domingo, 3 de abril de 2011

"Não me convidem para um linchamento!"

Reinaldo Azevedo
As ditaduras costumam ser muito simples porque ou não existe a cultura do direito ou ela serve apenas para justificar o poder. As democracias é que são complexas. Elas nos obrigam a conviver com gente que detestamos. Não é mesmo o fim do mundo? Em meio à histeria geral, peço que vocês prestem atenção a algumas questões deste texto e do próximo.
Muito bem! Todos querem o fígado de Jair Bolsonaro. O clima é de linchamento. O linchamento ocorre quando se julga, se condena e se executa ao arrepio dos tribunais. Já disse o que penso sobre as declarações do deputado. Quem quiser que as procure em arquivo. Seus admiradores ficaram bravos comigo. Fazer o quê? Assim procedi em benefício da clareza, não para exibir como credencial o fato de não concordar com ele.  Não preciso disso. Escrevi contra a revisão da Lei da Anistia, questão bem mais cabeluda.  O Supremo me deu razão. Apontei a inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. O Supremo também me deu razão. Não participo de circo!
A minha tarefa aqui é pensar junto com os leitores. Se esperassem de mim que dissesse o trivial ligeiro, estariam em outra página, certo? Acovardar-me porque o caso é difícil? Jamais! Ontem, o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, entrou na fila. Emitiu uma nota afirmando que o deputado violou a Constituição. O embate jurídico pode ser bom — se embate jurídico houver. Ophir, como bom presidente da OAB, já julgou e já condenou Bolsonaro. Huuummm… Outro dia, na prática, ele lastimou o fato de a maioria do Supremo ter respeitado o Artigo 16 da Constituição, na sessão sobre o Ficha Limpa. Já houve um tempo em que a OAB buscava o direito achado na lei. Hoje, busca  direito achado no clamor das ruas — ou da Internet.
Desde logo, observe-se que, no que concerne aos gays, por mais cretinas que sejam as opiniões de Bolsonaro, ele tem o direito de emiti-las — e não só por causa da imunidade parlamentar, não! Os que se opõem a seu pensamento que o combatam. Na democracia, é assim que funciona. Vamos à questão do racismo e à Constituição.
O que diz a Carta no inciso 42 do Artigo 5º?

“XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
A Lei, no caso, é a 7.716, de 1989, que teve dois artigos alterados pela 9.459, de 1997. Das várias práticas que ela busca coibir, Bolsonaro só poderia ser enquadrado no Artigo 20:
“Art. 20. “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”
E isso exclusivamente em razão da resposta que ele deu a Preta Gil. Quanto a ele não querer andar em avião pilotado por um ex-cotista ou ser operado por um médico ex-cotista, bem, queridos, isso nem mesmo é uma opinião, certo? É uma escolha! Ou se imagina um estado “democrático” o bastante que pudesse lhe impor piloto e médico que ele rejeita? É bem verdade que, no caso do primeiro, como sabê-lo? Ninguém exerce uma ditadura tão absolutista quanto este profissional quando está nos ares, né? Nenhuma ditadura é tão irrecorrível quanto a que se experimenta num avião… Gosto cada vez menos desse bicho, a despeito das certezas de um amigo piloto… Mas isso fica para outra hora.
A propósito: é uma canalhice intelectual, coisa de embusteiros morais, misturar a resposta que Bolsonaro deu à cantora com a sua posição sobre cotas raciais. Adiante.
O que foi que Bolsonaro disse a Preta Gil quando ela perguntou qual seria a sua reação se um de seus filhos namorasse uma negra?
“Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados. E não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”
O deputado alega — e até o apresentador do CQC Marcelo Tas ficou com a impressão de que ele se atrapalhou — ter entendido que Preta se referia a “namorar um gay”, não uma negra. O vocabulário a que ele recorre parece endossar essa possibilidade. Ainda que Bolsonaro não tivesse se enganado e estivesse mesmo respondendo o que lhe foi perguntado, o advogado Ophir Cavalcante sabe que seria necessário PROVAR que, com essas palavras, o parlamentar está “praticando” racismo.  O doutor Ophir sabe que, para enquadrar alguém em um crime tão grave, não basta apenas que muitas pessoas digam a mesma coisa, especialmente militantes de uma causa.
Bem, recorram ao dicionário para ler o sentido do verbo “praticar”, e veremos que não. E “induzindo”? Segundo o dicionário, também não! “Incitando” tampouco. Restaria, talvez, o artigo 140 do Código Penal. Nesse caso, seria preciso entender que, ao afirmar que não vai “discutir promiscuidade”, estaria considerando “promíscuo” o namoro de uma negra com um branco, o que muitos diriam ser injurioso — no caso, uma injúria agravada pela questão racial, conforme prevê a Lei 9.459. Se Bolsonaro de fato considerasse “promíscuo” o namoro de pessoas com cores diferentes de pele, isso seria certamente uma estupidez, mas é “racismo”? “Racista” não é quem a gente diz ser racista, mas quem incorre em alguma das práticas que estão descritas nas leis.
Reitero: convém não confundir opiniões, por mais odientas que sejam, com práticas de crimes que estão muito bem-descritas. Sigamos. O deputado se refere ao suposto ambiente “promíscuo” em que viveria a cantora. Não me parece que tenha relacionado a sua consideração ao fato de ela ser negra. Num portal da Internet, há uma entrevista em que diz Preta Gil:
“Me arrependo de todas as declarações que já dei sobre sexo. Isso gerou um mito que não é verdadeiro. O mito de que a Preta Gil é pegadora, Preta Gil é bissexual, Preta Gil já fez suruba… Essas coisas não ditam o que eu sou, o que trouxe um peso de ter que corresponder a essa imagem. Falei de coisas que já fiz no passado. Sou uma pessoa em transformação constante. Fui reduzida àquela pegadora, à bissexual… Tive que carregar as declarações que falei, e não menti, então assumo as conseqüências.”
Nota-se que a cantora admite ter ajudado a criar o “mito” daquilo que o dicionário — de novo, ele — define como “promiscuidade”. Não se trata de fazer juízo de valor sobre escolhas individuais — tornadas públicas por vontade —, menos ainda de julgar a vida da cantora. As pessoas são livres para escolher o que querem fazer. No limite, vá lá, as palavras de Bolsonaro podem ser consideradas ofensivas, uma vez que o adjetivo “promíscuo” carrega uma carga negativa. MAS ISSO É RACISMO?
Voltar aos livros
Eu acho que Bolsonaro precisa se instruir muito a respeito de uma penca de coisas. Poderia ter menos opiniões e dedicar um pouco mais de tempo à leitura. Sobre a homossexualidade em particular, diz um monte de bobagens — a maior delas é a que sustenta que, vou resumir, “o ambiente faz o gay”, o que faria supor que um heterossexual poderia ceder a tentações. Muitos homossexuais até gostariam que a prática fosse assim algo irresistível, mas, bem…, não é! Isso o leva a achar que, se um pai der uns petelecos no filho na hora certa, o rapaz (ou a moça) acaba ficando na heterossexualidade mesmo. Essas opiniões o indispõem com um monte de gente. Ele também se opõe a cotas raciais nas universidades — como se fosse o único e como se essa posição, em particular, pertencesse à mesma ordem a que pertence a outra. Que eu saiba, há negros e gays que também são contra cotas, não é mesmo? E certamente há negros que pensam sobre a homossexualidade o mesmo que Bolsonaro.
Então vamos devagar aí! Os que quiserem, e julgarem ter motivos para isto, odeiem Bolsonaro à vontade; se for o caso, mobilizem-se para combater suas opiniões, mas é preciso um pouco mais de rigor técnico na hora de acusá-lo de racismo. A exemplo dele, sou contra cotas — e há muita gente boa, felizmente, que também é; a exemplo dele, acho um lixo demencial o material sobre homofobia que o MEC preparou para distribuir nas escolas — e há muita gente boa, felizmente, que acha o mesmo. À diferença dele, acho que gays já nascem feitos; que é um absurdo supor que uns petelecos possam mudar essa orientação; que gays podem, sob certas condições, adotar crianças, além de não ver mal nenhum em que se juntem em união estável, reconhecida pelo estado. Mas sou contra a lei da homofobia porque ela é inconstitucional.
Eu não pertenço a grupos — menos ainda ao dos Linchadores Unidos da Imprensa em Nome do Bem! Pra falar a verdade, essa gente toda que decidiu tirar uma casquinha merece é o meu desprezo. Até Marta Suplicy (”É casado? Tem Filhos?) resolveu jogar a sua pedra. Parecem um bando de hienas disputando a carniça. Eu não sei se Bolsonaro será ou não punido. Sei que, se for, há de sê-lo dentro da lei, não porque se arma o circo para a expressão do clamor público.
E eu ainda tenho uma questão a apresentar ao doutor Ophir.
Reinaldo Azevedo

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