Luciano Henrique
Eu gosto de criticar
(construtivamente) Rodrigo Constantino – assim como elogiar – pois, ao
contrário de Olavo de Carvalho, ele é uma pessoa que tem recebido as críticas
de forma civilizada. Como Gramsci acreditava (ele do lado da extrema-esquerda),
somente a crítica contínua às táticas de outras pessoas do nosso lado é que
chegamos a um bom nível de maturidade em termos de projeto.
Seja lá como for, Rodrigo
Constantino faz um desabafo em seu texto “Onde está o conservador normal?”, que reproduzo em parte abaixo:
A imprensa mainstream, com claro viés
de esquerda, adota uma tática manjada, mas que passa despercebida pelos
mais leigos: chama qualquer liberal ou conservador de “ultraliberal” ou “ultraconservador”,
enquanto mesmo os mais radicais esquerdistas são apenas “de esquerda”. A tática
de usar o “ultra” na frente é para jogar o centro cada vez mais à esquerda.
Assim, o socialista radical se torna moderado, e o social-democrata passa a ser
direita.
Isso já foi tema de alguns artigos meus,
mas a imprensa sempre volta a abusar dessa tática pérfida, então não podemos
relaxar. Se o sujeito já é contra o aborto por motivos morais e religiosos, por
exemplo, ele já é um “ultraconservador”. Aconteceu novamente com a escolha do
vice-presidente por Donald Trump. […]
A pergunta [de Lucas Berlanza] é boa: onde
está o conservador normal para nossa imprensa? Eu respondo: para essa cambada
de comunista, já é conservador aquele que não reza da mesma seita socialista.
Logo, mesmo um tucano como José Serra, que sempre foi de
esquerda, acaba se metamorfoseando num “ultraconservador” para nossos padrões
tupiniquins.
E ainda tem gente que nega o viés de
esquerda da nossa imprensa! Onde está a Fox News do Brasil, por falar nisso?
Ok, entendido, Constantino. E
aqui abaixo vemos o questionamento de Lucas Berlanza, citado por ele:
Enfim, esta é a pergunta de
Berlanza: “Onde é que está a direita que é só a direita? Onde é que está o
conservador que é só conservador? Todos são extrema-direita? Onde está a
direita que não é extrema?”.
Antes de responder à pergunta,
vou relembrar um texto que escrevi em 2013, relacionado ao uso de rótulos na guerra política:
Quando um esquerdista começa a falar de
manifestações da direita, geralmente usa rótulos como ultra-direita ou
extrema-direita.
Por exemplo, se a direita cria o Tea
Party, pedindo a redução de impostos, então é extrema-direita. Se existem
protestos de direita na França contra o casamento gay, é ultra-direita.
Estou exagerando? Não, não estou
exagerando. Como exemplo, veja a coluna do ultra-esquerdista (ops), Luis Felipe
Alencastro, “Protesto contra o casamento gay na França vem de uma extrema-direita antiga”.
O articulista diz que
“a extrema-direita católica voltou às ruas”, e ainda diz que “trata-se de
um movimento que sempre existiu na França e que teve seu momento de glória no
governo do marechal Pétain (1940-1944), durante a ocupação nazista”. Não que
ele tenha demonstrado qualquer tipo de evidência de associação das
manifestações pacíficas contra o casamento gay com o nazismo, mas para ele,
isso não importa. Mas para Alencastro o que importa é a
propaganda. Obviamente, estamos diante de mais uma rotulagem pejorativa
mas sem qualquer conexão com a realidade.
Mas qual a função de rotular, sem qualquer
motivo, um oponente de “extrema” ou “ultra”?
A resposta é mais simples do que parece. O
imaginário popular entende os extremistas como perigosos. Não raro a imagem de
terroristas surge em nossa mente ao ouvirmos falar de extremistas. Ademais, o
“extremista”, por estar num dos extremos, é visualizado pelo imaginário popular
como alguém sem nenhuma vontade de discutir suas posições. Uma das regras mais
essenciais da política dos diz que o cidadão comum vai sempre optar por aquele
que parecer mais moderado.
Ora, se isso é verdade, então o que
poderia parecer menos longe da moderação do que um oponente no “extremo” de seu
lado político, ou é “ultra”-qualquer coisa?
O que esquerdistas sub-comunicam para a
plateia, ao rotular o oponente de “extrema” ou “ultra” é simplesmente: “me
ouçam, pois estou aqui para discutir, e o meu oponente não”.
Não que a rotulagem tenha qualquer
fundamento, como no exemplo que citei de Alencastro, mas muitos direitistas não
têm percebido este truque e ingenuamente caem na armadilha oponente.
Ora, está bem claro então que
existe um código na guerra. Um código vai além das regras. Inclui também as
boas práticas. Por exemplo, no futebol a regra diz para um jogador de linha
“não meter a mão na bola”.
Mas para além dessa regra,
também existe a seguinte boa prática: “não fique discutindo filosofia no
momento em que você está sofrendo pressão em seu campo”. Isto não é uma regra.
Nada impede de você ficar fazendo poesia enquanto deveria estar focado no jogo.
Mas mesmo que não seja uma regra, isso é uma boa prática. Assim, um código vai
além das regras: inclui também as boas práticas.
No código da guerra política,
uma boa prática é rotular o seu adversário. E quando o rótulo “ultra” ou
“extrema” é lançado sobre seu oponente, isso significa que sua chance de ser
percebidos como “o moderado” aumenta, pois o cérebro humano trabalha por
referencial. Se há alguém rotulado como extremista, logo deve haver alguém que
seja o mais “moderado” (e a maioria do eleitorado tende ao centro).
Não importa aqui se a
rotulagem é verdadeira ou não. O que importa é que o código do jogo diz para
aplicar este tipo de rotulagem, sempre que possível. Quando eu rotulo o PT de
extrema-esquerda, o faço a partir de uma argumentação clara. Estou
completamente embasado ao fazê-lo. Quando um esquerdista rotula o Lucas
Berlanza ou o Rodrigo Constantino de “extrema-direita”, não está apegado aos
fatos. Mas pelo menos está apegado ao código da guerra política.
O problema maior não é a
extrema-esquerda rotular direitista de “extrema-direita”. O problema é o
espanto que algumas pessoas de direita sentem enquanto eles fazem isso. Não é
normal sentir essas sensações. Não é sequer justo com o nível de
conhecimento adquirido sobre o jogo político que já temos.
A impressão que eu tenho
destes questionamentos (em especial de Lucas Berlanza) é a de um sujeito que
entrou em campo para jogar futebol. Após o adversário estar ganhando por 5×0, o
sujeito questiona: “Puxa, mas que mistério é esse que os faz ficarem jogando
bolas na rede? Que absurdo isso, não acham?”.
Enfim, enquanto o adversário
faz a parte dele, é tratado como “estranho”. E aquele que não faz sua parte se
acha ainda no direito de considerar um “absurdo” que o outro time esteja
metendo uma goleada nele. É o rabo abanando o cachorro, convenhamos…
Em suma, a pergunta “onde está
o conservador normal?” não é uma problema do esquerdista que está jogando o
jogo. A obrigação dele é jogar. E isso eles fazem. E bem. O que resta ao
direitista é começar a jogar o jogo. Então, oara começar, o mínimo que se
espera é começar a jogar o jogo. E nem estou falando de “jogar bem” (pois isso
vai demorar algum tempo). Mas pelo menos é preciso jogar. Digamos que seja um
jogo “normal”, sem nada de excepcional.
Isto vale para a
realidade de todos os confrontos da vida (de qualquer tipo). Um amigo
lembrou este modelo de questionamento: “Por que os assaltantes me assaltam e os
jogadores do time oponente jogam as bolas dentro daquele aro o tempo todo? Cadê
os bons jogadores que me abraçam e me fazem carícias? Onde estão os ‘jogadores
normais’ que não ficam pegando essa bola na mão? Cadê o assaltante que pede
para eu lhe dar as coisas voluntariamente?”
Esta é nossa situação atual: o
adversário faz a parte dele e alguns de nós se espantam com isso, e, enquanto
não fazemos nossa parte, essas mesmas pessoas acham isso normalíssimo.
Só não podemos mais admitir
que pessoas inteligentes resolvam se espantar diante de ver um adversário
lançando sobre eles o rótulo de “extrema-direita”, o que, no fundo, é apenas
instância do jogo. Ao mesmo tempo, precisamos questionar, as vezes até
duramente, pessoas do nosso lado: “Quando é que você vai começar a rotulá-lo de
extrema-esquerda?”. E mais: “Quando é que você vai parar se se espantar quando
ele te rotula de extrema-direita?”.
Melhor dizendo: “Se o seu
adversário está fazendo a parte dele, quando é que você vai começar a fazer a
sua parte?”.
Título e Texto: Luciano Henrique, Ceticismo Político, 20-7-2016
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