domingo, 7 de outubro de 2018

O fascistómetro da Fascislândia

Helena Matos

Nas redações e na cabeça de cada um estão instalados os fascistómetros, uns preciosos aparelhos que permitem a cada um saber o que tem de dizer para não ser acusado de fazer parte da Fascislândia

Fascilândia. Terra na qual estamos sempre em risco de nos tornar, caso não façamos o que a esquerda e a extrema-esquerda determinam.

Fascistómetro. Aparelho essencial para se sobreviver sem se ser midiaticamente linchado e acusado de fazer parte da Fascilândia. O fascistómetro detecta não só quais os assuntos que se podem abordar, mas também em que perspectiva. Por exemplo, uma mulher que acuse um homem, de preferência conservador, branco e cristão de ter tentado violá-la numa festa universitária há trinta anos é uma heroína. Já se a mesma mulher não aceitar com muita sociologia ser assaltada e agredida num comboio suburbano estamos a cair no chamado caso de populismo. Se em cima disso ela identificar o agressor como proveniente de África ou do Médio Oriente então ela torna-se um exemplar odioso da Fascislândia.

Em boa parte das redações estão instalados sofisticadíssimos e potentes fascistómetros e, portanto, as notícias que se entende poderem favorecer a Fascislândia ou não se publicam ou tornam-se num quebra-cabeças grotesco. Por exemplo, se lermos as notícias sobre as manifestações de Chemnitz na Alemanha não percebemos nada: nos títulos invariavelmente referem desfiles anti-imigração protagonizados pela extrema-direita.

No corpo das notícias constata-se que estas manifestações tiveram origem na agressão levada a cabo por um afegão e um sírio contra um alemão de origem cubana. Omitiram, portanto, os jornalistas, certamente porque os fascistómetros lhes indicaram, que o agredido era também imigrante. Logo, definir as manifestações como anti-imigração é um exercício de má-fé ou de absurdo, o que no caso europeu vai dar ao mesmo.

Gerador de sinónimos. Ferramenta indispensável a qualquer fascistómetro, o gerador de sinónimos de imediato passa expressões inconvenientes a slogan motivacional. Por exemplo, “mais impostos” traduz-se por combate às desigualdades; aprovação de legislação autoritária por proteção a …. (preencher a gosto); dirigismo político da justiça e da ciência por combate ao preconceito; mau desempenho da escola pública por escola inclusiva e promotora do sucesso…

O fascista de turno. Existe sempre um fascista de turno. Aliás, boa parte do que se designa como atividade política são apenas declarações contra o fascista de turno. Agora temos o Bolsonaro que é fascista. Antes do fascista Bolsonaro era Trump o fascista de turno. E antes do Trump havia a senhora Merkel, que ocupou durante algum tempo o lugar deixado vago pelo fascista Bush. Note-se que o Sarkozy também já foi fascista. O Berlusconi transbordava fascismo! E o austríaco Haider recordam-se? Quem não se lembra das discussões genesíacas sobre se Guterres lhe apertava ou não a mão?

A sucessão de fascistas corre a tal velocidade que tem acontecido o fascista de ontem tornar-se no homem de Estado de hoje, para tal basta-lhe dizer algo que seja entendido como uma crítica ao seu sucessor no turno do fascista. Foi deste modo que, por exemplo, o senador McCain passou de candidato fascista em 2008 a político notável em 2018. Ou seja, em 2008 o senador McCain era avaliado em função da sua candidatura contra Obama já em 2017 e 2018 o que contava era o seu posicionamento contra Trump.

O que leva a que alguém seja definido como fascista raramente é a sua relação com o fascismo, mas sim com a esquerda e a extrema-esquerda. Esta avaliação em função da perspectiva e não dos atos leva a situações inexplicáveis para quem não conhece o processo de produção de fascistas de turno e o funcionamento dos fascistómetros. Por exemplo, o ex-presidente Obama ocupa o top da bondade nos fascistómetros europeus apesar de durante os seus mandatos vários líderes europeus terem sido colocados sob escuta por agências norte-americanas. Contraditório? De modo algum: o fascistómetro não trata da realidade, mas sim da narrativa que sobre ela é produzida.

A luta contra a Fascislândia. Porque, seja protagonizada por quem for, o que conta é a luta. Não pode haver um dia ou uma hora sem luta. As sociedades não podem ter o direito à tranquilidade.

Mal uma luta acaba outra tem de começar. As causas mais destrambelhadas, insanas e contraditórias são aceites. (Que saudades de ver e ouvir o nosso primeiro-ministro Vasco Gonçalves, nascido em berço de ouro e transformado, por falta de melhor figura, em filho adotivo do MFA, arengando que os operários até preferiam dar vivas às comissões de moradores em vez de comprarem um frigorífico!)  Os propósitos mais injustos tolerados. As reivindicações mais inacreditáveis satisfeitas (recomendo que se leia sobre o apoio público das autoridades de Berlim à pornografia feita por mulheres ou que seja considerada feminista.) Levantar a mínima objeção a este chorrilho de inanidades leva a ser-se definido como de extrema-direita. Claro que há quem pense que compra tempo e sossego dando o seu apoio à luta de hoje por mais grotesca que se apresente. Esta anomia de quem devia defender os valores fundamentais da sociedade que somos (ou fomos) face ao ritmo trepidante a que os ativistas da luta submetem as sociedades levou ao desaparecimento do centro.

A etnopolítica. Inicialmente a luta contra a Fascislândia era feita pelo povo trabalhador, em particular pela classe operária. Pertencer à classe operária dava automaticamente direito a um estatuto de superioridade moral mesmo quando os atos pareciam questionáveis: um camponês esfaqueava o patrão? A culpa era do patrão mesmo que morto. Um metalúrgico, mal tinha entrado numa metalurgia, tornava-se líder político, mas ninguém debatia com ele a sério porque não se podia mostrar como o metalúrgico era ignorante…

Todo este universo da luta contra a Fascislândia tinha o seu ideolecto: era o ódio de classe, os inimigos de classe, os traidores de classe, os vícios de classe, os capitalistas, os exploradores, os renegados… No caso das classes marcadas pelo pecado original de não serem populares, apenas alguns conseguiam escapar a esse destino-aleijão: Álvaro Cunhal, por exemplo, tornou-se “filho adotivo do proletariado português”.

Agora o proletariado já não adota ninguém, a luta deixou as fábricas (que só poluem) e a terra que seria de quem a trabalhasse está transformada no local onde os “disneyativistas” legislam em prol da criminalização do presunto e da instituição da sua utopia dos porquinhos falantes e dos perus animais de companhia.

Os teóricos da luta de classes trocaram o materialismo dialético pela técnica do confessionário dos reality shows: o que conta é a vida privada, o quem dorme com quem, o que se disse ou fez há trinta anos… Já o socialismo científico foi substituído pela etnopolítica (tão cientifica agora quanto o socialismo o foi no passado): temos os negros, os homossexuais, os transgender, as mulheres… que é suposto cumprirem o seu destino político votando contra quem os fascistómetros locais indicam, da mesma forma que nos anos 70 do século passado se esperava que os operários dessem vivas a Marx, Engels e Lenine.

PS. O presidente da Interpol terá sido preso. Para quem não tenha percebido bem o que está em causa explico melhor: Meng Hongwe, presidente da Organização Internacional de Polícia Criminal começou por desaparecer após ter partido para uma viagem à China, a 29 de Setembro. Depois surgiram notícias que o dão preso pelas autoridades chinesas. O desaparecimento de um polícia é grave. O desaparecimento do diretor da Interpol, seja porque razão tenha sido, é um fato gravíssimo. O silêncio sobre o seu desaparecimento vai manter-se até quando? E é um sinal de quê?
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 7-10-2018

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