terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Brados costumes

Luís Naves
Portugal tem fama de ser um País de brandos costumes, mas é de oito ou oitenta. Há um caso mal esclarecido, em investigação, que pode ou não envolver praxes, mas logo se formam dois grupos irreconciliáveis: o primeiro quer proibir, o segundo vê experiências místico-religiosas nas brincadeiras estudantis. Sempre achei a praxe uma coisa de parvos, mas defendo a liberdade de fazer parvoíces (desde que sejam voluntárias) e acho natural que muitos estudantes se revoltem contra a limitação da sua liberdade de se comportarem como completos idiotas.

Em Portugal, existe um curioso gosto de discutir o que não se conhece: os Mirós que ninguém parece ter visto (não haverá alguns menos bons do que outros?); ou o programa cautelar que ninguém sabe o que será. Li um comentador que defendia em texto ligeiro “a saída suja” do programa de ajustamento, ou seja, ele queria evitar a saída à irlandesa. Para este autor, Portugal tinha de aceitar um programa cautelar sobre o qual nada se sabe. Quais são as exigências políticas dos credores? E se eles exigem mais cortes de despesa, por exemplo 3 mil milhões de euros, não em três anos, mas em um? Que dirá este perito? Os mesmos comentadores que estiveram sempre a dizer que o ajustamento ia falhar explicam agora, do alto da sua ignorância em finanças, que uma saída sem cautelar é eleitoralismo puro e que a solução desconhecida será a mais vantajosa. Que pressa lhes deu?

E há outras pessoas que quando ouvem a palavra cultura sacam logo da pistola. Os nossos liberais de pacotilha querem proibir as praxes e os Mirós, alguns deles são também pela proibição da adopção por homossexuais (um dos problemas mais prementes da Nação). Há também viajantes de Marte que acreditam na necessidade de fazermos austeridade durante mais dez anos. Entretanto, os socialistas deliram e preferem aumentar impostos a cortar na despesa pública. As pessoas que se acham cultas querem ficar com Mirós que não viram e, se bem compreendi as notícias, cada quadro em causa tem um valor estimado a rondar apenas 400 mil euros. Será um património assim tão fundamental? Não dará para vender alguns? E não dará para ficarmos pelo menos com alguns deles? Já agora os melhores.

Vivemos neste tipo de histórias e nunca se discute o essencial. Há quem goste de proibir e quem queira um Estado nulo. O Tratado Orçamental, bem entendido, não é para cumprir. Quando se fala genericamente, todos são reformistas, mas quando aparece uma reforma em concreto, toda a gente se revela contra. Ser contra implica indignação abundante e adjectivos aos brados. Lemos a comunicação social e vemos a pobreza franciscana: as catástrofes mil vezes anunciadas afinal não se concretizam e o País lá vai ignorando a sua paupérrima elite, talvez com um encolher de ombros e com os ouvidos a doer, de tanta retórica inútil.

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