Aparecido Raimundo de Souza
Obviamente todas as maravilhas se faziam sentidas e vivenciadas por quem quer que ali chegasse. Em face da sua desdita, contrariando a tudo e a todos –, notadamente pelo seu coração (que possuía mil razões para se ver e se sentir amargurado), a pequena não se lastimava, nem choramingava pelos cantos. Tampouco se deixava ser levada ou abatida pela melancolia ou pela neurastenia do desespero. A consternação, por seu turno, não lhe tirava o foco. Tampouco o derrotismo, ou o desânimo avassalador, lhe enchiam o coração de medos e inquietações. Fernanda não se sentia, em momento algum, acabrunhada ou triste, levando em conta os sentidos vitais inerentes a sua visão não lhe propiciarem a chance, por menor que fosse, de vivenciar a magia contagiante do efêmero, nem que fosse por um milésimo de segundo.
Sem se melindrar, ou se sentir ao nível do chão, a jovem agia dentro da normalidade, como se os seus olhos fossem perfeitos. Por assim, as formas das coisas se moldavam em toda a sua plenitude, como a venustidade que se fazia percebida de uma maneira que poucos poderiam acreditar e entender. Os males responsáveis pela sua “cequeira” agiam duramente como janelas fechadas em quartos ensombrecidos e lâmpadas queimadas. Para aumentar a degradante tristeza, que ela não sentia, seu “eu” interior maravilhado, não se fechara para o céu azul. Tampouco para o sol radiante e para as estrelas e a lua, quando, à noite, se prostravam no firmamento. Seu coração, mesmo norte, se fazia como uma vidraça corpulenta escancaradamente aberta para um universo paralelo de sensações imorredouras.
Nesse unissonante-paraíso, ela tocava as flores e conhecia as suas cores pelos cheiros e odores dos perfumes que exalavam. Mesmo tom, ao ouvir o vento, distinguia intimamente as paisagens que ele descrevia em suas canções. As pessoas que gravitavam ao seu redor, as empregadas, o motorista da tia, os parentes e os vizinhos que a conheciam, se quedavam em lamentações: “pobre menina! Que horror os seus olhos não capturarem as belezas que o Criador nos deu sem termos que pagar um centavo para desfrutarmos seus esplendores.” Mas Fernanda, ao tomar conhecimento dessas conversas meio que maquiavélicas, não dava a mínima. Limitava a se moderar em sorrisos indescritíveis. Sabia que, de certa forma, percebia, ou melhor, assimilava, nos mínimos detalhes... discernia mais que todo mundo, notadamente os que faziam parte do seu dia a dia, que o seu “eu” interior não vivia e não só vivia, sentia a verdadeira essência das coisas enroupadas numa majestade de beleza única e imperecível.
As fragrâncias balsâmicas, em iguais passos, não se detinham apenas em suas aparências. Elas se expandiam e voavam longe. Transcursavam para o divorciado dos sisudos muros que guarneciam as paredes da luxuosa construção. Certo dia, chegou ao seu conhecimento, que o Carlos –, um rapazote mais velho que ela um ano (morador quatro casas abaixo), tanto perturbou a sua mãe que, sem mais desculpas, a tal senhora se viu obrigada a bater na porta da suntuosa casa milionária. A tia de Fernanda, nessa ocasião, gentilmente atendeu as pretensões do menino, dando-lhe o acesso pleiteado. A mãe de Carlos trocou algumas palavras com a sua circunjacente, culminando com a tia aquiescendo com o encontro do garoto e a sua sobrinha. Com o ingresso do adolescente, permitiu que o púbere realizasse o seu sonho.
A tia, apesar da nova amiga morar próxima, colocou um segurança discreto
a observar o casal. Nesse interregno, convidou a mãe do piá, para acompanhá-la
até a cozinha, onde se sentaram e, enquanto os adolescentes trocavam
impressões, dona Lurdes pediu para uma de suas funcionárias preparar um lanche
para os convidados. O rapaz estava triste e abatido. Revelara à Fernanda que se
sentia deveras insatisfeito. Apesar da pouca idade, seu sonho maior se
constituía em ser pintor, porém, não sendo um profissional, e, via outra, ter
dado vida para uma grande quantidade de quadros, de repente lhe sucumbira a
paixão pela arte.
Anteriores:
À margem do nada
O escuro alimento
Traumas
Foi um milagre gostoso no sorriso de dois apaixonados
Legal poder tocar nas flores, sem poder vê-las, mas saber distinguir uma rosa de uma orquídea.
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Você sempre me surpreende.
Gratidão
Tati
Brigaduuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu...
ResponderExcluirAparecido Raimundo de Souza
de Santo André, São Paulo