Carina Bratt
O menino chega correndo da rua
e grita, espavorido, nos ouvidos da mãe. Naquele momento a boa senhora toma
café na cozinha enquanto assiste à novela na televisão:
- Mãe, mãe, acabei de comprar
um relógio.
- Legal filho. De quem?
- Do Irineuzinho, filho do
Jorge Cata Lixo.
- Meu Deus, filho, Logo dele?
- Por que logo dele, mãe? Nada
a ver...
- Funciona?
- Botei na lojinha de Peidim.
- E para quê?
- Está com o mecanismo meio
bagunçado. Disse o Irineuzinho que precisava de uma geral. Muito tempo parado
dentro da gaveta. Ele tem um novinho em folha, e esse foi deixado de lado.
- Por que não me avisou que
iria fazer essa compra?
– Achei que a senhora
brigaria.
- Na mosca. Vou brigar mesmo. Estou
furiosa, como pode perceber. E muito. Quanto você pagou?
- A bagatela de trezentos
reais. Mesmo assim porque aprendi com papai a pechinchar. Insisti em um
desconto. Acabei ganhando no tapa, na raça. Caso contrário, seria quatrocentos
e cinquenta.
- O quê?! Trezentos reais numa
merda de um relógio velho?
- Não é velho, mãe. Está só um
pouquinho fora de uso.
- Não interessa. Pega essa merda
e devolve. Mamãe promete que no seu aniversário lhe dará um novinho de presente. Papo reto. E olha só, tipo assim. Virá dentro de uma caixinha bacana e com
garantia.
- Para meu aniversário ainda faltam seis meses, mãe. Preciso ver as horas agora. Na minha sala, para a senhora ter uma ideia, a galera, em peso, tem um relógio no pulso. Só eu...
- Eu sei. Já passei por isso
na sua idade. Mesmo assim, filhote, volta lá no Peidim, passa a mão no relógio
e corre a devolver ao seu amiguinho. Anda, corre...
- Mãe, por favor. De mais a mais, o Irineuzinho não está mais
com a grana.
- Como assim, não está mais com
a grana?
- Ele comprou um par de patins.
- E o senhor pode me dizer onde
arranjou trezentos reais? Pois não?
- Papai me deu de mesada.
- Engraçadinho, seu pai. Cachorro!
O dinheiro da feira, até agora, estou esperando. Do supermercado, idem! Pois bem, seu
engraçadinho. Não quero nem saber. Vai lá no Irineuzinho e devolve.
O menino danou a chorar
copiosamente. E não só a derramar lagrimas. De contrapeso apelou para a buzinação
nos ouvidos da pobre mulher. Tanto esperneou, tanto protestou, tanto clamou, que,
por fim, a criatura, para não perder mais um segundo da trama do folhetim, acabou
cedendo e concordando.
- Está legal, filho. Fica com
essa droga de relógio. Sabe, ao menos, a marca?
- Como assim, mãe?
- Que marca esse relógio?
E o garoto, na maior das
inocências, rindo a mais não poder, completa, satisfeito:
- Ué, mãe. Ele marca as horas.
Título e Texto: Carina Bratt, secretária e assessora de imprensa do jornalista e
escritor Aparecido Raimundo de Souza. De São Paulo, Capital. 16-1-2018
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