Rui Ramos
Costa vende uma ilusão: a de que a “queda
do muro” à esquerda basta para iniciar quatro anos de harmonia e de
prosperidade. Nunca com um primeiro-ministro derrotado em eleições e com estes
"acordos".
Quando saía da Assembleia da
República na terça-feira, António Costa foi interpelado sobre a decisão do PSD
e do CDS de não colaborarem com o seu governo. Costa sorriu: era apenas
“emoção”, havia de passar. É a esperança de Costa: que tomando posse, dentro de
seis meses ninguém se lembre de como começou. Estará certo? O caso de Santana
Lopes, em 2004, prova que há vícios de origem que nunca são ultrapassados.
Poderia António Costa, caso venha a formar governo, ter outro destino?
Santana Lopes não foi a votos
(em 2004), mas António Costa foi a votos – e perdeu. O Partido Socialista
elegeu-o em Novembro de 2014 como “candidato a primeiro-ministro”. O país viu-o
fazer campanha, ouviu-o prometer o fim da “austeridade” — e não o quis como
primeiro-ministro. Podem citar a Constituição. Mas um regime não é só a
Constituição. Em Portugal, a autoridade política do primeiro-ministro decorria
também do modo como as eleições legislativas eram interpretadas como uma
espécie de escolha indirecta do chefe do governo. Como vai Costa compensar essa
falta de autoridade política? Alguém se vai esquecer de que ele foi o grande
derrotado das eleições de 4 de Outubro?
Santana Lopes tinha uma
maioria absoluta de dois partidos coligados, ideologicamente próximos e juntos
no governo. Costa nunca poderá ter senão um governo minoritário, apoiado no
parlamento por quatro partidos ideologicamente afastados, três dos quais fora
do governo e sem outro compromisso que não seja o de não votar moções do PSD e
do CDS. Como PCP e BE já explicaram, estarão com um governo de Costa apenas
enquanto a política for aumentar despesa. A isto se resumem os lendários
“acordos”. Ora, mesmo que o despesismo previsto não agrave o défice, como jura
Mário Centeno, não é impossível que uma qualquer ocorrência exija outras
políticas. Com quem vai Costa votá-las? Para não falar das reformas que as
autoridades europeias esperam ou de directivas europeias a transpor. Costa
precisará de um presidente da república muito amigo: motivos de dissolução não
vão faltar.
Em 2004, o líder do PS, Ferro
Rodrigues, demitiu-se, indignado por o presidente ter dado posse a Santana
Lopes. Que teria feito, se o PS tivesse acabado de ganhar as eleições? Costa
comete um erro se subestimar a indignação à sua direita, o sentimento de “injustiça”
de que falou Telmo Correia. Talvez lhe conviesse, por uns segundos, imaginar-se
no lugar do PSD e do CDS. Durante quatro anos, foram forçados a prosseguir a
austeridade iniciada e negociada pelo PS, apenas para verem o PS
trespassar-lhes todas as responsabilidades. Finalmente, ganharam umas eleições
que toda a gente lhes tinha dito que iam perder, apenas para verem Costa
improvisar no parlamento um modo de os apear. À primeira medida difícil, Costa
não arrisca apenas perder o PCP e o BE no parlamento, mas terá o PSD e o CDS a
encher as ruas.
Em 2011, houve uma ilusão: a
de que o memorando de entendimento assinado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS ia
suspender a política em Portugal, e que todos iriam passar três anos a aplicar
consensualmente o que havia sido combinado com a troika. Não foi isso que se
passou, apesar da pressão dos credores. Neste momento, Costa tenta vender uma
ilusão ainda maior: a de que a “queda do muro” à esquerda bastará para iniciar
o país em quatro anos de estabilidade, harmonia e prosperidade. Acreditam em
milagres? Acreditam que será assim, com um primeiro-ministro politicamente
diminuído, um governo dependente de apoios parlamentares pouco comprometidos,
uma oposição indignada, e um país a precisar de reformas e de que tudo corra
bem no mundo? Há demasiada lenha na fogueira para que o fogo não seja grande.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
12-11-2015
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