Alberto Gonçalves
Na sua página do Facebook, um comentador
lembra-lhe educadamente que, além de outras interessantes peculiaridades
“culturais”, os ciganos também acham a homossexualidade uma “anomalia”. Recue
uma casa
3. Um médico
qualquer considera a homossexualidade uma “anomalia”. Você assina uma petição a
exigir o fuzilamento do sujeito e, posteriormente, a respectiva expulsão da
Ordem. Não satisfeito, distribui por amigos, via e-mail, um texto alusivo de
autoria da filha de Adriano Moreira. Avance três casas.
8. O texto da
filha de Adriano Moreira contém inúmeros erros de português básico, a sugerir
que, incrivelmente, ela escreve ainda pior do que o pai – e a convidar alguns
dos seus amigos a usá-lo como pretexto de chacota. Recue duas casas.
17. Um candidato
autárquico do PSD condena o apreço dos ciganos por subsídios. Você assina no
Facebook umas linhas decisivas a chamar racista ao candidato, a Pedro Passos
Coelho e a todos os eleitores do PSD que não se “demarquem”, com urgência, das
pérfidas declarações. Jogue outra vez.
26. Na sua página
do Facebook, um comentador lembra-lhe educadamente que, além de outras
interessantes peculiaridades “culturais”, os ciganos também acham a
homossexualidade uma “anomalia”. Recue uma casa.
33. Você bloqueia
o comentador e explica que o seu “mural” não é um abrigo de fanáticos da
extrema-direita. Avance duas casas.
38. Para não
abalar as massas e as sondagens, a Proteção Civil proíbe os bombeiros de
falarem dos incêndios, embora em prol da liberdade não os impeça de discutir
futebol, bilhar de carambola ou artesanato turco. No seu blogue, você ri-se de
todos os que notam a aproximação do regime aos métodos em vigor na Venezuela.
Avance uma casa.
44. Inquirido a
propósito, você não consegue explicar se se ri da comparação porque o governo
português é bom e o venezuelano é mau, ou porque o português é mau e o
venezuelano é bom. O facto de você admirar ambos é realmente susceptível de
complicar a explicação. Recue até à casa 19.
51. Pedro Passos
Coelho chama “lei da rolha” ao silêncio imposto aos bombeiros. O dr. Costa
discorda e declara que “a informação devidamente organizada e estruturada é uma
mais-valia para todos”, uma definição exata da “lei da rolha” e um mandamento
em vigor nos regimes que o dr. Costa venera lá no fundo, mas não muito no
fundo. Munido de insultos sortidos, você invade páginas do Facebook de
perigosos “neoliberais” a fim de os iluminar: a censura vigente não é – longe
disso – censura. Prova? A sua inatacável opinião. Jogue três vezes.
57. O prof.
Marcelo promulga a lei das quotas de género, a qual obriga as empresas a
enfiarem pelo menos 33,3% de mulheres nos “quadros”, algumas delas tão
brilhantes quanto os políticos (e políticas, atenção) que cozinharam isto. Você
apoia a medida e tenta lançar, sem apreciável sucesso, as “hashtags”
#marcelobem e #empoderamentodamulher. Em seguida, pergunta à esposa se o jantar
está pronto. Avance uma casa.
60. No Twitter,
diversos “seguidores” lembram-no de que a “cultura cigana” tem pelas mulheres
que você tanto exalta um respeito e uma consideração semelhantes aos do islão e
aos do mosquito do dengue. Fique sem jogar até que todos o ultrapassem.
65. Você elimina dezessete
“seguidores” por nítidas inclinações racistas, sexistas e intolerantes em
geral. Sobre o islão, acrescenta não fazer sentido discutir-se o apedrejamento
das adúlteras enquanto subsistir uma única vítima de violência doméstica em
contexto de “heteropatriarcado” (sic). Sobre o dengue, não acrescenta nada.
Avance quatro casas.
71. A revista
“Sábado” descobre que o tal candidato autárquico do PSD pede igualmente “a
redução drástica da presença islâmica na União Europeia”. Você, que defende o
aumento drástico da presença islâmica na União Europeia, telefona para o “Fórum”
da TSF a condenar a xenofobia de Pedro Passos Coelho. Avance cinco casas.
78. Infelizmente,
o “Fórum” dessa manhã é tipicamente dedicado à exaltação da política económica
do dr. Centeno e o moderador “Manuel Acácio” (pseudónimo) corta-lhe a palavra
logo após vinte e seis minutos. Recue duas casas.
83. O dr. Rui
Tavares, talvez líder de um partido imaginário, imita centenas de génios
similares e acusa Pedro Passos Coelho de incitar ao ódio racial. Você partilha
a acusação sob a frase “Carrega, Rui!”. Salte para a casa 92.
89. Multiplicam-se
as notícias desfavoráveis à Altice, que, depois de comprar a PT, comprou a TVI
e ameaça transformar a estação numa fonte de informações não devidamente
organizadas e estruturadas pelo governo. O caos, portanto. Para cúmulo, o
fundador da empresa é um português que, ao contrário dos verdadeiros patriotas,
optou por ganhar a vida à revelia do Estado. A título solidário com os
trabalhadores, você decide juntar-se a um protesto à porta da PT. Avance oito
casas.
91. Como o dia
estava agradável, você publicou um “post” indignado acerca da Altice, faltou ao
protesto, baldou-se aos trabalhadores e preferiu a praia. Regresse à casa de
partida.
93. Ferro
Rodrigues, personalidade que existe para que as alforrecas não pareçam tão inúteis,
jura haver “espasmos” da “direita” e da “extrema-direita” contra ele. E
elabora: “Há pessoas que, quando algumas coisas mais graves acontecem, mostram
que o seu conceito de democracia não é o mesmo do que o da maioria dos
portugueses”. Ao almoço, você subscreve tudo a quem o queira ouvir (cerca de um
empregado de mesa). Avance para a casa que lhe apetecer.
99. Aparentemente,
Portugal é o único país da UE avesso a sanções à Venezuela. O governo desmente,
o que provavelmente confirma o facto. Você liga para o “Opinião Pública”, da
SIC Notícias, mas a meio da ligação esquece-se se concorda com o governo, com
as sanções, com a ausência de sanções ou com o progressismo do sr. Maduro.
Recue cinco casas. Você recusa-se a recuar, avança até ao final e ganha o jogo.
Parabéns! Você alcançou a Glória. Você também demonstrou ser um rematado
imbecil, mas em Portugal isso não constitui obstáculo a coisa nenhuma.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Observador,
22-7-2017
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