sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Porque sou Charlie (sempre)

Laurent Gayard

Nunca fui especialmente um grande admirador de Charlie Hebdo. Dava uma espiada de vez em quando nas obscenidades de Vuillemin, Wolinski ou Tignous, mas, para mim, o Charlie Hebdo não era mais do que um elemento urbano de decoração com as suas capas grosseiras que, às vezes, nos agrediam os olhos ao virar uma esquina ou numa banca de jornais.


No dia 7 de janeiro (2015), descobri que Charlie era tão importante para mim, quando dois sociopatas o alvejaram com balas de kalachnikov para o repintar de vermelho sangue e verde integrista. Talvez nunca tenha sido um grande admirador de Charlie, mas não apreciava nem um pouco que viessem trucidar os autores em nome de uma susceptibilidade religiosa com tendência psicótica. O #jesuisCharlie divulgado algumas horas depois da matança era, decerto, horripilante, injunção pavloviana retomada até à náusea pela mídia, mas não foi a hashtag que colocou quatro milhões de pessoas nas ruas no dia 11 de janeiro. Ela nada mais fez do que traduzir em palavras a imediata tomada de consciência, materializada quatro dias depois pela maior manifestação da história da França desde a Revolução. Não tive que pensar muito para saber em que lado estava naquele dia, como ainda estou hoje.

Os assassinos de Charlie e do Hyper Cacher designaram muito claramente o inimigo deles: nossa civilização, nossos costumes, a maneira como admitimos as relações entre homens e mulheres e o grande respeito que temos ainda (até quando?) pelo pluralismo de opiniões, quer se expressem no papel, nos desenhos, nos artigos ou nas conversas. Charlie ainda existe, debochado, mal-educado, enervante, simplista, grosseiro, insultuoso, mas me é tão essencial que ele continue a existir quanto a revista onde escrevo neste momento. Continuo encarniçado em defender teimosamente essa estranha ideia que se pode, neste país, continuar a pensar o que se quer, a dizer e a escrever e a debater com quem queremos. Eis porque porque sou sempre Charlie. Especialmente se você não concorda.


Título e Texto: Laurent Gayard, CAUSEUR, nº 53, janeiro de 2018 
Tradução: JP

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