A democracia está em perigo quando há
forças que tentam pôr em causa o voto popular. Foi assim no Brexit, está a ser
assim nos EUA e vai ser assim em França
António Ribeiro Ferreira
Pois é. Os amigos do sistema,
os democratas das liberdades, dos direitos humanos, do politicamente correto e
os mentirosos ao seu serviço em todo o mundo assistiram impávidos e serenos à
ação de Barack Obama durante os seus oito anos de mandato. Entre 2009 e 2015, o
seu governo deportou mais de 2,5 milhões de imigrantes ilegais. Foi mesmo o
presidente que fez mais deportações na história dos Estados Unidos. Alguns
grupos de ativistas ligados aos imigrantes chegaram a chamar-lhe o “chefe da
deportação”. Nesses anos não se ouviram gritinhos indignados, discursos
eloquentes sobre os perigos que tais atos representavam para a democracia e
para os valores americanos, não se viram manifestações histéricas nos
aeroportos e muito menos campanhas na comunicação social contra um presidente
que estava a expulsar cidadãos que viviam e trabalhavam ilegalmente nos EUA.
Pois não. E a verdade é que
fizeram muito bem em estar caladinhos. Um país civilizado, um Estado de
direito, uma democracia a sério não pode permitir que tal aconteça em nenhuma
circunstância. Expulsar ilegais é um dever. Não é nenhum crime.
Também em 2011, o mesmo Obama
baniu os refugiados iraquianos por seis meses. A justificação dada na altura
teve a ver com a descoberta pelo FBI de terroristas da Al-Qaeda no Kentucky. E
baniu muito bem. A segurança de um país e dos seus cidadãos exige medidas duras
e, muitas vezes, radicais. Também dessa vez não se ouviram procuradores a
contestar a medida, grupinhos aos saltos nos aeroportos, reportagens
lancinantes das televisões sobre os dramas de muitas famílias iraquianas que
sonhavam com os EUA, protestos de dirigentes europeus e dúvidas sérias sobre os
princípios e os valores de Obama.
Muito menos se disse que o
então presidente era xenófobo por estar a atacar os cidadãos de um país
maioritariamente muçulmano. Pois é.
Agora falemos de Trump e da
sua decisão de suspender por 90 dias o visto de entrada nos EUA a cidadãos de
sete países, a saber, Afeganistão, Síria, Somália, Líbia, Iémen, Iraque e Irão,
e por 120 dias a entrada de refugiados. O espetáculo montado nos EUA e na
Europa mostra bem que esta gente, desesperada com a derrota dos democratas, de
Obama e de Clinton no 8 de novembro de 2016, despreza a democracia, despreza o
povo e a sua vontade e não olha a meios para tentar atingir os seus fins. Os
países afetados pela decisão de Trump, com exceção do Irão, que representa uma
ameaça para o mundo e para Israel em particular, não são Estados, são
territórios em guerra civil há anos e anos. Líbia, Síria e Iémen foram
destruídos pela Primavera Árabe tão cantada no Ocidente e tão apoiada por
Obama. A Somália é terra de piratas e terroristas e o Afeganistão e o Iraque,
fruto de muitos erros cometidos no passado pelos EUA, Europa e NATO, têm
governos fracos, sem capacidade de tomarem conta das fronteiras e de vastas
zonas do seu território.
A algazarra nos EUA e na
Europa não tem nada a ver com direitos humanos, defesa dos imigrantes, luta
contra a xenofobia ou a favor de outros valores tão gritados nestes dias. Tem a
ver unicamente com a recusa desses grupos em aceitarem a democracia e o
resultado das eleições. A grande maioria dos países muçulmanos não foi afetada
nem consta da lista que Trump herdou de Obama. Para os mentirosos e também para
os ignorantes, basta recordar que o Paquistão, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia,
Marrocos, Tunísia, Egito, Jordânia, Malásia e tantos outros não foram visados
pela suspensão de vistos durante 90 dias.
As mentiras visam apenas
esconder o que vai na alma desta gentinha. Por cá, nesta paróquia tacanha de
mentirosos e indignados de pacotilha, houve uma alma que soube explicar de
forma cristalina o que está na origem desta histeria coletiva. Chama-se Miguel
Sousa Tavares, não é populista, não consta que seja estúpido e costuma dizer o
que lhe vai na alma. Agora parem, escutem e vejam o que é esta gentinha: “Quando a vontade do povo é qualquer coisa
que vai contra aquilo que nós temos como o bem comum e as melhores ideias, não
é preciso ceder à vontade do povo, é
preciso resistir à vontade do povo.” É isso. O comentador da SIC disse
alto o que esta gentinha pensa ou diz muito baixinho. Esta gentinha anda a
tentar resistir à vontade de um povo. Mais do que isso: anda a tentar mentir ao
povo, aqui, na Europa e nos EUA.
E como é preciso resistir ao
povo, o melhor é mentir-lhe as vezes necessárias e suficientes, esconder-lhe
informação e, se for preciso, proibir-lhe o voto, tirar-lhe a democracia e a
liberdade até meterem na cabeça as tais melhores ideias desta gentinha que se
julga iluminada e se imagina a vanguarda sabe-se lá do quê. São estes os
democratas que temos. É por isso que o povo está a resistir a esta gentinha, a
este sistema, a estes imbecis e aos lacaios mentirosos que só aceitam a
democracia e o voto popular quando ganham as eleições com as tais melhores
ideias. Foi assim no Brexit, está a ser assim nos EUA e poderá ser assim na
Holanda, França e Alemanha. Mas como estão a perder em toda a linha, o
desespero da derrota está a estalar o verniz democrático de uma gentinha que só
gosta da democracia quando ganha nas urnas.
Título e Texto: António Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 7-2-2017
Marcação: JP
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