David Dinis
O Presidente da República fez
o que tinha de fazer. É a hora de forçar Passos a um consenso interno, de
devolver o PS ao discurso do centro. Os próximos dois anos não podem ser
deitados à rua.
O país passou os últimos
anos a clamar a mesma coisa, em quase unanimidade: que Passos não fazia
esforço nenhum para obter consensos; antes dele, que José Sócrates nada fazia
para encontrar pontes com alguém. Chegados ao fim das legislativas, eis que o
Presidente da República pede consensos aos dois maiores partidos – de maneira clara e cristalina. E o país mediático cai em cima do Presidente,
dizendo que ele não tem poder para isso, que não tem força política para isso,
que até violou a Constituição ao fazê-lo (porque não ouviu os partidos antes,
porque excluiu o PCP e Bloco). Entendamo-nos:
Primeiro:
o
Presidente da República foi eleito diretamente e tem poder para fazer o statement político
que entender necessário. Está acima dos partidos, é chefe de Estado para
alguma coisa.
Segundo:
o
Presidente ainda nem começou a ronda de consultas aos partidos. Isso
deixou para a próxima semana, depois de Passos e Costa começarem a falar. Desta vez, isso sim, quis marcar as
cartas e dizer-lhes o que entende que eles devem fazer.
Terceiro:
o Presidente não só foi eleito explicando, bem alto, que era pró-euro e
pró-NATO (e foi eleito à primeira volta por duas vezes), como a esmagadora
maioria dos portugueses que votaram no domingo disseram a mesma coisa: são
pró-euro e pró-NATO. 70,1%.
Daí que Cavaco Silva não tenha sido só intérprete da sua própria posição, foi
intérprete da maioria dos votantes (contra os 20% minoritários que votaram
Bloco e CDU).
Quarto:
quantos se
queixaram de Cavaco Silva não ter feito o mesmo em 2009, quando o país estava a
entrar em processo de colapso – por culpa própria e de uma crise externa? E
quantos desses vão criticar agora o mesmo Presidente por fazer o que antes não
fez (e mal)?
Quinto:
o país tem uma
curtíssima janela de oportunidade para se colocar em território seguro. O BCE
está a injetar dinheiro na economia; o euro está em baixa – ajudando as
exportações; o petróleo também em mínimos. Nenhum destes fatores favoráveis vai
durar muito tempo – e o nosso ponto de partida é tão baixo que nos deixa em
perigo logo que eles desapareçam. Será contestável que temos uma só
oportunidade para evitar cair (outra vez) no mesmo buraco? E alguém acha
possível aproveitarmos a oportunidade se tivermos um Governo sempre à beira de
cair? (como todos antecipam, qual profecia do fim do mundo, com hora marcada?)
Sexto:
para fazer
consensos, não será preciso forçar Passos Coelho e Paulo Portas a ceder mais? A
entenderem que desta vez o consenso necessário não é externo, mas interno?
A perceberem que vale mais um programa mais ao centro (mas estável e
previsível), do que o programa deles (sem estabilidade e sem, portanto, a
confiança dos mercados)?
Sétimo:
para fazer
consensos, não vai ser preciso que o PS de António Costa acabe com esta indefinição
estratégica e ponha o PS no lugar onde sempre esteve (menos nesta estranha
campanha eleitoral)?
Concluo, para não ser
repetitivo: Cavaco Silva fez bem, realmente bem, em assumir o risco e tomar a
iniciativa. Está em final de mandato e o que sair deste momento ficará a marcar
a sua história presidencial. Passos Coelho fez bem, logo depois, em abrir o seu acordo de coligação aos quatro pontos que Costa enunciou na
noite eleitoral – dando espaço a um diálogo profícuo. Falta agora António Costa
dar o passo seguinte – e desmontar de vez esta tenaz que o PCP e Bloco lhe
montaram, para tentar reduzir o PS ao que não é (um derruba governos,
eurocético e anti-NATO). E, não, o PS não corre o risco de “pasokizar” se influenciar a governação. Corre, sim, o risco
de ser engolido pelo Bloco e PCP se continuar o discurso que fez nas últimas
semanas, como bem mostram os resultados das legislativas.
Faltará, depois disso, que
Passos ceda nas negociações programáticas – para quem negociou três anos com a
troika, o PS não é seguramente pior. E que Costa perceba uma pequena coisa que
não estou certo que já tenha entendido: ele tem, sim, um mandato para
negociar com a direita e forçá-la a um consenso ao centro. Mas não tem um
mandato para implementar o seu programa, como julgo tê-lo ouvido dizer no
domingo passado. Esse programa que levou a votos foi, se bem me lembro,
derrotado no dia 4 de outubro.
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