quinta-feira, 7 de março de 2013

Europa – O desemprego e a instabilidade


George Friedman
A crise financeira global de 2008 tem lentamente mantida e acelerada uma crise de desemprego global. Tal crise de desemprego vai, rapidamente, dar lugar a uma crise política. A crise envolve todos os três principais pilares do sistema global - Europa, China e Estados Unidos. O nível de intensidade difere, a resposta política difere e sua relação com a crise financeira também difere. Mas há um elemento comum, que é o fato do desemprego está cada vez mais substituindo as finanças como o problema central do sistema financeiro.
A Europa é o ponto focal da crise. Na semana passada, a Itália realizou eleições, e o partido que ganhou a maioria dos votos - com cerca de um quarto do total - era um grupo inteiramente novo chamado de "Movimento de Cinco Estrelas" que é liderado por um comediante profissional. Duas coisas são de interesse sobre este movimento. Primeiro, um dos seus pilares centrais é o apelo ao calote numa parte da dívida da Itália como o menor dos males. Segundo, é que a Itália, com 11,2 por cento de desemprego, está longe de ser o pior caso de desemprego na União Europeia. No entanto, a Itália está a criar partidos radicais profundamente opostos às políticas de austeridade atualmente em vigor.
O debate central na Europa tem sido sobre como resolver a crise da dívida soberana e a consequente ameaça aos bancos europeus. A questão era saber quem irá arcar com a carga de estabilização do sistema. O argumento que prevaleceu, especialmente entre as elites da Europa, foi a de que o que a Europa precisava era de austeridade nos gastos públicos, pelo que os gastos governamentais tiveram que ser drasticamente restringidos, de modo que a dívida soberana - que todavia pode ser reestruturada - não sofreria calote.
Uma das consequências da austeridade é a recessão. As economias de muitos países europeus, especialmente os da zona do euro, estão agora em contração, uma vez que a austeridade obviamente significa que menos dinheiro estará disponível para compra de bens e serviços e haverá queda no consumo. Se o principal objetivo é estabilizar o sistema financeiro, isso não faz sentido. Mas, se a estabilidade financeira pode ou não permanecer como sendo o principal objetivo, vai depender de um consenso envolvendo amplos setores da sociedade de cada país. Quando o desemprego se torna intenso, então as mudanças de consenso e o foco mudam com o fenômeno e o sistema por inteiro pode alterar. Assim, parece ser correto ter em conta que a eleição italiana foi o primeiro temor, embora esperado.

UM PADRÃO SURGE NA EUROPA
Considere a geografia do desemprego. Apenas quatro países na Europa estão com um índice de desemprego igual ou inferior a 6 por cento da força de trabalho. São países geograficamente contíguos: a Alemanha, a Áustria, a Holanda e Luxemburgo. A periferia imediata tem um índice de desemprego muito maior; a Dinamarca, com 7,4 por cento, o Reino Unido, com 7,7 por cento, a França com 10,6 por cento e a Polônia com 10,6 por cento. Na periferia mais distante, vem a Itália com 11,7 por cento, a Lituânia com 13,3 por cento, a Irlanda com 14,7 por cento, Portugal com 17,6 por cento, a Espanha com estarrecedores 26,2 por cento e a Grécia com terríveis 27 por cento.
A Alemanha, a quarta maior economia mundial, é o centro de gravidade econômico da Europa. As exportações de bens e serviços são o equivalente a 51 por cento do PIB (produto interno bruto) da Alemanha nacional, e mais de metade das exportações da Alemanha vão para outros países europeus. A Alemanha enxerga a zona de livre comércio da União Europeia como essencial para a sua sobrevivência. Sem o livre acesso aos demais mercados europeus, suas exportações poderiam se contrair drasticamente e o desemprego disparar. O euro é uma ferramenta que a Alemanha, com sua influência desmesurada, usa para gerenciar suas relações comerciais - e isso coloca a gestão dos demais membros da zona do euro em desvantagem. Países com salários relativamente baixos deveriam ter uma vantagem competitiva sobre as exportações alemãs. No entanto, muitos têm saldos negativos com ela em suas balanças de comércio exterior. Assim, quando a crise financeira os ataca, as suas capacidades de administrá-la ficam insuficientes e isso leva-os a crises de solvência com relação à dívida soberana, que por sua vez compromete ainda mais as suas posições quando submetidos à austeridade, especialmente quando suas participações na zona do euro não lhes permite aplicar as suas próprias políticas monetárias.
Isso não significa que eles não eram perdulários em seus gastos governamentais a financiar suas benesses sociais, mas sim o fato de que a causa subjacente de seu fracasso é muito mais complexa. Em última análise, enraizou-se, num raro caso de uma zona de livre comércio, o fato de que ela está sendo construída em torno de uma enorme economia que depende de suas exportações (a Alemanha é o terceiro maior exportador do mundo, depois da China e dos Estados Unidos).
O Acordo Norte-Americano de Livre Comércio é construído em torno de um importador líquido. A Grã-Bretanha era um importador líquido a partir do Império. A potência alemã desequilibra todo o sistema. Comparando a taxa de desemprego do bloco alemão com o do sul da Europa, é difícil imaginar que tais países sejam membros de um mesmo bloco de livre comércio.
Mesmo a França, que tem uma taxa de desemprego relativamente baixa, apresenta uma estória mais complexa. O desemprego na França está concentrado em dois grandes polos, um ao norte e outro ao sul, com o sudeste da França sendo o maior deles. Assim, pois, ao se olhar o mapa, vê-se que a área sul da Europa foi atingida de modo extraordinariamente duro pelo desemprego, ao passo que a Europa Oriental a coisa não vai tão mal, mas a Alemanha, a Áustria, a Holanda e Luxemburgo ficaram relativamente incólumes. Quanto tempo isso vai durar, dada a recessão na Alemanha, aí já é outra questão, mas o contraste nos diz muito sobre a geopolítica emergente da região.
Ou seja, há nações que estão sofrendo mais e outras sofrendo menos do mesmo mal e a origem desse mal, pode-se afirmar didaticamente, está nas práticas socialistas de construtivismo e distributivismo estatal em países que agora, têm que ser tratados de forma cuidadosa e diferenciada, como pacientes que estão sujeitos a morrer da cura. Se a austeridade é o principal remédio, ele tem que ser administrado com cuidado para que a saúde do país em questão não se deteriore mais ainda.
Portugal, Espanha e Grécia estão em recessão mais ou menos severa. Suas taxas de desemprego são aproximadamente às verificadas nos EUA durante a década da Grande Depressão. Cada um deles necessita de seu New Deal. Deve-se ter como regra considerar que, para cada pessoa desempregada, três outras são afetadas, sejam elas cônjuges, crianças ou quem quer mais que sejam. Isto significa que, quando a taxa de desemprego alcança 25 por cento da força de trabalho disponível virtualmente todo mundo é afetado. A 11 por cento de desemprego, algo em torno de 44 por cento das pessoas de um país são afetadas.
Pode-se argumentar que os números de fato não representam uma situação tão calamitosa quanto parece na medida em que as pessoas estejam trabalhando na economia informal. Isso pode ser verdadeiro, mas, na Grécia, por exemplo, os artigos farmacêuticos estão agora mal abastecidos uma vez que o dinheiro para importá-los acabou. Governos locais da Espanha estão na iminência de demitir mais empregados e os serviços públicos caíram em quantidade, qualidade e abrangência. Estes países chegaram a tal ponto de inflexão que é difícil imaginar como poderão se recuperar. No resto da periferia europeia, a crise do desemprego está se intensificando. O número preciso dela importa menos do que o impacto visível sobre suas cambaleantes sociedades.

AS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS DO ALTO DESEMPREGO
É importante compreender as consequências deste tipo de desemprego. Há o desemprego de longa duração das classes mais baixas. Esta onda de desemprego atingiu a classe média e a classe média alta, onde um grande contingente vivia de benesses estatais. Considere um arquiteto que eu conheço na Espanha e que perdeu o seu emprego. Casado e com filhos, ele está desempregado há tanto tempo que ele mergulhou em um estilo de vida totalmente diferente e inesperado. A pobreza é bastante difícil de ser gerida, mas quando ela vem associada também à perda de status, a dor é grave o suficiente para fazer surgir poder politicamente potente no país.
A ideia de que um regime de austeridade, imposto pelo mandato alemão de administração da EU seja capaz de sobreviver politicamente, é difícil de ser imaginada. Na Itália, com "apenas" 11,7 por cento de desemprego, o sucesso do Movimento Cinco Estrelas representa uma resposta inevitável à crise a ao remédio usado para contorná-la. Até recentemente, o calote era o medo primário dos europeus, pelo menos no seio da elite financeira, política e jornalística. Eles penaram por muito tempo na busca de como resolver o problema bancário. Mas acabaram por conseguir fazê-lo ao gerarem uma crise social maciça. Tal crise social gera um retrocesso político que evitará que a estratégia alemã seja posta em prática. Para o sudeste da Europa, onde essa crise social está se estabelecendo para um longo prazo, bem como para o leste europeu, não fica claro como será possível a quitação de suas dívidas de modo a beneficiá-los. Tais países podem ser congelados fora dos mercados de capitais, mas o custo de permanecer nessa situação tão desigualmente compartilhada será tanto que a base política em favor da austeridade está se dissolvendo.
Isto é composto de um aprofundamento da hostilidade à Alemanha, que por sua vez se considera virtuosa por sua frugalidade. Outros, no entanto, consideram isso como um comportamento voraz com sua exportação agressiva, na qual o item mais importante exportado agora é o desemprego. Quais deles estão certos, é algo imaterial. O fato de que se esteja vendo o crescimento diferenciado entre o bloco alemão e o resto da Europa é um dos desdobramentos mais significantes desta crise, desde que ela começou.
A crescente tensão entre França e Alemanha é particularmente importante. As relações franco-germânicas não eram apenas um dos princípios fundadores da União Europeia, mas uma das razões para que o bloco existisse. Após as duas guerras mundiais, entendeu-se que a paz na Europa dependia de unidade entre França e Alemanha. Tais relações estão longe de serem rompidas, mas são tensas. A Alemanha quer ver o Banco Central Europeu prosseguir com a sua política de se concentrar em controlar a inflação. Isso é do interesse da Alemanha. A França, por sua vez, com 11 por cento de desemprego, acha que a necessidade é a de que o Banco Central Europeu estimule a economia europeia, a fim de reduzir o desemprego. Este não é um debate cercado de mistério. É um debate sobre quem controla o Banco Central Europeu, e sobre quais devam ser as prioridades da Europa e, finalmente, sobre como a União Europeia poderá existir com essas enormes diferenças de desemprego.
Uma resposta a esta questão é a de que pode ser que a taxa de desemprego na Alemanha aumente. Isso pode mitigar o sentimento antialemão, mas não vai resolver o problema. O desemprego nos níveis em que muitos países estão atingindo parece minar o poder político dos governos incapacitando-os a perseguir políticas necessárias para gerir o sistema financeiro. O argumento do Movimento Cinco Estrelas em favor do padrão não é proveniente de um partido marginal. A elite pode manter o movimento numa situação de desprezo, mas ele ganhou 25 por cento dos votos e já é uma força considerável. E lembrar que o herói dos europeístas, Mario Monti, mal ganhou 10 por cento dos votos, a apenas um ano após a Europa tê-lo celebrado.
O fascismo, assim como outros tipos de socialismo, teve suas raízes na Europa dando origem a enormes fracassos econômicos em que as elites financeiras falharam em reconhecer as consequências políticas do desemprego. Elas riram de partidos liderados por homens que tinham sido vagabundos que vendiam cartões-postais na rua e prometendo milagres econômicos bastando apenas que os ‘responsáveis ​​pela miséria do país’ fossem eliminados. Homens e mulheres, mergulhados na vida confortável da pequena burguesia, não riam, mas responderam ansiosamente àquela falsa esperança. O resultado foi que os governos que fecharam suas economias ao mundo e conseguiram seus desempenhos através de diretivas e de manipulação.
Isto é o que aconteceu após a Primeira Guerra Mundial e não aconteceu após a II Guerra Mundial, porque a Europa estava ocupada. Mas quando se olha para as taxas de desemprego de hoje, os diferenciais entre as regiões, o fato de não haver nenhuma promessa de melhoria e de a classe média estar sendo atirada às hostes dos despossuídos, podemos ver o padrão se formando.
A história não se repete de forma tão ordenada. O fascismo na década de 1920 e 1930 é um tipo de socialismo que está morto. Mas o surgimento de novos partidos políticos que falam para os desempregados e os recém-empobrecidos é algo difícil imaginar que não esteja ocorrendo. Se são a festa da Madrugada Dourada na Grécia ou os movimentos de independência da Catalunha, o fato é que o crescimento de partidos que querem redefinir o sistema – que tem se inclinado até agora contra a classe média – é inevitável. A Itália foi, simplesmente, mais uma vez, o primeiro a experimentar esse tipo de socialismo, juntamente com a Alemanha dominada por outro tipo de socialismo parecido, o nazismo.
É difícil ver não apenas como isso está contido no interior dos países, mas também como uma crise financeira pode ser evitada, uma vez que a vontade política para suportar a austeridade está falida. É até difícil ver como esta zona de livre comércio (EU) vai sobreviver em face da necessidade urgente dos alemães exportarem tanto quanto o possível para se sustentarem. A divergência entre os interesses alemães e os do Sul e do Leste Europeu foi profunda e tem aumentado quanto mais parecia que um compromisso era possível para salvar os bancos europeus. Isso porque tal compromisso teve a consequência não intencional de desencadear a própria força que o enfraqueceria: o desemprego.
É difícil imaginar uma política europeia comum neste momento. Ainda há uma, sob certo sentido, mas como um país com 5,2 por cento de desemprego cria uma política econômica em comum com um que tem 11, 14, ou 27 por cento de desemprego, é difícil de conceber. Além disso, com o desemprego vem uma demanda reduzida por produtos e menos apetite para as exportações alemãs. Como a Alemanha lida com isso também é um mistério.
A crise do desemprego é, em última analise, uma crise política que vai minar todas as instituições da Europa, que trabalhou tão duro para criá-las. Por 17 anos, a Europa prosperou, mas essa prosperidade coincidiu com um dos períodos mais prósperos da história da humanidade. O Brasil e o México que o digam...
Os tempos agora parecem ter desembocado num dos pesadelos de todos os países e um pesadelo antigo e profundo que afeta a Europa: o desemprego em grande escala. O teste da Europa não é a dívida soberana. É a possibilidade de evitar os velhos hábitos e sociopatias enraizadas na sua história e que podem recrudescer com o desemprego.
Sempre que há dificuldades sociais (políticas e econômicas) muitos países recorrem a saídas conhecidas como socialismos, a grande maioria delas levando apenas ao aprofundamento e a cronificação dessas dificuldades. Foi o que aconteceu com a Alemanha, a Inglaterra, a Itália, a Rússia, e muitos outros países que ainda não evoluíram para uma sociedade democrática e capitalista moderna.
Título e Texto: George Friedman – Fundador e diretor da STRATFOR do Texas, a “CIA das sombras”

Tradução: Francisco Vianna

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