Manuel Villaverde Cabral
A atual denegação das suas
responsabilidades políticas ficará na nossa memória como a prova provada do
feroz apego da atual coligação governamental ao poder pelo poder.
Ainda há poucos dias os
jornalistas de serviço repetiam o mantra da «enorme vitória» do PS nas eleições
autárquicas. A verdade, porém, é que no plano nacional o PS só ganhou 1,5
pontos percentuais em relação às legislativas de 2015 e continua a estar muito
longe da maioria absoluta, enquanto a chamada «direita» perdeu 4 pontos percentuais,
mas nas autárquicas houve inúmeras candidaturas ditas independentes, como a de
Isaltino Morais em Oeiras, que tiveram certamente mais votos da antiga coligação PSD+CDS do que da «geringonça»… Por
exemplo, a «enorme vitória» do PS em Almada foi de 300 votos e a «enorme
vitória» em Pedrógão Grande, depois do trágico incêndio do início do Verão, foi
obtida com a «transferência» do antigo presidente da câmara do PSD para o PS…
Muito mais séria do que essas
pretensas «enormes vitórias» é a «enorme derrota» dos incêndios florestais.
Estes causaram até agora, por manifesta incompetência do atual governo,
documentada no recente relatório da Comissão internacional de especialistas,
mais de cem mortes – mais de cem! A memória destes factos trágicos, mesmo
esperando que não se repitam nesta escala descomunal, não desaparecerá. Antes
pelo contrário!
A autodesresponsabilização
sistemática do primeiro-ministro e dos seus principais acólitos da chamada «Proteção
Civil», a começar pela ministra da Administração Interna, sem quaisquer pedidos
de desculpa nem promessas de compensação material do Estado às vítimas, mas
acusando-as de falta de «resiliência», tal denegação das suas responsabilidades
políticas ficará na nossa memória como a prova do feroz apego da atual
coligação governamental ao poder pelo poder: é disto que estamos a falar!
Nem sequer os comparsas da
extrema-esquerda, que na altura do incêndio de Pedrógão Grande se tinham
atirado às grandes empresas de celulose por causa do eucalipto, se atreveram
agora a dizer uma palavra acerca das 38 ou mais mortes dos últimos dias, apesar
de estas terem sido badaladas em toda a imprensa internacional, não só como uma
tragédia humana, mas também como a demonstração cabal da incompetência e
renitência das autoridades portuguesas! Reparar-se-á aliás que o tema do
eucalipto desapareceu da agenda. Como e porquê ninguém explicou… A verdade é
que a imprevidência e o desarmamento de recursos por parte da «proteção civil»
após o fim da «estação oficial dos fogos» foram totais e sem perdão!
Ora, como tive oportunidade de escrever na altura de Pedrógão Grande, o atual
primeiro-ministro tem, enquanto ministro da Administração Interna do governo
Sócrates de 2005 a 2007, responsabilidades pessoais diretas na política oficial
de proteção civil atualmente em vigor na área das florestas e dos fogos
florestais, bem como no processo de aquisição do famigerado SIRESP, cujos
falhanços tanto contribuíram para a descoordenação geral do combate aos fogos!
Nessa altura, tal política
assumiu claramente a prioridade do combate aos fogos quando a Comissão
científica internacional atribui a prioridade – sim – ao ordenamento e à
manutenção da floresta. Destes, porém, ninguém se ocupou desde o dia em que a
floresta portuguesa foi em grande parte entregue a pequenos proprietários após
o 25 de Abril, fazendo de Portugal o país da Europa onde a floresta está mais
privatizada (96%).
Com a agravante de, nestes
últimos 40 anos, o interior do país ter perdido grande parte da sua população,
entre a qual esses proprietários hoje distantes ou desaparecidos, sendo assim
grande parte da floresta entregue ao virtual abandono. Na prática, acabam por
ser as plantações das grandes empresas as mais bem cuidadas. Como é hábito
secular entre nós, há leis e regulamentos, mas não são para cumprir! Irão ser
agora? Quem é que acredita? Com efeito, o que está demonstrado, desde que Portugal
participa no grupo de acompanhamento científico da prevenção e combate dos
incêndios florestais nos países da Europa do Sul, é que a área ardida tem vindo
a diminuir gradualmente em todos esses países europeus menos Portugal, onde não
cessa de aumentar!
A questão não é, porém,
exclusivamente sociodemográfica e económica, nem tão pouco se reduz às
fatalidades do «clima» nem à dos «pirómanos» invocados pelos governos. Para a
presente «geringonça», baseada na aliança com os partidos anti-europeístas da
extrema-esquerda e no comando sistemático da agenda mediática, a questão é
antes de mais política – no sentido estritamente partidário do termo – e
eleitoral. Desta vez, contudo, parece que o PS e os seus aliados no governo,
após mais de cem mortes no espaço de um verão quente, estão a perder a batalha
propagandística. Na vizinha Galícia, perante quatro mortes no fim de semana
passado, houve já manifestações contra as autoridades. Em Portugal
não, infelizmente, mas já há muitas críticas nas chamadas redes sociais e até
em alguma imprensa. Só falta fazer uma sondagem sobre o comportamento do
primeiro-ministro e dos seus colaboradores. Quem se atreve? Poderia
verificar-se uma enorme derrota!
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador,
19-10-2017
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