Manuel Villaverde Cabral
Do que se trata é de
desestatizar o tecido social e de afastar o controle dos partidos e clientelas
sobre a vida do país, das empresas aos cidadãos, estejam estes a estudar, a
trabalhar ou na reforma
É bom recordar aos mais
jovens, que só conhecem do 25 de Abril a retórica da democracia conquistada,
que o último ministério detido pelo Partido Comunista em Portugal, já perto do
final do PREC, era o Ministério dos Transportes do 6.º Governo provisório,
assegurado pelo Eng.º Veiga de Oliveira… Décadas passadas, percebemos que não
foi à toa que isso sucedeu. Ainda hoje se sente o controle que o Estado
conquistou sobre o tecido sócio-económico do país. Até à bancarrota; até se
tornar bandeira de todos os soberanismos, incluindo à direita, como no caso dos
Estaleiros de Viana, para não falar do PS e dos seus apoiantes, em suma, dos
partidos que tenham herdado o património estatizado pelo PCP.
Com efeito, se algo se deve
criticar ao actual governo é não ter feito a maior parte das reformas exigidas
pela crise, como a da segurança social, ou seja, a reforma das pensões perante
o envelhecimento brutal da população e as desigualdades igualmente brutais que
reinam entre nós nesse campo que consome praticamente um terço da despesa
pública. Tão importante ou mais como essa, outra das tarefas que o actual
governo tinha de levar a cabo a fim de evitar uma nova bancarrota mas que
apenas encetou, está a desestatização. Em especial a das empresas de
transportes colectivos nacionalizadas no 25 de Abril e que sobreviveram até
hoje sob a designação populista de «empresas públicas», cuja dívida acumulada
sobe a mais de 20 mil milhões de euros.
Entre essas empresas, conta-se
a TAP, cuja deterioração atingiu por estes dias a selvajaria moral de um acto
de destruição deliberada por parte de um limitado grupo de funcionários
estatais que se encontram entre os mais bem remunerados do país. O PS e os seus
apoiantes, encabeçados neste caso pelo próprio António Costa, estão
particularmente mal colocados para atacar a desestatização da TAP (gradual,
para mais), quando o governo Guterres, do qual faziam parte os ministros
Cravinho e o mesmo Costa, iniciou o processo de alienação da TAP no final de
1997 e só não a vendeu à Swisssair porque esta faliu antes, como de resto já
aqui tive oportunidade de recordar. Foi nessa altura aliás que o PS, se não
prometeu, deu a entender aos pilotos que poderiam vir a possuir a fatia da
companhia que agora exigem…
E antes disso, já em 1991 o
governo Cavaco preparara a empresa para a desestatização, transformando-a em
sociedade anónima. Na altura, tive oportunidade de me pronunciar a favor da
«empresa de bandeira» para salvaguardar o «hub» de Lisboa e até recebi uma
carta do sindicato dos pilotos a agradecer a minha tomada de posição… Só que
hoje a liberalização económica do espaço aéreo e o surgimento das companhias
«low cost» tornaram inviável a manutenção de monstros de gastos e de regalias
insustentáveis como a TAP. Sobretudo numa altura em que o turismo em Portugal
cresce, como está a acontecer neste momento, com percentagens de dois dígitos
por ano, assumindo o papel de indústria transaccionável capaz de aumentar as
nossas ainda escassas exportações.
É tudo isto que está em causa
e é tudo isto que o PS, assim como os «patriotas de serviço», pretendem a todo
o custo impedir. É isso que tem sucedido também às tentativas de desestatização
das empresas urbanas de transportes colectivos. A CGTP já nem esconde que não
está a fazer greve dia sim, dia não – seja no Metro, na Carris ou nos
transportes do Porto – para defender os interesses dos trabalhadores, como reza
o mantra sindical, mas sim contra a perda de controle estatal – em suma,
controle político-partidário – sobre as empresas, os seus funcionários e os seus
utentes. Uma vez mais, António Costa, como antigo autarca de Lisboa mas agora
também como candidato a primeiro-ministro, promete reverter as privatizações
que o governo lançou tarde de mais a fim de reduzir as dívidas e libertar a
população das grandes cidades da ditadura sindical. Esta estratégia corporativa
do PS cheira demasiado às manobras semelhantes do Syriza de chantagear
funcionários e utentes…
Do que se trata, pois, é de
desestatizar o tecido social e de despolitizar o controle exercido pelos partidos
e as suas clientelas sobre a vida do país, desde as empresas até aos cidadãos,
estejam estes a estudar, a trabalhar ou na reforma. Balsemão não foi muito
coerente na sua breve prática política, mas tinha razão quando apelava, entre
muito boa gente, à «libertação da sociedade civil» estrangulada pelos poderes
do Estado, a começar pelo controle dos ordenados dos funcionários públicos e
das pensões, os quais representam mais de 50% de uma despesa pública que já
chegou a 53% do PIB nas vésperas da derrota de Sócrates, sem falar do que
andava escondido em PPPs e quejandos. Ainda há quem pergunte de onde vêm as
dívidas do país? A dívida é o preço que nós estamos a pagar pelo controle que
os partidos exercem sobre nós!
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador, 14-5-2015
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador, 14-5-2015
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