Helena Matos
Em 2016, o ministro da Defesa afastou o
Chefe do Estado-Maior do Exército por causa da discriminação dos homossexuais
no Colégio Militar. Em 2017, um paiol é assaltado e o ministro olha para o
lado.
Arco voltaico. Só a
vertiginosa sucessão a que oficialmente nos são apresentadas causas para o
incêndio de Pedrogão leva a que não nos tenhamos interessado pelo arco
voltaico. No dia 2 de julho, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses,
Jaime Marta Soares, declarou na TVI: “Passam ali naquela zona linhas de média e
alta tensão. Tenho para mim que as linhas de alta e média tensão, com
temperaturas muito altas e com o vento, não se tocando, aproximando-se, podem
criar efetivamente descargas elétricas, que é o chamado arco voltaico.”
Pessoalmente nada me anima
contra o arco voltaico mas note-se que no dia 21 de junho o mesmo presidente da
Liga dos Bombeiros Portugueses apontara outra pista no Fórum TSF: “Eu tenho
para mim de que o incêndio teve origem em mão criminosa”. E se recuarmos ao dia
em que o incêndio de Pedrogão deflagrou o mesmo presidente da Liga dos Bombeiros
Portugueses, Jaime Marta Soares, tivera para si que as mortes ou pelo menos
algumas delas resultavam da “curiosidade” e “inconsciência” das vítimas. É
muita tese para um homem só!
Dada a prolixa natureza do
presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, ninguém lhe
consegue recordar essas declarações iniciais que aliás foram corroboradas pelo
secretário de Estado Jorge Gomes para quem “uns tiveram o azar de serem
apanhados pelo fogo, outros morreram por inalação de fumo quando observavam o
fogo”?
Eu tenho para mim que há gente
com um descaramento à prova de tudo.
Boas práticas. Perante
o assalto ao paiol de Tancos o ministro da Defesa anunciou que ir pedir ao
Exército para “verificar se estão a ser cumpridas as boas práticas [de
segurança]”.
Não sei se já alguém respondeu
ao senhor ministro mas temos de admitir que não é fácil conseguir uma resposta
clara. Afinal só desapareceram quarenta e quatro lança-granadas, quatro
engenhos explosivos “prontos a detonar”, 120 granadas ofensivas, 1500 munições
de calibre 9mm, 20 granadas de gás lacrimogéneo e mais umas outras miudezas que
incluem 53 quilos de plástico explosivo e foguetes anti-carro. Contudo o paiol
ficou lá. E até temos paióis donde nada foi levado. Donde eu ser levada a
concluir que as boas práticas continuam a praticar-se.
Constança Urbano de Sousa.
Primeiro chorou, depois desenvolveu uns monólogos sobre si mesma e os seus
sentimentos, por fim declarou que sentiu a falta dos governadores civis. A
ministra do que devia ser a Administração Interna é um exemplar típico da
oligarquia estatista: aconteça o que acontecer, os oligarcas nunca são
responsáveis por nada – “é prematuro dizer que o estado falhou” afirmou a
ministra a propósito de Pedrogão. Quando pela força do desastre são forçados a
mudar alguma coisa a mudança passa invariavelmente por aumentar as camadas do
Estado por eles transformado numa espécie de exoesqueleto que consome consigo
mesmo os recursos que esportulam aos portugueses sob o populismo do que é
público é de todos, do Estado que faz, do Estado que serve…
Demissão. Entrevistado
na RTP o Chefe de Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, declarou
que não lhe passa minimamente pela cabeça apresentar a demissão por causa dos
acontecimentos de Tancos. Não deixa de ser curiosa esta afirmação vinda de um
Chefe de Estado-Maior do Exército que chegou ao cargo após o seu antecessor,
general Carlos Jerónimo, ter sido forçado a demitir-se porque o subdiretor do
Colégio Militar fizera uma declaração que podia ser interpretada como
discriminatória para os alunos homossexuais.
Em abril de 2016 nem o
ministro da Defesa nem o Presidente da República esperaram por melhores
explicações ou que a poeira assentasse. Imediatamente o ministro da Defesa,
Azeredo Lopes, veio pedir explicações, considerando a “situação inaceitável”
(nada de pedidos de informações sobre boas práticas).
O BE imediatamente requereu a
audição do general Carlos Jerónimo para lhe perguntar se tinha conhecimento da
“discriminação em função da orientação sexual”, existente no Colégio Militar. E
de imediato o Presidente da República aceitou o pedido de demissão do Chefe do
Estado-Maior do Exército, general Carlos Jerónimo, que foi substituído pelo
general Rovisco Duarte. Um ano e dois meses depois tudo isso parece ter
acontecido noutro mundo.
Executivo. Não está.
Não se vê. Nos bastidores os ministros continuam a assinar a legislação que
dentro de anos nos vai fazer perguntar: quando é que isto foi aprovado? Como
foi possível? O silêncio dos profissionais do protesto nos hospitais, escolas e
empresas de transportes paga-se em legislação sobre carreiras, admissões,
poderes sindicais… A propósito de uma empresa em regime de serviço próprio:
aceitam-se apostas sobre o número de vezes que o Metro de Lisboa pára esta
semana.
Floresta. Fazem-se
declarações diárias de amor à floresta, mas esse amor é acompanhado de uma
enorme ignorância sobre o que é a vida fora das periferias urbanas. Às
segundas-feiras acham que se limpam terrenos florestais como quem arranca ervas
num empedrado. Às terças descobrem uma árvore má (o eucalipto) e logo partem em
cruzada contra o eucalipto. Às quartas reivindicam multas para os proprietários
rurais que não façam isto ou aquilo nos campos… O resultado da fúria ativista e
do medo dos políticos em enfrentá-la é a produção de legislação absolutamente
desadequada para esse país que fica para lá da faixa lateral das autoestradas.
Governadores civis.
Vários membros do governo aproveitaram a crise de Pedrogão para procurar
recuperar o cargo dos governadores civis. Mas um governador civil em Pedrogão
teria servido exatamente para quê? Para dar lencinhos e abracinhos a Constança
Urbano de Sousa?
Para falar aos jornalistas?
Para andar pelos estúdios de televisão? Para ser mais um com aquele colete com
o cargo escrito nas costas?… Certamente que para tudo isso que na prática é nada,
mas também para criar mais uma camada estatal onde enfiar os dignatários das
maçonarias locais, mais uns quadros partidários, mais uns filhos de algo e os
maridos de não sei quem. Ou seja, estão reunidas as condições para que
regressem os governadores civis.
Inimigo público. Quando
tudo falha temos de arranjar um bode expiatório. Desta vez o culpado é o
eucalipto. De repente se não houvesse eucaliptos não havia fogos e logo se vai
a correr aprovar legislação anti-eucalipto. Não vai resultar. Antes pelo
contrário.
Jornais estrangeiros.
Acabou aquela lengalenga de “no salazarismo para estarmos informados tínhamos
de recorrer aos jornais estrangeiros”?
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
3-7-2017
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