Helena Matos
Nas redações e na cabeça de cada um estão
instalados os fascistómetros, uns preciosos aparelhos que permitem a cada um
saber o que tem de dizer para não ser acusado de fazer parte da Fascislândia
Fascilândia. Terra na qual
estamos sempre em risco de nos tornar, caso não façamos o que a esquerda e a
extrema-esquerda determinam.
Fascistómetro. Aparelho
essencial para se sobreviver sem se ser midiaticamente linchado e acusado de
fazer parte da Fascilândia. O fascistómetro detecta não só quais os assuntos
que se podem abordar, mas também em que perspectiva. Por exemplo, uma mulher
que acuse um homem, de preferência conservador, branco e cristão de ter tentado
violá-la numa festa universitária há trinta anos é uma heroína. Já se a mesma
mulher não aceitar com muita sociologia ser assaltada e agredida num comboio
suburbano estamos a cair no chamado caso de populismo. Se em cima disso ela
identificar o agressor como proveniente de África ou do Médio Oriente então ela
torna-se um exemplar odioso da Fascislândia.
Em boa parte das redações
estão instalados sofisticadíssimos e potentes fascistómetros e, portanto, as
notícias que se entende poderem favorecer a Fascislândia ou não se publicam ou
tornam-se num quebra-cabeças grotesco. Por exemplo, se lermos as notícias sobre
as manifestações de Chemnitz na Alemanha não percebemos nada: nos títulos
invariavelmente referem desfiles anti-imigração protagonizados pela
extrema-direita.
No corpo das notícias
constata-se que estas manifestações tiveram origem na agressão levada a cabo
por um afegão e um sírio contra um alemão de origem cubana. Omitiram, portanto,
os jornalistas, certamente porque os fascistómetros lhes indicaram, que o
agredido era também imigrante. Logo, definir as manifestações como
anti-imigração é um exercício de má-fé ou de absurdo, o que no caso europeu vai
dar ao mesmo.
Gerador de sinónimos.
Ferramenta indispensável a qualquer fascistómetro, o gerador de sinónimos de
imediato passa expressões inconvenientes a slogan motivacional. Por exemplo,
“mais impostos” traduz-se por combate às desigualdades; aprovação de legislação
autoritária por proteção a …. (preencher a gosto); dirigismo político da
justiça e da ciência por combate ao preconceito; mau desempenho da escola
pública por escola inclusiva e promotora do sucesso…
O fascista de turno. Existe
sempre um fascista de turno. Aliás, boa parte do que se designa como atividade
política são apenas declarações contra o fascista de turno. Agora temos o
Bolsonaro que é fascista. Antes do fascista Bolsonaro era Trump o fascista de
turno. E antes do Trump havia a senhora Merkel, que ocupou durante algum tempo
o lugar deixado vago pelo fascista Bush. Note-se que o Sarkozy também já foi
fascista. O Berlusconi transbordava fascismo! E o austríaco Haider recordam-se?
Quem não se lembra das discussões genesíacas sobre se Guterres lhe apertava ou
não a mão?
A sucessão de fascistas corre
a tal velocidade que tem acontecido o fascista de ontem tornar-se no homem de
Estado de hoje, para tal basta-lhe dizer algo que seja entendido como uma
crítica ao seu sucessor no turno do fascista. Foi deste modo que, por exemplo,
o senador McCain passou de candidato fascista em 2008 a político notável em
2018. Ou seja, em 2008 o senador McCain era avaliado em função da sua
candidatura contra Obama já em 2017 e 2018 o que contava era o seu
posicionamento contra Trump.
O que leva a que alguém seja
definido como fascista raramente é a sua relação com o fascismo, mas sim com a
esquerda e a extrema-esquerda. Esta avaliação em função da perspectiva e não
dos atos leva a situações inexplicáveis para quem não conhece o processo de
produção de fascistas de turno e o funcionamento dos fascistómetros. Por
exemplo, o ex-presidente Obama ocupa o top da bondade nos fascistómetros
europeus apesar de durante os seus mandatos vários líderes europeus terem sido
colocados sob escuta por agências norte-americanas. Contraditório? De modo
algum: o fascistómetro não trata da realidade, mas sim da narrativa que sobre
ela é produzida.
A luta contra a Fascislândia.
Porque, seja protagonizada por quem for, o que conta é a luta. Não pode haver
um dia ou uma hora sem luta. As sociedades não podem ter o direito à
tranquilidade.
Mal uma luta acaba outra tem
de começar. As causas mais destrambelhadas, insanas e contraditórias são
aceites. (Que saudades de ver e ouvir o nosso primeiro-ministro Vasco
Gonçalves, nascido em berço de ouro e transformado, por falta de melhor figura,
em filho adotivo do MFA, arengando que os operários até preferiam dar vivas às
comissões de moradores em vez de comprarem um frigorífico!) Os propósitos
mais injustos tolerados. As reivindicações mais inacreditáveis satisfeitas
(recomendo que se leia sobre o apoio público das autoridades de Berlim à
pornografia feita por mulheres ou que seja considerada feminista.) Levantar a
mínima objeção a este chorrilho de inanidades leva a ser-se definido como de
extrema-direita. Claro que há quem pense que compra tempo e sossego dando o seu
apoio à luta de hoje por mais grotesca que se apresente. Esta anomia de quem
devia defender os valores fundamentais da sociedade que somos (ou fomos) face
ao ritmo trepidante a que os ativistas da luta submetem as sociedades levou ao
desaparecimento do centro.
A etnopolítica. Inicialmente a
luta contra a Fascislândia era feita pelo povo trabalhador, em particular pela
classe operária. Pertencer à classe operária dava automaticamente direito a um
estatuto de superioridade moral mesmo quando os atos pareciam questionáveis: um
camponês esfaqueava o patrão? A culpa era do patrão mesmo que morto. Um
metalúrgico, mal tinha entrado numa metalurgia, tornava-se líder político, mas
ninguém debatia com ele a sério porque não se podia mostrar como o metalúrgico
era ignorante…
Todo este universo da luta
contra a Fascislândia tinha o seu ideolecto: era o ódio de classe, os inimigos
de classe, os traidores de classe, os vícios de classe, os capitalistas, os
exploradores, os renegados… No caso das classes marcadas pelo pecado original
de não serem populares, apenas alguns conseguiam escapar a esse destino-aleijão:
Álvaro Cunhal, por exemplo, tornou-se “filho adotivo do proletariado
português”.
Agora o proletariado já não
adota ninguém, a luta deixou as fábricas (que só poluem) e a terra que seria de
quem a trabalhasse está transformada no local onde os “disneyativistas”
legislam em prol da criminalização do presunto e da instituição da sua utopia
dos porquinhos falantes e dos perus animais de companhia.
Os teóricos da luta de classes
trocaram o materialismo dialético pela técnica do confessionário dos reality
shows: o que conta é a vida privada, o quem dorme com quem, o que se disse ou
fez há trinta anos… Já o socialismo científico foi substituído pela etnopolítica
(tão cientifica agora quanto o socialismo o foi no passado): temos os negros,
os homossexuais, os transgender, as mulheres… que é suposto cumprirem o seu
destino político votando contra quem os fascistómetros locais indicam, da mesma
forma que nos anos 70 do século passado se esperava que os operários dessem
vivas a Marx, Engels e Lenine.
PS. O presidente da
Interpol terá sido preso. Para quem não tenha percebido bem o que está em causa
explico melhor: Meng Hongwe, presidente da Organização Internacional de Polícia Criminal começou por desaparecer após ter partido para uma viagem à
China, a 29 de Setembro. Depois surgiram notícias que o dão preso pelas
autoridades chinesas. O desaparecimento de um polícia é grave. O desaparecimento
do diretor da Interpol, seja porque razão tenha sido, é um fato gravíssimo. O
silêncio sobre o seu desaparecimento vai manter-se até quando? E é um sinal de
quê?
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
7-10-2018
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