terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Pelo cansaço

Carina Bratt

O menino chega correndo da rua e grita, espavorido, nos ouvidos da mãe. Naquele momento a boa senhora toma café na cozinha enquanto assiste à novela na televisão:
- Mãe, mãe, acabei de comprar um relógio.
- Legal filho. De quem?
- Do Irineuzinho, filho do Jorge Cata Lixo.
- Meu Deus, filho, Logo dele?
- Por que logo dele, mãe? Nada a ver...
- Funciona?
- Botei na lojinha de Peidim.

- E para quê?
- Está com o mecanismo meio bagunçado. Disse o Irineuzinho que precisava de uma geral. Muito tempo parado dentro da gaveta. Ele tem um novinho em folha, e esse foi deixado de lado.

- Por que não me avisou que iria fazer essa compra?
– Achei que a senhora brigaria.
- Na mosca. Vou brigar mesmo. Estou furiosa, como pode perceber. E muito. Quanto você pagou?
- A bagatela de trezentos reais. Mesmo assim porque aprendi com papai a pechinchar. Insisti em um desconto. Acabei ganhando no tapa, na raça. Caso contrário, seria quatrocentos e cinquenta.
- O quê?! Trezentos reais numa merda de um relógio velho?

- Não é velho, mãe. Está só um pouquinho fora de uso.
- Não interessa. Pega essa merda e devolve. Mamãe promete que no seu aniversário lhe dará um novinho de presente.  Papo reto. E olha só, tipo assim.  Virá dentro de uma caixinha bacana e com garantia.

- Para meu aniversário ainda faltam seis meses, mãe. Preciso ver as horas agora. Na minha sala, para a senhora ter uma ideia, a galera, em peso, tem um relógio no pulso. Só eu...
- Eu sei. Já passei por isso na sua idade. Mesmo assim, filhote, volta lá no Peidim, passa a mão no relógio e corre a devolver ao seu amiguinho. Anda, corre...
- Mãe, por favor.  De mais a mais, o Irineuzinho não está mais com a grana.
- Como assim, não está mais com a grana?

- Ele comprou um par de patins.
- E o senhor pode me dizer onde arranjou trezentos reais? Pois não?
- Papai me deu de mesada.
- Engraçadinho, seu pai. Cachorro! O dinheiro da feira, até agora, estou esperando.  Do supermercado, idem! Pois bem, seu engraçadinho. Não quero nem saber. Vai lá no Irineuzinho e devolve.

O menino danou a chorar copiosamente. E não só a derramar lagrimas. De contrapeso apelou para a buzinação nos ouvidos da pobre mulher. Tanto esperneou, tanto protestou, tanto clamou, que, por fim, a criatura, para não perder mais um segundo da trama do folhetim, acabou cedendo e concordando. 

- Está legal, filho. Fica com essa droga de relógio. Sabe, ao menos, a marca?
- Como assim, mãe?
- Que marca esse relógio?

E o garoto, na maior das inocências, rindo a mais não poder, completa, satisfeito:
- Ué, mãe. Ele marca as horas. 
Título e Texto: Carina Bratt, secretária e assessora de imprensa do jornalista e escritor Aparecido Raimundo de Souza. De São Paulo, Capital. 16-1-2018  

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