosas influências na Petrobras, Esteves,
segundo executivos da estatal envolvidos com a transação, negocia a compra de
parte das operações na Nigéria.
Questionado por ÉPOCA, Padilha
afirmou ter se reunido com representantes do banco para avaliar investimentos
na Petrobras. “Conversei com o pessoal (BTG) sobre esse assunto (venda de
ativos da Petrobras). A Petrobras convidou diversas empresas estrangeiras para
poder fazer ofertas no Golfo do México, África e até na América Latina. Sei que
na área de petróleo eles (BTG) estão olhando. Têm participação em duas empresas
ligadas ao setor: BRAVANTE e SETE BRASIL”, disse. “Não trabalho para o BTG. Sou
investidor. Investi algum dinheiro na SETE BRASIL (ligada à construção de
plataformas de petróleo) ”.
Indagado sobre quem é a pessoa
mais indicada para falar, pelo BTG, sobre investimentos na Petrobras, sobretudo
na África, Padilha disse: “A pessoa que trata desse assunto diretamente é o
André Esteves”. O BTG disse que não se manifestaria.
Título e Texto: Francisco Vianna, da revista Época, 28-03-20134
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