Laurent Gayard
Nunca fui especialmente um
grande admirador de Charlie Hebdo.
Dava uma espiada de vez em quando nas obscenidades de Vuillemin, Wolinski ou
Tignous, mas, para mim, o Charlie Hebdo
não era mais do que um elemento urbano de decoração com as suas capas
grosseiras que, às vezes, nos agrediam os olhos ao virar uma esquina ou numa
banca de jornais.
No dia 7 de janeiro (2015),
descobri que Charlie era tão
importante para mim, quando dois sociopatas o alvejaram com balas de kalachnikov
para o repintar de vermelho sangue e verde integrista. Talvez nunca tenha sido
um grande admirador de Charlie, mas
não apreciava nem um pouco que viessem trucidar os autores em nome de uma
susceptibilidade religiosa com tendência psicótica. O #jesuisCharlie divulgado
algumas horas depois da matança era, decerto, horripilante, injunção pavloviana
retomada até à náusea pela mídia, mas não foi a hashtag que colocou quatro
milhões de pessoas nas ruas no dia 11 de janeiro. Ela nada mais fez do que traduzir
em palavras a imediata tomada de consciência, materializada quatro dias depois
pela maior manifestação da história da França desde a Revolução. Não tive que
pensar muito para saber em que lado estava naquele dia, como ainda estou hoje.
Os assassinos de Charlie e do Hyper Cacher designaram
muito claramente o inimigo deles: nossa civilização, nossos costumes, a maneira
como admitimos as relações entre homens e mulheres e o grande respeito que
temos ainda (até quando?) pelo pluralismo de opiniões, quer se expressem no
papel, nos desenhos, nos artigos ou nas conversas. Charlie ainda existe, debochado, mal-educado, enervante, simplista,
grosseiro, insultuoso, mas me é tão essencial que ele continue a existir quanto
a revista onde escrevo neste momento. Continuo encarniçado em defender teimosamente
essa estranha ideia que se pode, neste país, continuar a pensar o que se quer,
a dizer e a escrever e a debater com quem queremos. Eis porque porque sou
sempre Charlie. Especialmente se você não concorda.
Título e Texto: Laurent Gayard, CAUSEUR, nº 53, janeiro de 2018
Tradução: JP
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