Vamos pleitear mais privilégios de grupo, pois essa coisa de igualdade
perante as leis que os liberais defendem é muito chata
Represento a ONG Minorias
Unidas na Luta Ativista (Mula). Somos uma entidade que defende as pobres
vítimas do “sistema”, ou seja, os gays, as lésbicas, os transexuais, os negros,
as mulheres, os índios, os muçulmanos e todos os demais grupos excluídos que
são explorados pelos brancos capitalistas.
Nossa visão de mundo não
engloba o indivíduo, essa figura de carne e osso criada pelos ocidentais para
fins espúrios. Nós só enxergamos grupos, que formam nossas identidades: classe,
raça, gênero, inclinação sexual, religião. Somente essas abstrações nos
interessam. Falar em indivíduo é cair na estratégia pérfida dos liberais. Não
aceitamos isso!
Dividir para conquistar, eis
nossa meta. Separamos o mundo entre aqueles que estão conosco, e nossos
inimigos mortais. Estes são representados pela ONG Brancos Ricos Ocidentais
Capitalistas Heterossexuais e Associados (Brocha). São nossos arquiinimigos na
retórica, e ao mesmo tempo nossos melhores amigos na prática. É que precisamos
deles para que paguem a conta de nossos privilégios.
Conseguimos isso por meio de
chantagem emocional, incutindo culpa nas “elites”. A bilionária Fundação Ford é
ótimo exemplo, sempre do nosso lado. É verdade que o mundo teve escravidão
desde sempre, que até Zumbi tinha escravos, que os próprios africanos
escravizaram outros africanos, e que foi o Ocidente que colocou um fim nessa
prática nefasta. Não importa! Vamos dizer que todo negro é vítima e que os
brancos precisam pagar.
Alguns negros, como Thomas
Sowell, condenam isso? Simples: chamamos eles de traidores da raça. Funcionava com
Lênin e os demais comunistas. Lembrem-se: existem apenas dois grupos. Por isso
podemos fazer como o ex-presidente Lula e culpar os “brancos de olhos azuis”
pela crise de 2008, mesmo que o CEO de um dos maiores bancos envolvidos na
confusão fosse negro.
Por falar em Lula, eis outra
grande vítima: nordestino e metalúrgico. Não importa que ele não trabalhe em um
chão de fábrica há décadas, ou que receba duzentos mil por palestra, ou que só
ande em jatinho particular, ou que seja aliado de todos os velhos caciques da
política. Lula sempre será um ícone das minorias oprimidas!
O mais importante é vender a
idéia de que somos vítimas, e que os brancos são responsáveis por todos os
males do mundo. Sabemos que os negros e “chicanos” americanos gozam de muito
mais liberdade e prosperidade do que seus pares africanos e latino-americanos.
Não importa! Eles são vítimas, mesmo que o homem mais poderoso do mundo seja
negro. Eternas vítimas.
Somos herdeiros de Foucault, o
sadomasoquista que falava da forma mais cruel de tirania: a “hegemonia” oculta.
Esqueça Coréia do Norte, Irã ou Cuba. A verdadeira ditadura está nos Estados
Unidos! Sabemos que os gays correm risco de vida nos regimes comunistas ou
islâmicos, mas o que importa isso? São os gays em São Francisco e Ipanema as
verdadeiras vítimas. É que tem de ser muito macho para ser ativista em Cuba ou
no Irã.
Somos filhos de Paulo Freire,
e também acreditamos na “pedagogia dos oprimidos”. As escolas e faculdades não
podem ser máquinas de formação de engenheiros e cientistas para ajudar na
hegemonia capitalista. Precisamos de ainda mais professores marxistas,
engajados nas causas das minorias, doutrinando nas áreas humanas. Viva Gramsci!
Vamos criar várias nações
dentro do Brasil. A nação negra, a nação gay, a nação indígena, e por aí vai.
Nada de ver todos apenas como brasileiros. Cada um desses grupos vai receber
sua legítima cota, e vai direto para ótimos cargos públicos ou dar aulas nas
faculdades. Merecemos essa vantagem, nada mais do que uma reparação pelo
domínio dos brancos ao longo dos séculos.
E podemos ficar tranquilos: o
povo da Brocha costuma aceitar calado nossas demandas. Nada como uma “elite”
culpada, mesmo que de classe média. Basta acusarmos eles de “homofóbicos”,
“racistas”, “reacionários”, ou “preconceituosos” que eles logo se intimidam e
recuam. Sempre funciona acusar alguém que não é nada disso dessas coisas feias.
O verdadeiro homofóbico ou racista não liga, mas a turma da Brocha entra em
pânico.
Eis nosso grito
revolucionário: minorias do mundo todo, uni-vos! Vamos pleitear mais
privilégios de grupo, pois essa coisa de igualdade perante as leis que os
liberais defendem é muito chata. Alguns podem estranhar eu ser homem e branco.
Mas Chico Buarque é branco, com olhos claros, rico e heterossexual, e é
aclamado pela Mula. Somos nós contra eles. Só há identidade no grupo. Abaixo o
indivíduo! Socialismo ou morte! A morte dos que discordam, claro.
Título e Texto: Rodrigo Constantino, economista, O Globo,
11-06-2013
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