Ingrid Riocreux
Podemos lembrar aqui do grande
momento de televisão inquisitorial que foi a entrevista de Marine Le Pen a
Bruce Toussaint na iTélé, na manhã de 12 de janeiro de 2015. “Você é Charlie?”
pergunta o jornalista à presidente do FN, retomando a palavra de ordem da
grande manifestação da véspera. Irritada, a presidente do FN responde que na
hipótese de ser perguntada se ela defende a liberdade de expressão, a resposta
é evidentemente sim; mas, a resposta é negativa se lhe pedem de aderir à linha
editorial de Charlie Hebdo. Todavia,
esta resposta não agrada a Toussaint que repete a pergunta. Ele quer ouvir um
bem claro e bem escandaloso “je ne suis pas Charlie”.
A famosa “je suis Charlie” é a
fórmula mais vazia ou, se preferirem, a mais ambígua possível; pois permitiu o
desfile lado a lado de pessoas que a interpretavam diferentemente, querendo passar
a ilusão de unidade.
Para uns ela significava
“abaixo o islã (ou tal forma do islã)”, para outros, “abaixo a República
impotente e fraca”, para aqueloutros, “abaixo as religiões”. Era um
slogan-smurf: “smurfemos todos juntos!” – “sim, smurfemos!” Salvo que o verbo
smurfar não tem o mesmo sentido para todos os Smurfs presentes. Portanto,
ninguém sabe o que significa “ser Charlie”; mas é ignominioso não ser Charlie.
Sejam quais forem as motivações, aquele que não é Charlie cai sob o golpe de
uma condenação a priori. Ele não quer
smurfar com os outros.
Se Marine Le Pen concede que
ela não é Charlie, inútil para ela de cuidar da sua justificativa. A sua fala
será reduzida ao título “Marine Le Pen afirma: ‘Eu não sou Charlie’”, que
rolará durante todo o dia no rodapé da telinha.
Bom, ainda na iTélé, 16 de
julho de 2015, às 22h20. Romain Desarbres entrevista Guillaume Larrivé sobre a
política migratória da União Europeia e pergunta-lhe o que ele pensa do muro
que a Hungria quer construir na sua fronteira. Resposta do entrevistado: “É uma
iniciativa da Hungria”. Romain
Desarbres: “Iniciativa… lamentável?” O Jornalista é gentil: ele vai até sugerir
as boas respostas às suas próprias perguntas. Todos sonhamos com um qualquer corpo
de jurados como Desarbres.
Os políticos, em face a esta
atitude, têm três opções: aceitar a provocação afirmando que não, eles não se
opõem a esta iniciativa; vergar a espinha dorsal e afirmar que, evidentemente,
trata-se de um muro da vergonha e que
todo o mundo deve condená-lo com a maior
firmeza, esta a fórmula consagrada; não expressar opinião.
Guillaume Larrivé escolheu a
terceira opção: “Não quero comentar as decisões de um país estrangeiro”. Esta
resposta é clara, o Jornalista deveria, então, passar à próxima pergunta. Mas,
depois da sugestão do adjetivo ‘lamentável’, Romain Desarbres entende que deve
cumprir a sua missão inquisitorial: “mas, você não quer condenar este muro?” O
convidado deve agarrar a bóia que lhe é estendida pela última vez, ou confirmar
que a recusou, consciente e obstinadamente. Por cálculo ou por convicção,
Guillaume Larrivé não condenará o muro. Mais um que não quer smurfar.
Numa obra publicada em 2011 e
titulada o Pequeno livro azul,
Antoine Buéno mostrava que a sociedade dos smurfs constitui um “arquétipo de
utopia totalitária”. Como um jornalista lhe lembrava que os pequenos homens
azuis não têm a aparência de oprimidos, nem de infelizes, ele respondia que “se
pode viver não muito mal numa sociedade não-democrática”.
Uma sociedade não-democrática
onde se vive não muito mal, talvez seja uma boa descrição da nossa. (França).
Título e Texto: Ingrid Riocreux, in “La langue des
médias – Destruction du langage et fabrication du consentement”, páginas 34, 35
e 36.
Tradução: JP
Tradução: JP
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