Rodrigo Constantino
Em nome de um debate plural, devemos ouvir todos os lados sempre, certo?
Bem, depende. Na verdade, às vezes essa pretensão de pluralidade serve apenas
para mascarar um viés ideológico.
Afinal, é uma tática manjada tentar dar equivalência a pontos de vista
que certamente não disputam em pé de igualdade o pódio da verdade.
O que quer dizer, por exemplo, um discurso que diz algo mais ou
menos assim: sou contra estupradores, terroristas e minha sogra? Não resta
muita dúvida de quem é o verdadeiro alvo, não é mesmo?
Raciocínio similar serve para logo identificar o que está sendo realmente
atacado por quem se diz contra o comunismo, o fascismo e o capitalismo. Ora,
ele quer atacar o capitalismo, está claro. Ou então “detesto Hitler, Stalin e
Trump”: o presidente americano é o verdadeiro alvo, pois misturado como
equivalente de dois tiranos assassinos.
A Folha de São Paulo tem um caderno de opinião que volta e meia traz um
“debate”, com duas opiniões divergentes sobre um tema “polêmico”. Desarmamento
ou não? Aborto ou não? Legalização das drogas ou não? A ideia é boa,
democrática, saudável. Mas ela pode ser manipulada. Tanto pela escolha dos
temas, como de quem será chamado para defender cada lado.
Há temas que simplesmente não são polêmicos. E a inclusão
deles ali, naquele “debate”, serve apenas para dar credibilidade para
bizarrices defendidas por um lado – aquele tosco e indefensável. Será que a
Folha promoveria um “debate” com ares de seriedade para definir se a Terra é
plana ou arredondada? Pois é. Mas hoje o jornal julgou adequado “debater” se
ainda existe democracia na Venezuela. A Terra é plana!
Para defender o óbvio – que a democracia morreu faz tempo no país
socialista – foi convidada Colette Capriles (sem
parentesco com o líder da oposição), que apresentou fatos e
argumentos que comprovam a morte da democracia em seu país. O eleitor
é refém da máquina estatal, que intimida, compra, cala, persegue:
O “carnê da pátria”, cartão que gere esses
benefícios, serve como registro de eleitor.
O outro extremo do aparato é composto por milícias
e grupos paramilitares chamados “coletivos”, que ajudam o eleitor a “decidir”
em quem votar e obstruem violentamente a atividade dos observadores da
oposição.
O círculo de dependência e coerção é o grande motor
da máquina, junto com os aparelhos auxiliares: o Conselho Nacional Eleitoral e
o Tribunal Supremo de Justiça, cúmplices obedientes da política eleitoral do
governo.
Mas eis que a Folha achou correto, para preservar os ares de
“diversidade”, convidar Breno Altman, conhecido
petista e sem qualquer credibilidade, que ninguém sério leva a sério, para
defender o “contraditório”. Altman não só defendeu o indefensável, de forma
completamente cínica e cafajeste, dando a entender que há “excesso de
democracia” na Venezuela, como aproveitou para concluir alfinetando o governo
Temer, este sim, um exemplo de ditadura:
Mesmo detendo o monopólio da força militar e o
respaldo do Poder Judiciário, o governo Maduro mantém o compromisso de Chávez,
preservando as instituições e os direitos através dos quais o povo, de forma
direta ou delegada, faz valer sua vontade soberana.
Esse mesmo compromisso não apresentam os democratas
de ocasião, contumazes em denunciar fraudes, sem apresentar provas, apenas
interesseiras convicções, toda vez que as urnas decidem contra suas aspirações.
Entendeu? Maduro tem compromisso com a democracia, mesmo tendo poder
para exercer uma tirania; já Temer e os “democratas de ocasião” defendem o
“golpe” contra Dilma, pois as urnas decidiram contra suas aspirações. E a Folha
publica um troço desses!
Se tudo deve gerar um “debate” com os dois lados, que
tal o jornal convidar um nazista ferrenho para defender a “versão” de que o
nazismo foi, no fundo, um regime democrático e pacífico, que não desrespeitou
as instituições ou os direitos humanos? Que tal promover um “debate” e convidar
alguém para sustentar que o Holocausto não existiu, como fez um professor
maluco num caso verídico que virou filme, com Rachel Weisz? Pois é.
A mesma Folha, sempre em nome da “pluralidade” (que de forma insistente
sempre pende para a esquerda), publicou hoje a coluna de Vladimir
Safatle, ligado ao PSOL, aquele que diz que “não existem liberais verdadeiros
no Brasil”. Safatle, vejam só!, até reconhece os “descaminhos”
da revolução russa, que faz aniversário este mês de outubro; mas nem por isso,
alerta, devemos jogar fora a revolução em si:
Se deuses apostam, por que os humanos também não
guiariam suas ações por aquilo que, diante das condições atuais, só pode
aparecer como uma aposta?
Mas aos atores políticos, pede-se prudência como
virtude, dirão alguns. É verdade, pede-se prudência às vezes, mas nem sempre.
Prudência sempre é simplesmente uma forma de servidão em relação ao presente.
Seria fácil lembrar agora que a Revolução Russa
conheceu, muito rapidamente, inúmeros descaminhos. Não é o caso de esquecê-los.
Mas aqueles que gostam de lembrá-los, o fazem com a esperança de retirar, de
uma vez por todas, a noção de revolução do horizonte de nossas vidas.
A “aposta” comunista, com mais de cem milhões de cadáveres empilhados,
não pode ser descartada, “só” porque tivemos alguns “descaminhos” por aí, em
Cuba, na Coreia, na China, no Camboja, na Rússia, em Moçambique, na Venezuela
etc. Isso acontece. Mas os deuses também apostam. Prudência, a marca do
conservadorismo, é uma forma de servidão. Devemos ser ousados. Vamos apostar
uma vez mais? Dessa vez vai…
É, como podemos ver, o único contraditório que a Folha não vai publicar
é um texto como esse aqui, que expõe o ridículo da tática do jornal, que tenta
bancar o “isentão” enquanto faz de tudo para dar espaço e credibilidade a defensores
de tiranias assassinas, desde que de esquerda.
Título, Imagem e Texto: Rodrigo
Constantino, Gazeta do Povo, 21-10-2017
Relacionados:
Germany: Full Censorship Now Official
ResponderExcluirBarraco entre Ciro Gomes e Luciana Genro não ajuda o primeiro; ele foi machista sim
ResponderExcluir