Aparecido Raimundo de
Souza
Do livro de Glória
Steinem “Memórias da transgressão”.
QUAL SERIA, NA SUA CONCEPÇÃO, meu caro leitor
amigo, a mulher perfeita? Acaso aquela donzela que os antigos veneravam como a
Amélia, que era de verdade, que não fazia exigências, que passava fome e achava
bonito dormir no chão, eternizada nos versos de Ataulfo Alves? Ou por outra,
uma mistura de Marilyn Monroe em “Nunca fui Santa” e Anita Eckberg [foto abaixo] em "A Doce
Vida" de Fellini? Afinal, qual seria a mulher ardente e impetuosa, a deusa
desejada e insubstituível, a dos sonhos de cada um de nós, simples mortais? Na
prática, a que Martinho da Vila afirmou “ter tido de todas as cores, de várias
idades e de muitos amores?”. A que
Machado de Assis descreveu na pele de dona Camila, ou a que Roberto Carlos
imortalizou na sua Mulher de 40? Como um
todo será que essa criatura magnânima e indubitavelmente inimaginável, ainda
pode ser encontrada numa esquina qualquer do destino?
Segundo uma
determinada corrente, a mulher das nossas quimeras é como a Aurélia Camargo,
trazida à baila num conto de José de Alencar, se apresenta tipo peça rara, de
museu, adorno não encontrado em lugar nenhum, principalmente em joalherias de
shopping ou outras lojas de departamentos conhecidas. Embora tenha a concepção
de um diamante não lapidado, jamais será vista em lugares como Serra
Pelada. Há os que a definam como a que
não gasta telefone, nem água, nem luz, nem bebe refrigerante em excesso. A
mulher tipicamente calorosa e fustiasticamente santuária não frequenta salões
de beleza requintados, não faz fofoca com as amigas, não pinta as unhas de
vermelho, não tinge os cabelos com cores berrantes, não usa brincos, não usa
pielcing, nem raspa as pernas, tampouco outras partes mais requintadas de todo
o seu magnânimo conjunto. Não usa sapatos de grife, nem veste roupas caras nem
põem os cartões de crédito do marido à beira de um ataque de histerismo,
contudo, o do amante, segundo Magda [foto abaixo], da série “Sai de baixo” - pulando ‘pela
aí’ como um Canguru Perneta.
Magda (Marisa Orth) |
A mulher flamante não quebra copos, não suja pratos, nem diz palavrões. Tampouco peida em festinhas de crianças ou reuniões importantes. Alheia a caras feias e semblantes fechados, não seduz, se deixa ser cantada, emprega seus dias da melhor maneira, tentando aprimorar o conhecimento e expandir os horizontes, nem que seja para ver estrelas em pleno meio dia de um sol escaldante. Jamais paga o mico de xingar seu amado, quando ele chega quase ao romper da manhã, camisa manchada de batom, cheirando a perfume barato ou a cerveja choca. É impecável, submissa, dócil, leal, econômica, companheira, sobretudo, companheira. Tem o nobre dom de tocar na mente daquele que ousa a se ajoelhar a seus pés estimulando o infeliz a realizar tarefas importantes, como o ir ao mercado, levar o cachorrinho para fazer pipi, comprar o jornal de domingo e aturar a sogra chata e rabugenta. Contrariando Stanislaw Ponte Preta, a mulher ideal, mesmo que emprestada, não volta estragada.
A mulher das nossas
mil e uma noites vai além do esperado. Sempre. Sabe como ser a amante exata, a
puta completa, sem deixar vestígios comprometedores. Igualmente aprendeu a
distribuir seus encantos e atributos na medida certa, como um poema de Florbela
Espanca e, acima de tudo, com a convivência diária, se diplomou em como deixar
o coração da sua cara metade com as batidas descompassadas, sem que o sujeito,
todavia, tenha um enfarto e caia fulminado. Isso, para a rainha, seria fácil
demais e daria muito na pinta, trazendo a policia a tiracolo, com toda certeza.
A mulher ideal não usa óculos escuros, jamais sairá de casa com uma saia
comprida demais, é vidrada em calcinhas minúsculas e veste sempre blusinhas que
deixam os peitinhos em constante estado de ebulição frenética. A mulher dos
nossos eternos pecados é lógica como Cecília Meireles e, dentro dessa harmonia
não comete certas asneiras como: arranjar um cara duro que pinte no pedaço só
para tirar umazinha. Também não trai, não flerta, ou arranja uma barriga
indesejável só para dizer para as amigas que é linda a gravidez.
Extremamente fina e
requintada nos menores gestos, a mulher das nossas extravagâncias se assemelha
àquela marca italiana e muito cobiçada de automóvel, a Ferrari. É sensual,
nunca passa dos vinte anos, vive nativa do seu ar de superioridade. Ao mesmo
tempo é comedida, tímida e carente, a ponto de se mostrar soberba e impecável
no andar, no modo de se apresentar e de se trajar entre as demais da sua raça.
Sabe como atrair os opostos sem trair os sentimentos verdadeiramente de quem
ama e os deixar expostos, a céu aberto. A mulher divina e primorosa, não se
importa com a pouca carne da bunda magra, nem em transformar os pneuszinhos e
culotes em fantasmas a lhe assombrarem diante do espelho.
Milagrosa,
extraordinária, consegue frequentar academias sem aparecer em suas
dependências, como, igualmente, ao visitar o dentista deixá-lo de boca
geometricamente aberta e os olhos esbugalhados sem saber o que fazer com os
calcadores espatulados.
Maviosa, insuperável,
faz chover em dia de sol, nevar em pleno calor e, quando gosta de verdade,
deixa que a volúpia do amor maior atravesse o corpo da criatura que ama, de um
lado para outro, sem se importar se o coração do seu apaixonado se quedará em
frangalhos. Para outro seguimento, ou seja, para aqueles que desconhecem
completamente a mulher dos nossos arroubos, a completa, é mais complexa que
qualquer complexo por mais complexo que possa parecer: escorregadia, airosa,
acessível, catita, galante, não contesta, seduz com palavras as próprias
palavras, não pensa em luxúrias, não se embriaga, é tolerante e não tropeça na
estupidez das desvairadas nem se deixa dominar pela burrice enfática das
loiras. Acima de tudo se mostra forte, briguenta, boa no meio do campo, sabe
chutar as bolas para o gol e, no momento exato, derrubar o guardador de redes
por mais robusto e esperto que seja, ou queira parecer, diante da sua
intransponibilidade. A mulher telúrica, no conjunto, é livre de pensamentos
impuros, conhece os direitos melhor que qualquer advogado, sentencia uma causa
como nenhum juiz seria capaz de fazê-lo. É a tábua da salvação para o náufrago,
a bóia para o desesperado no meio do rio, a respiração boca-a-boca quando a
vida de um moribundo admirador está se esvaindo em abrasada paixão.
É ainda um pouco mais:
pode a encantada, se transformar na maca para alojar um atropelado no meio da
avenida, ser como o sol quente que brilha resplandecente quando o frio gélido
insiste em apertar os ossos. Para os filósofos e pensadores, a mulher ideal é
aquela pessoinha divina, imaculada, que procura, acima de tudo, uma razão para
viver, para buscar a si mesma, sem se perder na procura. A que se entusiasma
com as parceiras que almejam um objetivo e o alcançam sem pisar nas demais
concorrentes que vêm logo atrás. Para os loucos, bem, para os loucos, a mulher
ideal é aquela que beija os pés, ajoelha, reza, engole o suor supremo com o
regozijo de alcançar o êxtase da fome que a devora por dentro. É a regra que
quebra todas as regras e exceções, que passa por cima de tabus e preconceitos e
supera o irreversivelmente insuperável. É ainda, a mulher fenômeno, a que fala
a língua dos homens e a dos anjos, como também a do diabo.
Para os aficionados em
sexo, a mulher objeto é aquela abjeta. A que já vem com o tanque cheio, as
cinco marchas prontas para serem passadas, os motores esquentados. A esbelta
que se abre gulosa e meretriz, convidativa e quenga, a um passeio agradável por
suas dobras, gomos, úvulas e goelas e, vive somente para dar. Não só dar, na
acepção da palavra, igualmente receber, ser tocada, tocar, pular, cavalgar,
sentar no pesado, engolir a cobra que está lhe dando o bote, gozar com os
músculos retesados da linguiça (às vezes enfraquecida) que o seu homem trouxe
da rua e nela colocar o seu tempero secreto, a sua massa de tomate, o seu
coentro, misturar salsa, cebolinha, pedacinhos de pimentão e uma pitada quase
invisível de bom óleo português e, em seguida, enfiar tudo na panela e fritar,
cozinhar a fornicação até que a trepada tome forma e vida e acabe virando
comida de primeira, incendiada entre fantasias libidinosas em escala
planetária. Para a maioria, ou seja, para o resto, para a ralé, a mulher
matéria, propósito, ideal é a que não é necessariamente ideal nem tem nada de
especial. O que realmente conta, é que a sua forma não existe, é utópica,
onipresente, onisciente, como Deus no céu. Para os que nunca puderam pegar ver,
cheirar, tocar, sentir, manusear, provar, amar, amar, amar de verdade, a mulher
ideal nasceu morta, ou melhor, como a definiu a mineira de Divinópolis, Adélia
Prado em seu livro ‘Bagagem’: “sequer chegou a ser concebida”.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, do sítio
“Shangri-la”, um lugar perdido no meio do nada. 7-3-2018
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Assim se diz também do 'HOMEM PERFEITO"(aquele que nasce morto). Para a maioria dos homens, a mulher perfeita é aquela que fica maravilhosa em um biquíni de praia, de preferência com algum dote culinário (homem adora "comer") e que não reclame de nada. Lembrando que esta mulher até existe, não para acompanhá-lo para vida toda, pois somente o amará enquanto ele prover uma "boa vida" e outro detalhe; ao passar dos anos, a beleza é pura ilusão. Brincadeiras à parte, o fato é que todos almejam alguém "perfeito", porém, ninguém o é.
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