domingo, 6 de abril de 2025

[As danações de Carina] Miscelâneas para ‘desenroscansos’

Carina Bratt

‘Se não pode ser infinito como seu ‘mundo’ interior, ao menos se transforme no alicerce-base para sustentar a presença de Deus em sua vida.’’
Aparecido Raimundo de Souza

Sem remédio
VOCÊ ENTROU em meu corpo por uma avenida marginada de árvores. O coração ficou contente. Por momentos pareceu estourar. Foi como se uma lança forte de sentimentos até então não sentidos lhe houvesse dado uma esfolada forte e profunda, cuja ferida até hoje aberta, jamais conseguiu cicatrizar.

Tênue Animação
Teu beijo animou meus lábios ressequidos pela dor da partida de alguém que gostava muito. Mas, ainda assim, dentro de euzinha, ficou uma pontinha de saudade com sabor acre de solidão.

Prisioneira
E foi pensando em amar, só em amar, que acabei assim: presa, complemente acorrentada às garras afiadas das suas loucuras.

Sem resposta
Uma dor amiúde invade a minha alma quando penso em deixar você definitivamente. Todavia, apesar dos pesares, não estar ao seu lado, concluí, é perigoso demais para mim. Você é como o sol quente que brilha no infinito. E tal como este astro, a sua presença pertence a todos, ao mesmo tempo em que não é de ninguém.

Palhaça
Burlei as barreiras que te cercavam. Agi com aspereza para afastar os que te perseguiam. Fraudei a todos, esquecendo que nessa comédia inteira, a mais idiota em todo o script fui eu mesma, porque no fundo de tudo, no fundo de tudo, era e ainda sou a artista principal.

Morta
Houve um tempo em que eu tinha medo de perereca. Não que fosse ‘pererecofóbica,’ mas, ao me olhar no espelho, numa certa manhã, me senti como um desses batráquios que vivem em árvores, vegetando um tempo perdido, enquanto os dias passam e eles não saem do lugar.

Ilusão
Teu amor fez sucesso imprevisto em minha vida. Temeroso das alturas, agora tenho medo de cair desse alto e me sentir às rés do chão como um verme se arrastando pelas calçadas das ruas repletas de sapatos em desordenada confusão.

Com toda razão
Meu pai me disse, quando completei 18 anos, que eu era uma potranca, ou seja, uma égua com quase vinte, solta num pasto. Hoje, as portas de fazer 36, (01.05.89). Se ele fosse vivo, diria que por eu ter chegado nesta idade, pareço uma fera intocável com cara de quem ainda sente medo de perder a virgindade dos maxilares.

Será?
Em certos momentos tenho a impressão de que meu espirito é o de uma mocinha pacata e tímida do interior assustada consigo mesma, notadamente quando me olho no grande espelho do destino e dou de frente com uma pessoa que se esqueceu de crescer.

Estranha
Me acho às vezes tão vaga, tão vaga me acho às vezes, que se estou na beira da praia olhando o mar, me perco sorumbática nas próprias vagas que se quebram indiferentes ao encontro dos bancos de areia.

Reverso
Meu medo é pular o muro para o lado de dentro e dar de cara com um cachorro desse tamanho, pronto para me abocanhar. Por isso, sempre salto o muro para o lado de fora e espanto as pessoas que passam desavisados e, ao me verem, saem correndo em desabalada carreira, pensando que vou lhes dar uma mordida nas batatas das pernas.

‘Fatalifelicidade’
Um dia, um rapaz, amigo meu, caiu de cima do beliche, (aquela cama empilhada) onde dormia. O coitado, desafortunado, deu com a cabeça em cima de uma bela e formosa bola de boliche.

Doideira
Onde Judas perdeu as botas achei as batas de um casal de médicos jovens que tomavam banho agarradinhos sem se darem conta que eu os observava de longe, de binóculo nos olhos, estetoscópio e aparelho de medir pressão, para dar mais ênfase a minha espionagem clandestina.

Sem tirar nem pôr
A vida é uma sucessão de dias que não se repetem. Devemos lembrar que a mesma água nunca passa duas vezes por debaixo da mesma ponte.

Para eterna lembrança da coisa
Sorria. Seu rosto aberto em felicidade pode leva-lo à plenitude de um amor que você achava perdido.

Não descambe para o inane
Aceite as imposições da vida. Sempre. Às vezes elas se transformam em degraus para alcançarmos o que mais almejávamos e nos parecia infinitamente impossível.

Augúrio
Nunca chore em vão. As lágrimas podem molhar a visão do seu futuro logo ali na esquina lhe esperando de braços abertos.

Não seja pródromo
Cuidado com o molho das chaves que você costuma deixar esquecido num canto qualquer e depois não se lembra onde foi. No meio delas, pode estar aquela que abriria a tranca da porta do seu amanhã.

Tenha em mente
A morte não é o passo final que se dá nesta vida. Pelo contrário, morrer é seguir por novos caminhos onde seus passos se farão eternos diante do Criador.

Gran finale
Viva intensamente cada momento. Sorria, grite, cante, bata palmas, e aproveite, como se no minuto seguinte você fosse se encontrar aninhada nos braços carinhosos do Pai Maior.

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA: ‘Desenroscansos’. Habilidade de encontrar soluções improvisadas, ou se livrar de situações complicadas de maneira engenhosa, ainda que com frases sem sentido ou nexo. ‘O livro das coisas estranhas’ de Michel Faber e Simone Campos.

Título e Texto: Carina Bratt, de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, 6-4-2025

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Faz ou não sentido?! 
Poesia numa hora dessas?!

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