Nuno Rogeiro
A decisão brasileira está
provisoriamente tomada. Muito pode mudar em três semanas de campanha, e haverá
novas alianças, novas rendições, novos compromissos. Mas os candidatos são
estes, e convém conhecer as lições da história eleitoral. Por outro lado, de
nada serve insultar a inteligência, o sentido de justiça e a integridade de
votantes de todas as raças, credos e condições
Um império separado de Portugal, mas temporariamente governado pelo mesmo monarca insurgente. Seis repúblicas interrompidas por golpes de Estado, executivos autoritários, líderes providenciais, e vinte anos de governo militar. O Brasil está outra vez nas bocas do mundo, devido ao terramoto político em curso.
Os factos, primeiro.
Jair Messias Bolsonaro, artilheiro
paraquedista na reforma, professor de Educação Cívica, candidato sem máquina
tradicional nem partido até agora conhecido (o PSL), que em 2017 era ainda só
uma réstia de significado, ganha em 16 dos 24 estados (e no distrito federal de
Brasília), captura mais de 49 milhões de votos e transforma a sua facção em
força parlamentar decisiva. Na diáspora brasileira, triunfa com quase 59% dos
votos (contra só 10,4% do principal rival).
Passa à segunda volta com
Fernando Haddad, apoiante algo renitente do PT, professor universitário, que em
sete anos de ministro da Educação conseguiu magríssimos resultados na redução
do analfabetismo, e foi considerado um dos piores autarcas do país, após dois
meros anos como presidente da Câmara de São Paulo, essa megalópole de 13
milhões de almas.
Com um general na reserva
esforçado, mas algo obtuso, como vice-presidente, Bolsonaro planeou rodear-se
num possível gabinete, do único astronauta brasileiro, como ministro de Ciência
e Tecnologia, de um economista “liberal”, razoavelmente letrado, nas Finanças,
do antigo comandante da ONU no Haiti para a Defesa, e de um “técnico competente
que volte a pôr aritmética na régua do aluno” como ministro da Educação.
Haddad está a renegociar
apoios. Considerado como “fraco, pouco convincente, pouco decidido e pouco
vigoroso” pelos seus potenciais aliados à “esquerda”, a começar pelo talentoso,
mas “desbocado”, Ciro Gomes, terá de subir uma montanha quase impossível. É que
nunca existiu reviravolta no segundo turno eleitoral.
E existe o problema central:
esta eleição foi também um julgamento sobre o partido dominante dos últimos quinze
anos, o PT, o seu cúmplice governante PMDB, e o representante tradicional da “direita”,
o PSDB. Todos foram escorraçados.
Haddad, um “ótimo moço”,
simboliza, para o bem e para o mal, o presente e o legado de um partido cuja
principal promessa, cujo principal profeta, cuja principal esperança, cujo
principal ídolo, está na prisão, não por delito político, ou por serviço ao
povo, mas por corrupção, fraude fiscal e lavagem de capitais.
Dizer que Bolsonaro é “fascista”
é um elogio da cegueira. É não compreender nada de Bolsonaro nem do fascismo.
No Brasil, este nunca pegou. Mesmo os integralistas de Plínio Salgado eram
sobretudo nativistas, defensores do índio tupi como “essência da pátria”, e os
primeiros arautos da miscigenação.
Dizer
que Bolsonaro é “fascista”, pejorativamente, é apenas insultar a
inteligência de quase cinquenta milhões de brasileiros que souberam decidir num
sistema complexo, e colocar, ao mesmo tempo, vinte e um partidos no parlamento.
Dizer que Bolsonaro é
“fascista” é não compreender o novo “conservadorismo” das favelas e das
universidades, o apoio paradoxal de evangélicos, católicos e maçons, a
necessidade de encontrar um emblema para a luta contra a corrupção, o
subdesenvolvimento, a opressão dos bandos, o regime local dos caciques e dos
subvencionados, o desemprego galopante e a recessão.
Dizer que Bolsonaro é
“fascista” equivale a puxar da pistola quando se ouve falar de cultura. Só
serve para rótulo em rixa de taberna.
Não explica nada, não
compreende coisa alguma.
Título e Texto: Nuno Rogeiro, SÁBADO, nº 754, de 11 a
17 de outubro de 2018
Digitação: JP
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