Gostei do desafio que você faz
aos seus líderes. Tenho lido, eventualmente, seu Balaio. Para quem não
sabe, tenho por Ricardo Kotscho uma admiração especial, que nasceu há 45 anos,
na Escola de Comunicações da USP, em março de 1967, e se consolidou depois, nos
anos em que trabalhamos juntos, no Estadão.
Você escreve em seu Balaio:
“De uma hora para outra, a começar pelo julgamento do mensalão, até chegar às
revelações da Operação Porto Seguro, o que era um projeto vitorioso de resgate
da cidadania reconhecido em todo o mundo levou um tiro na testa e foi jogado na
sarjeta das iniquidades”.
Meu caro Ricardo Kotscho, não
foi “de uma hora para outra” que as coisas começaram a degringolar. O mensalão
é de 2005. A morte de Celso Daniel é de 2002. O PT está no poder há mais de 11
anos. Só no primeiro ano de Dilma, caíram 7 ministros – sendo 6 por corrupção.
Mas ninguém foi para a cadeia e não irá. Tudo isso é que jogou seu partido na
“sarjeta das iniquidades”. Seu projeto, realmente, levou uma bala na testa.
Você tem toda a razão. Cabe ao
PT e a Lula botar a cara para apanhar e pedir desculpa pelo estrago. Não
adianta culpar outros governos e dizer: “Eles também roubam. Eles também fazem
caixa-dois. Nós fizemos o que todos fazem.”
O grande problema, meu querido
Ricardo Kotscho, é que, como jornalistas, não podemos transformar nosso espaço
em palanque, e escrever como militante. De nenhum partido. Isso não nos impede
de, como cidadãos, tomar posição a cada momento, quando votamos, discutimos e
“ficamos de um lado”. É claro que nossa visão pessoal pode coincidir com alguma
plataforma partidária, mas nada além de coincidência.
Diante das evidências, temos
que ser capazes de mudar. Como fizeram Hélio Bicudo, Plínio de Arruda Sampaio,
Marina Silva e outras figuras de coragem daquele outro PT, que merecia nosso
respeito.
Eu e você, Ricardo, já temos
idade para pensar com toda independência, para mudar de rumo, diante dessa
ópera-bufa. Você levou todos esses anos para descobrir que sua canoa estava
furada. Antes tarde do que nunca. Eu descobri muito antes. Primeiro, concluí
que o PT estava muito aquém de meus sonhos. Depois, foi a vez do PSDB – um
partido hoje acovardado, sem coragem para fazer um décimo daquilo que o PT
fazia na oposição.
O projeto do PT – que, em
1980, era também o meu – não levou apenas um tiro na testa e foi jogado na
sarjeta das iniquidades. Quando assumiu o poder, há quase 12 anos, foi
metralhado pelos próprios petistas. Um bando de ratos, com honrosas exceções.
Não foi a mídia que destruiu a imagem e a reputação do PT – de Zé Dirceu,
Delúbio, Genoíno, João Paulo et caterva. Foram eles mesmos, com suas
maracutaias.
Aplaudo a cobrança que você
faz aos seus líderes, Ricardo. Admiro essa atitude. Se estivesse no PT, faria o
mesmo. Exija que eles venham a público pedir desculpas, fazer sua autocrítica
sincera. Não podem se agarrar ao poder, aos interesses mais rasteiros. Até
porque não existe nenhuma guerra de extermínio de reputações, meu caro.
Ninguém poderá destruir minha
reputação. Nem a sua, Ricardo, porque não temos telhado de vidro. Creia, então,
que a iniquidade imputada ao PT e seus aliados não é invenção da “mídia
golpista”, mas resultado de investigação da Polícia Federal, tanto no caso dos
bebês de Rosemary como no conteúdo das 50 mil páginas do processo do mensalão.
Eu fico com os fatos e não com
os chavões. Um deles é justificar a corrupção com a vitória eleitoral. Você menciona
os “triunfos” do PT como escudos. Ganhar uma eleição, meu querido Ricardo
Kotscho, não anistia nenhum ladrão. O que me assusta é que você continua
apoiando seu líder máximo, mesmo depois de vê-lo, posando ao lado ou abraçado a
Jader Barbalho, Sarney, Collor, Renan Calheiros, Maluf e outros do mesmo saco?
Lula abraça e elogia qualquer um: numa viagem à Líbia ele abraçou Kadafi e
chamou-o de “meu irmão, meu líder”. Dias depois, elogiou o ditador do Gabão,
que está há mais de 30 anos no poder e pediu a receita de como conseguir essa
estabilidade. Acho que lhe deram a receita.
Repito: ganhar eleição não dá
indulto a ninguém. Os condenados do mensalão poderão, facilmente, ganhar
eleições – mesmo depois de tudo que fizeram. Nós conhecemos nosso povo e nosso
país.
A pior coleção de chavões que
encontrei está em uma de suas confissões foi a de que de que, apesar de tudo,
seu lado “é de Lula, do PT e o da maioria do povo brasileiro, que venceu 500
anos de opressão e hoje vive num país melhor e mais justo”.
De que país melhor e mais
justo você está falando? Não deve ser deste em que vivemos. Avalie com toda
franqueza e honestidade, com fatos e números, a educação pública calamitosa
deste país, a assistência à saúde de padrão africano, a ineficiência do Congresso,
a lentidão da Justiça, as estradas federais que derretem, os apagões da
energia, a previdência falida, a segurança que nos apavora, os política
tributária mais burra do planeta. O ideal seria que nós discutíssemos tudo
isso, toda essa realidade, com fatos, números, políticas públicas sérias. Sem
frases de efeito.
Um super abraço do Ethevaldo
Siqueira, 03-12-2012
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