Maria João Marques
Pedrógão Grande – e as mentiras e
opacidades que lhe estiveram, e continuarão a estar, associadas – são o momento
de viragem na relação dos portugueses com António Costa.
A sério: queria recomeçar a
escrever sobre outras coisas que não o desgoverno PS que por ora nos apascenta.
Tenho um rol crescente de assuntos com que vos maçar, queria dar-lhe uso, mas o
facto é que o PS tem feito tudo para sequestrar a minha opinião. Foi aprovada
legislação sobre as quotas e tenho imenso para partilhar convosco sobre isso.
Vêm aí as autárquicas e será inevitável escrever sobre a catástrofe lisboeta de
Medina. Provou-se que o PS mentiu quando acusou em gritaria histérica o
anterior governo de ter deixado dinheiro ‘fugir’ para offshores.
Porém, no meio de tudo isto, é
António Costa que foge para Espanha, de férias. Quinze dias depois de uma
catástrofe que matou 64 pessoas, que oficialmente é para esclarecer doa a quem
doer (oficiosamente é para enterrar sem responsáveis). Quando os relatórios
pedidos pelo desgoverno se desmentem entre si e desmentem as versões iniciais
sobre o fogo de Pedrógão Grande. Dias depois de um assalto mirabolante de
material de guerra – que mais cedo ou mais tarde também matará gente, em alguma
zona do mundo. Com o país boquiaberto com a incapacidade gritante do desgoverno
gerir (quanto mais minimizar através de prevenção) qualquer crise. Dois
ministros presos por um ténue fio a esgaçar-se.
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"Em cima do acontecimento", by Henrique Monteiro |
É certo que António Costa não
faz falta em demasia. Costa é um mestre na velhacaria política, em comprar
aliados, nos jogos de cintura para manter o poder, na tentativa de intimidação.
Mas não é dotado para a política nobre – a prossecução de políticas que sirvam
o bem comum. É porventura o político que esteve associado a mais disparates
governativos nos últimos vinte anos antes de chefiar um governo. O que faz é à
bruta, pouco pensado, com conhecimento pela rama dos problemas e das vantagens
e desvantagens das soluções que aplica – e terminam mal.
Não falha.
Quando ministro da justiça de
Guterres, legislou sobre escutas telefónicas de uma forma que até o seu
partido, incluindo o Presidente Jorge Sampaio (em ocasiões oficiais), criticou.
Quando ministro da administração interna, julgou (à boa maneira socialista) que
os problemas se resolvem atirando-lhes dinheiro para cima e supôs extinguir o
dos incêndios com os helicópteros Kamov, essa anedota nacional. Foi um pai do
SIRESP, aceitando contratualmente que o sistema de comunicação em situações de
calamidade estava dispensado de funcionar durante calamidades.
Mas apesar das manigâncias de António Costa, os símbolos contam. Um chefe
de governo não vai passear, espairecer e bronzear-se quando o estado e o
governo estão em cacos. Pessoalmente preferiria que Costa ficasse de férias
pelo resto da legislatura. Já sugeri no twitter umas voltas ao mundo em balão
de ar quente – relaxantes (bom para o primeiro-ministro) e demoradas (bom para
os restantes portugueses). Pelo menos, Costa poderia viajar para Londres e
iniciar uma volta ao mundo em 80 dias.
Não obstante, as férias do
primeiro-ministro neste momento particular têm um significado político que vai
além do desejo de alguns portugueses se livrarem durante uns tempos da sua
magnificência. Mostra a estratégia de Costa e do PS para lidarem com o roubo de
Tancos e a tragédia de Pedrógão: desvalorizarem o que sucedeu, culparem
exclusivamente a natureza, inventarem assaltos de igual dimensão noutros países
aliados, organizarem uma pantomina que alegadamente quer escrutinar
responsabilidades, participarem em festas e abalarem de férias.
Afinal nada de grave se
passou, pois não? Pelo menos é o que diz o famoso e infame focus group que o PS usou, ainda Pedrógão ardia, para medir o mais
importante para os nossos governantes: se a popularidade de Costa fora afetada.
A conta de Twitter de Costa, pelo menos, continuou a viver num mundo bestial. À
falta de melhor, congratulou o país pelo terceiro lugar numa modalidade
qualquer.
Verdade: Espanha faz bem. A
ministra Urbano de Sousa também lá esteve em trabalho e foi fotografada
sorridente e feliz, em claro contraste com as lágrimas constantes que por cá
exibia. Os ares espanhóis trouxeram-lhe súbita felicidade.
A Costa também fará maravilhas:
evitarão vaias na praia pelos, apesar de tudo, numerosos portugueses que,
picuinhas, se enxofram quando morrem dezenas de pessoas e o governo lhes diz
que correu tudo como devia, o downburst
e tal. E Costa confessou-nos por comunicado que as férias estavam planeadas.
Consistente com a sua estrondosa capacidade de planeamento, esqueceu-se de
escolher as tarifas de avião que permitem alterações, e de verificar a política
de cancelamento do local onde se hospedou, de modo a adiar férias se o cargo
que escolheu ocupar assim o pedisse. Só pessoas de coração duro desejariam
neste momento colocar o senhor primeiro-ministro em mais despesas, certo?
Em todo o caso, aconselharia o
primeiro-ministro a não confiar em demasia no grupo que lhe mantinha a
popularidade. Pedrógão Grande – e as mentiras e opacidades que lhe estiveram, e
continuarão a estar, associadas – são o momento de viragem na relação dos
portugueses com Costa. (De resto, os insultos de socialistas nas redes sociais
e no e-mail mostram que o sabem).
Apesar do ar blasé socialista
‘Pedrógão, onde é Pedrógão?’, como os gauleses a negarem a batalha de Alésia
nos livros do Asterix, Pedrógão é incontornável e teve a assinatura de Costa em
decisões que propiciaram a tragédia. Pode não ser imediato, mas ninguém perdoará.
Posto isto, então bons banhos
no Mediterrâneo, senhor primeiro-ministro. Gosto muito de Ibiza. (É Ibiza?) A
discoteca Pacha: ainda existe? Aproveite os mojitos numa esplanada junto ao
porto. Não se esqueça de presentear a sua mulher com um ou dois jantares
românticos. O seu bem-estar é o mais importante para nós.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador,
5-7-2017
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