Percival Puggina
Partidos de poucos votos na urna e no
Congresso Nacional, pavoneando-se mesmo assim como representantes das mais
sentidas reivindicações populares, adquiriram o hábito de levar suas pautas
diretamente ao STF. Ser bem-sucedido ali é muito mais fácil do que obter apoio
e maioria entre 513 deputados e 81 senadores. Por isso, buscam o atalho
judiciário, onde lhes basta a simpatia de meia dúzia de togados ativistas. Tão
simples quanto impróprio. Parlamento para quê?
Nos últimos anos, nossos onze
ministros se aferraram com braços e pernas à tese de que seu poder cumpre
função contra majoritária. Não é uma beleza? Cabe-lhes, então, por via de
consequência, incontido empenho pró-minoritário, tornando-os avessos aos
resultados das deliberações repulsivamente majoritárias do Congresso Nacional.
O imenso voto dissertado pelo
ministro Celso de Mello na ação que clama pela criminalização da homofobia
surpreendeu a nação. Do que disse, pode-se concluir que o decano identifica no
Congresso Nacional, em primeiro lugar, o vício infame de decidir por maioria e,
em segundo lugar, uma demora em deliberar que – aí digo eu – só é superada pelo
próprio STF.
É desnecessário aos fins deste
artigo reiterar o que já escrevi em vários outros: nos parlamentos, não
deliberar é uma forma legítima de deliberação, quase sempre orientada pelos
próprios autores de projetos que reconhecidamente não contam com votos para
aprovação. E o STF, em tempos de ativismo judicial, tem passado um trator sobre
textos claríssimos da Constituição. Foi o que aconteceu quando autorizou a
criação de cotas raciais como medida temporária (se permanente seria
inconstitucional). Perenizou-se, assim, a multiplicar-se por prazo indefinido,
a aberrante inconstitucionalidade. Foi, também, o que aconteceu quando o STF reduziu
a pó o artigo 226 da Constituição que reconhece, para efeito da proteção do
Estado, a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. E
quando Lewandowski pegou uma faca e fatiou o impeachment de Dilma Rousseff.
Alertam-me amigos juristas sobre outros casos em que o STF produz sentenças
aditivas maquilando-as com “interpretação conforme a Constituição”. É mais ou
menos o que está sendo alinhavado em relação ao aborto.
No caso da homofobia, o
ministro Celso de Mello gastou a paciência da corte ao longo de dois dias num
imenso esforço retórico para proclamar a tese que tudo indica será acolhida
pela maioria: deve-se aplicar à homofobia, por analogia, os tipos penais referentes
ao racismo. Sua Excelência descobriu algo que antigamente se chamava “ninho de
égua”, e o falecido padre Quevedo dizia “isso
non ecziste”.
Aliás, estou a um passo de
concluir que a criação de tipo penal por analogia também é uma forma de
racismo.
Título e Texto: Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras,
é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista
de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Puggina.org,
1-3-2019
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