Desde os meus remotos
bancos escolares, sempre me atraíram os versos. Não os longos poemas, basta
dizer que nunca consegui ler inteiro Os lusíadas. Interessavam-me
coisas bem menores, como as quadrinhas ou trovas e os sonetos — curtos,
sintéticos, bem formulados, comprimindo uma aula inteira em espaço muito
limitado.

As quadrinhas têm também algo
disso, mas a gama de assuntos abordáveis sofre com a limitação a quatro
heptassílabos rimados. Daí o tema recorrente de muitas delas ser a saudade.
Acredito que, talvez por isso mesmo, um estrangeiro nunca conseguirá entender o
que é saudade, caso o seu conhecimento da literatura brasileira se limite aos
milhares de quadrinhas sobre o assunto.
Devo confidenciar, para gáudio
de alguns leitores e desespero de outros, que cometi bons sonetos em tempos
d’antanho. Apresso-me a inverter as expectativas de uns e outros, informando
que não consigo lembrar-me de nenhum dos que perpetrei ao longo da vida. Isso
basta para poupar dessa leitura ambas as categorias de leitores.
Durante algum tempo, minha
incompatibilidade visceral com a politicalha desonesta levou-me a tentar compor
um soneto, cobrindo de bordoadas essa gente e concluindo com uma flechada
certeira. Eu já tinha a flecha prontinha, bem afilada e bem calibrada, mas
faltava-me encontrar as rimas adequadas para eterno.
É claro que eu não poderia
recorrer, por exemplo, a inverno, que me conduziria a um longo
desvio do assunto. Terno, em dois dos seus sentidos, cairia no
mesmo problema, embora se aplique ao disfarce indumentário que usam a fim de
parecer gente honesta. Paterno e materno, eu
conseguiria alocar de alguma forma no assunto, mas não quis conspurcar estas
palavras, aplicando-as a eles.
Havia ainda hodierno e moderno,
mas alguém poderia entender mal, achando que louvo e admiro tudo o que é
moderno, e neste assunto eu estou mais pra lá do que pra cá. Não encontrei
aplicação para caderno, averno, interno, externo.
Governo poderia
servir, desde que eu não fizesse questão da pronúncia aberta. Isto me conduziu,
aliás, às flexões de verbos terminados em ernar (governar, adernar,
internar, externar), mas não tive tempo para esgotar estas possibilidades.
Yerno (genro, em
espanhol) poderia aplicar-se a alguma família de políticos, mas não tenho a
menor intenção de particularizar. Recusei até o recurso a algum enjambement parnasianista,
algo assim: … deplorável mulher/No governo…
Cheguei a imaginar masculinos
inexistentes para cisterna, baderna, poterna, caverna, perna.
Seria bem interessante e inovadora uma rima heterossexual — por exemplo,
caverna/moderno. Mas se algum tarado identificasse aí uma “insinuação
homofóbica”, não deixaria de mover-me ruidosa perseguição ideológica. Melhor
não candidatar-me à companhia de personalidades alojadas na Papuda.
Veja, caro leitor, que não me
faltou esforço e dedicação versificadora. Acabei desistindo, embora me tenha
ficado a sólida convicção de que o meu pequeno verso final tem
aplicação muito válida e indiscutível.
Desisti, mas não o faria caso
fosse dotado de criatividade como o Machado de Assis, que usou um recurso
interessante no Soneto de Natal. Depois de desvendar sua “falta de
inspiração” para compor o desejado soneto, ele solta no último terceto um
pequeno verso, que era de fato o “veneno” destinado àquela posição:
Em vão lutando contra o
metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno
verso:
Mudaria o Natal, ou mudei
eu?
Talvez algum poeta ainda
consiga realizar o que não consegui, por isso deixo aqui a dica, revelando o pequeno
verso final do meu soneto desancador de políticos:
Ide, malditos, para o fogo
eterno!
E completando a dica preciosa,
Relembro que ela rima com inferno.
Título e Texto: Jacinto Flecha, Agência Boa Imprensa, 14-12-2013
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