Rui Ramos
Em Portugal, há demasiados indivíduos e
grupos de interesse cujas posições, estatutos e rendimentos dependem da sua
relação com o poder político e representam um custo excessivo para a sociedade.
O apelido do líder parlamentar
socialista permitiu esta semana as mais variadas referências clássicas, desde a
“mulher de César” até ao “cavalo de Calígula” (Gaio César, dito Calígula). Não
quero perturbar a alegria dos comentários sobre a alegada frequência com que os
contribuintes têm sido chamados a sustentar os parentes do Dr. Carlos César.
Mas interessa-me sobretudo o que esta história diz do regime e das chamadas
“reformas estruturais”.
Em Portugal, não são apenas
umas quantas famílias que vivem do Estado, ou para ser mais exato, da
capacidade do Estado para extrair rendas à sociedade. São os partidos,
financiados pelos contribuintes; são empresas, com rendas asseguradas; são
classes profissionais, com empregos, rendimentos e garantias dependentes do
Estado; são até gerações, com pensões para que nunca descontaram – são, enfim,
todos aqueles que, de um modo ou outro, adquiriram posições, estatutos e
rendimentos que só podem ser explicados pela sua relação com o poder político
ou pelo interesse deste em criar uma relação clientelar com eles.
Quando esses indivíduos ou
grupos admitem que no “privado” ou no “mercado” não obteriam os lugares e
proventos de que beneficiam graças ao Estado, fazem-no geralmente para
sublinhar as insuficiências do “privado” ou do “mercado”, uma vez que estão
convencidos da justiça ou da utilidade dos favores de que gozam. Mas
descodifiquemos o “privado” e o “mercado”. Se concebermos o “privado” como
consistindo nas relações entre os cidadãos sem a intermediação direta do poder
político, e o “mercado” como abrangendo as múltiplas escolhas dos cidadãos
dentro da lei, então o que os favoritos do poder estão a reconhecer é que os
seus concidadãos não lhes dariam o emprego, nem lhes garantiriam o rendimento,
sem a coação do Estado.
Não estou a dizer que a
sociedade está sempre certa. Muitas vezes não está. Mas em geral, paga pelo que
faz. Um empresário pode criar um emprego desnecessário para um parente incapaz,
mas a conta é sua. Os titulares do poder político, além de também errarem, têm
os meios de fazer pagar pelos outros as suas opções. Quando um político dá um
emprego ou legisla uma vantagem a favor de um grupo ou de uma empresa, é a
sociedade que terá de suportar o custo do emprego ou do privilégio.
O problema maior da sociedade
portuguesa, neste momento, é este: uma grande massa de indivíduos, organizações
e grupos de interesse de todo o tipo (sindicais, empresariais, corporativos,
partidários, etc.) usam a sua relação com o poder político para imporem à
sociedade os custos de posições, estatutos e rendimentos, que não são
verdadeiramente sustentáveis ou não geram qualquer benefício, a não ser para os
próprios. A sociedade portuguesa, se fosse um atleta numa prova de velocidade,
estaria a competir com uma enorme bola de ferro chumbada a um pé.
As chamadas “reformas
estruturais” visam diminuir essa carga, de forma a baixar os custos de viver,
trabalhar e investir em Portugal. Os oligarcas resistem, não apenas porque
muitos têm interesse direto na atual situação, mas porque não conseguem
imaginar outra relação com a sociedade, senão através de uma massa de clientes,
a quem favorecem e de quem depois esperam, em troca, uma boa votação e uma boa
opinião. Tem sido esta, aliás, a filosofia do presente governo. É por isso que
a árvore dos Césares, por mais curiosa que seja, não deve esconder a floresta.
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