quarta-feira, 2 de outubro de 2013

[O cão tabagista conversou com…] Rubens de Freitas: “O desespero era grande e eu decidi acabar com a minha vida.”

Nome: Rubens de Freitas O’Donnell
Ingresso na Varig: 1967
Última posição na empresa: Superintendente de Vendas - Exterior
Aposentadoria por invalidez: 1993

Por onde começou na Varig?
Ingressei em 1967, no setor de Reservas. Passei por diversas posições até ser Assistente do Superintendente. Em 1989 passei para a área de Vendas, exercendo a função de Superintendente. Fiquei até agosto de 1991, quando ocorreu o acidente.

Acidente?!
Em agosto de 1991 sofri um acidente em São Paulo. Fui encontrado numa rua sem sentidos. Duas pessoas disseram que um carro me tocou e na queda bati com a cabeça. Fui levado a um hospital onde fiquei por nove dias em coma. Toda minha família se deslocou para São Paulo (moro no Rio). Eu tive uma isquemia cerebral, ficando não se sabe exatamente quanto tempo sem receber sangue no cérebro.
Depois de nove dias abri os olhos. Não reconhecia ninguém. Ao lado estavam minha esposa, três filhos e sete irmãos. Fui "apresentado" a cada um.
Aos poucos os médicos perceberam que eu não sabia ler/escrever.

Recebi alta e fui para o Rio. Fiz diversos tratamentos com psicólogos, psiquiatras, regressão, medicamentos. Nada deu resultado. Após dois anos os médicos da Varig e do INSS decidiram me aposentar por invalidez pois eu estava com amnésia global, incapaz de lembrar de absolutamente nada de minha vida, desde a infância até o presente. O desespero era grande e eu decidi acabar com a minha vida. Não o fiz graças a meu irmão, uma pessoa espiritualizada e super especial. Ele me mostrou que esse seria o pior caminho.

Decidi ir à luta. Convencido por minha filha fiz um curso de alfabetização que durou cerca de dois anos. Com quase 50 anos lá estava eu numa sala de aula aprendendo o abecedário. Meus limites eram tão grandes que tive enorme dificuldade no início, sendo o pior aluno da sala. Com muita perseverança venci essa etapa. Aprendi a ler/escrever e isso foi um grande estímulo. Passei a ler vários livros, desenvolvendo meu vocabulário e minha mente. Fui aprendendo tudo de novo. Cada coisinha que entrava em minha cabeça era uma grande vitória.

Depois dessa fase passei a ouvir de parentes e amigos tudo sobre minha vida.
Pesquisei muito. Estudei sobre mim mesmo. Passei a saber detalhes sobre a Varig, o drama do Aerus. Hoje entendo tudo. Sei com detalhes sobre a maior injustiça que o Brasil já fez com os aposentados. Luto na medida do possível, enviando e-mails para as autoridades.

Nossa!!
Você escreveu “após dois anos os médicos decidiram me aposentar…”
Nesse tempo você permanecia em casa?
Durante esses dois anos eu fiquei em minha casa e de vez em quando passava períodos em casa de meus irmãos, sendo que cada um procurava me ajudar a reconstruir minha vida.

Período difícil…
Sim.
Depois de perder a memória eu fiquei tão revoltado que passei a ser ateu. Para mim Deus não existia, era apenas uma invenção do homem. Meu irmão, aquele que impediu que eu acabasse com a vida, sempre dizia que existe vida após a morte, que existem espíritos, e que Deus era um espírito superior. Ele dizia que mesmo que fosse depois depois de sua morte ele me provaria que Deus existe. Pois bem, ele morreu e no ano seguinte recebi dele duas psicografias, nas quais ele descrevia detalhes de nossas vidas que só nós sabíamos. Com isso ele provou de forma irrefutável que existe vida após a morte. Passei a acreditar fielmente em Deus.
O mundo naquele dia perdeu um ateu!

Por que quis acabar com a vida?
De repente entrei na mais profunda depressão.
Minha vida não tinha sentido. Existe coisa pior do que não se lembrar de sua própria vida? Não se lembrar da infância, da adolescência, dos pais, da primeira namorada, do casamento, dos filhos, dos irmãos. Pode existir coisa pior? Uma vez li que o que nos acalenta no presente são as lembranças do passado. Que passado? Por muitas vezes eu estava em algum lugar e era abordado por pessoas que nunca vi e diziam ter trabalhado comigo na Varig. Muitas vezes passei por maluco.

Certa vez no metrô uma mulher veio falar comigo com bastante desenvoltura e carinho. Ao dizer que não me lembrava dela as pessoas em volta ficaram me olhando como se eu fosse um ET. Se contar outras histórias dará para escrever um livro.
Por tudo isso minha autoestima veio a zero. Perdi completamente a vontade de viver.
Eu sentia ódio de mim. Não conseguia sequer me olhar no espelho. Quando isso acontecia e eu via minha figura ridícula sempre vociferava 3 expressões: " Desgraçado, maldito, FDP!!! "

Por tudo isso cheguei num ponto em que meu único pensamento era acabar com a vida. Como falei antes, graças a meu irmão isso não aconteceu. Ele era meu grande ídolo, muito do que aprendi devo a ele. Principalmente acreditar em Deus, eu que era ateu extremista.

Se bem entendi você reaprendeu a ler e a escrever em dois anos?
Reaprender a ler e a escrever realmente consegui fazê-lo em dois anos.
Demorei bastante pois meu raciocínio era bastante lento, mal conseguindo acompanhar as aulas. Juntar as letras era uma verdadeira tortura.
Dar laço no tênis nem pensar. Lembro-me que ficava horas dedicado a esta tarefa quase impossível. No dia que consegui dei um grito que foi ouvido na vizinhança.

Emocionante, Rubens. Uma linda história de superação.
Você está completamente recuperado?
Meus filhos e irmãos sempre usam a palavra SUPERAÇÃO quando se referem a mim. Eles dizem que Deus me deu uma segunda oportunidade.
Muitas vezes eu me sinto até ingrato, eu que considero a gratidão um dos mais lindos e nobres sentimentos. Eu deveria ser grato a Deus pela minha recuperação. Meus sentimentos às vezes se confundem.
Devo ser um revoltado por tudo o que me aconteceu ou devo ser grato pela oportunidade que tive de reaprender?
Na verdade eu sofro demais por não me lembrar de minha vida. Minha personalidade foi bastante afetada.

Um pequeno exemplo: todos dizem que eu era torcedor fanático do Flamengo. Hoje quando me perguntam digo que sou BotaFlaNenseVas. Pode isso? Gosto do Flamengo, do Fluminense, do Botafogo e do Vasco. Do Vasco eu não gostava mas passei a gostar porque sou APAIXONADO pela Fátima Bernardes e não quero que ela sofra (ela é doente pelo Vasco).
Outro pequeno exemplo: todos dizem que eu era o maior admirador do cantor Roberto Carlos. Reconheço que ele tem algumas canções bonitas, mas não tenho sequer um CD dele.
Ou seja, sou outra pessoa.
Mesmo assim fico com a opção de ser grato a Deus. Superei muita coisa.
Não sei se outros teriam minha perseverança.

Há quanto tempo se deu essa recuperação?
É difícil determinar uma data exata da recuperação. Foi uma coisa gradativa. Aconteceu lentamente, e na verdade eu posso dizer que ainda hoje estou nesse processo de recuperação. A cada dia aprendo coisas novas. Sinto que ainda tenho que evoluir muito. Às vezes tenho enorme dificuldade em entender as coisas. Se vou a uma consulta médica eu saio da sala sem conseguir entender as orientações que recebi do médico.
Branco total. Muitas vezes algum irmão ou filho vai comigo para depois me passar o que o médico disse.

Lembra que te falei que sou APAIXONADO pela Fátima Bernardes?
Em abril deste ano eu consegui um convite para assistir ao programa dela.
Durante o programa eu dei um depoimento sobre trânsito. Até hoje não sei como consegui coragem pra falar na TV Globo, com o Brasil inteiro assistindo!
Bem, Rubens, tenho a certeza que milhares de leitores estão ao seu lado nessa sua caminhada que, com certeza, chegará ao objetivo que você traçou.


 Como você sente a intervenção/liquidação do Instituto Aerus?
O caso do Aerus foi a maior injustiça que o governo do PT já fez contra os aposentados. São pessoas honestas, trabalhadoras, que se dedicaram a vida inteira à empresa, pagaram mensalmente ao Aerus visando uma aposentadoria tranquila e agora passam por extremas dificuldades. Como agravante, todas essas pessoas estão entre 65 e 85 anos.
Quase 900 já morreram, sendo que houve 5 casos de suicídio.
E o governo ainda diz que é o partido DOS TRABALHADORES!!!

Um comentário:

  1. Estou estarrecida! A vontade de viver (lá do fundo do subconciente dele, o fez superar tudo isso): ISSO CHAMA-SE DEUS! Uma força SUPREMA! Quando fui operada de ANEURISMA, achei que poderia perder a memória para sempre, mas a minha FÉ SOBREPUJOU A TUDO E A TODOS! Eu continuo na luta pela VIDA, também não tem sido nada fácil para mim. Mas eu vou dando voltas e vou me SUPERANDO! Quem me apoia? Deus e o meu filho mais velho e um amigo. Os demais, sumiram! Inclusive pessoas da família que só me procuravam para PEDIREM PASSAGEM GRÁTIS NA VARIG. Isso tudo nos trás angustia, depressão e até vontade de desistir de tudo. Porém eu peço DIARIAMENTE PARA DEUS ME RENOVAR AS FORÇAS QUE ME RESTAM. Agora vou fazer a 11ª CIRURGIA DA MINHA VIDA. Estou viva ainda porque DEUS ME AMAM MUITO! Parabéns Rubens pela força, e siga em frente. Você é mais que VENCEDOR! Abraços

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