Os homens preferem geralmente o engano, que os tranquiliza, à
incerteza, que os incomoda.
Marquês de Maricá
O Brasil passa por imensos
entraves ao seu desenvolvimento: os macroproblemas. Inflação alta, dívida
pública alta, contas públicas desarrumadas, déficit público inconcebível,
intervenção em alto grau na economia, insegurança jurídica nos negócios, a
eterna espera de que o Estado cuide da vida de cada um, e muito mais.
Ao lado desses problemas, há
uma série de outros, que podemos classificar de micros, mas que se traduzem na
vanguarda do atraso. Por conveniências pessoais, pequenas espertezas, ou falta
de percepção da realidade, cavamos trincheiras do atraso e não percebemos que
nossas atitudes fazem parte dos problemas brasileiros. É justamente disso,
dessas verdades que nos são incômodas, que quero tratar. Como são inúmeras,
incontáveis, coloquei o número (1) no título, o que sugere a promessa de
voltarmos ao tema, quando oportuno ou necessário.
PLANOS DE SAÚDE
Por volta dos anos setenta
começou a se consolidar no Brasil os chamados planos ou seguros de saúde. A
classe média embarcou no sistema para se ver livre da sempre insuficiente
assistência médica governamental. Aos poucos, os extratos mais baixos da classe
média ou os extratos mais altos dos ainda classificáveis como pobres foram
aderindo ao sistema. Tive uma empregada, por quem tenho muita estima e maior
admiração ainda, que ingressou no sistema, adquirindo um plano que cabia no seu
bolso, sujeito, portanto, a algumas limitações. Para ela, uma conquista. Não
mais precisava ficar na fila do SUS, estava feliz da vida, não só porque ela e
o filho estavam livres dos péssimos serviços governamentais, mas, também, por
se sentir vitoriosa pela conquista alcançada. Era como se tivesse mudado de
patamar na classe social. Sentia-se mais cidadã.
Aos poucos, o governo foi
interferindo na vida dos planos, criando entraves e obrigações de toda ordem
cujo reflexo mais imediato era o aumento dos custos. Além disso, começavam as
nossas espertezas. A pessoa, lógico, comprava o plano que cabia no orçamento e
tinha serviços equivalentes ao valor pago. Pela regra do mercado e pela melhor
lógica econômica, quem mais pagava tinha maior e mais sofisticada cobertura,
além de rede hospitalar mais qualificada. Um plano mais barato não poderia
cobrir procedimentos cobertos por planos mais caros, conclusão mais do que
lógica. Lá estava o contrato, firmado entre as partes, indicando as coberturas
pactuadas. E se a pessoa precisasse de uma cirurgia não coberta pelo seu plano?
O caminho normal seria pagar do próprio bolso ou recorrer ao SUS, que por este
todos pagamos. Qual nada.
Um aqui, outro ali, conseguia
que um advogado entrasse com medida judicial requerendo liminar compelindo a
seguradora a cobrir todas as despesas. Isso virou moda e os planos começaram a
ter que arcar com despesas feitas em proveito de quem não pagou para tanto.
Aos entraves e exigências
governamentais juntou-se nossa esperteza para demolir os planos. Qual a
consequência? Não mais plano de saúde para pessoa física. Agora, a classe média
marcha para o SUS, aumentam as despesas governamentais, cresce o déficit
público, paira a ameaça de aumento de impostos. Pior, aquela empregada não mais
tem seu pequeno plano e perdeu o garbo de mais cidadania, de vitória, lá atrás
saboreado.
JUDICIÁRIO DELIRANTE
Poderia passar um dia
descrevendo as formas e os meios com que o Poder Judiciário se transformou, por
paradoxal que pareça, em um entrave à garantia da ordem jurídica. Vou ater-me a
alguns exemplos, ou terei que passar o dia escrevendo. Quem, lendo o contrato
do plano de saúde e vendo que a cirurgia pretendida não tinha cobertura do
plano, determinou que se executasse o procedimento? Um juiz travestido de Robin
Hood. Ele não meteu a mão no bolso ou fez uma vaquinha com os colegas e outras
almas piedosas para acudir o afligido. Ele meteu indevida e irresponsavelmente
a mão no bolso do plano, compelindo-o a executar o que contratualmente a tanto
não se obrigara. Por extensão, meteu também a mão em nosso bolso na medida em
que os planos tiveram que majorar os valores para se ajustarem ao ataque
judicial incessante. Portanto, meus amigos, o juiz que assim age não só solapa
a ordem jurídica que deveria garantir, impõe a insegurança jurídica nos
negócios, desprestigia o contrato como fonte de obrigações e estimula o sentido
de irresponsabilidade entre seus jurisdicionados. E por que fazem isso? Claro
que é porque as cortes endossam ou fecham os olhos ao descumprimento das leis
que deveriam prestigiar.
Querem outro exemplo? Vá
despejar o mau pagador. Não é incomum o Robin Hood, mais uma vez, se arvorar em
justiceiro social, papel que nem de perto cabe ao juiz. E o pior é que muita
gente o considera um homem bom, humano, quando, na verdade, ele está solapando
a ordem jurídica, deixando de cumprir aquilo para que foi alçado ao cargo e
passando a fazer parte de um dos maiores problemas brasileiros que é a
insegurança da ordem jurídica, tão necessária para a existência de um ambiente
favorável ao desenvolvimento dos negócios e, consequentemente, ao
desenvolvimento do País.
O ESTADO PAI NOSSO
A existência do Estado não é
um bem em si. A liberdade é o apanágio. A existência do Estado é uma limitação
à liberdade. Isto equivale dizer que o Estado não passa de um mal necessário
ante ao fato de que a liberdade absoluta não é possível. Se assim é, que se
limite ao estritamente necessário. No Brasil, a carga tributária e o déficit
público ultrapassam bastante quarenta por cento de tudo que se produz (produto
interno bruto – PIB). Isto significa que não sobra muita poupança para
investimento. Temos aí a maior explicação para o nosso baixo crescimento
econômico.
Para que vocês tenham uma
noção das consequências, basta considerar que um crescimento médio de cinco por
cento ao ano reduziria, no curso de sete anos, a pobreza a menos da metade, sem
considerar que, no mesmo período, os que não são pobres estariam melhor ainda,
a infraestrutura melhorada e ampliada e a autoestima nacional em outro patamar,
para não falar no respeito internacional angariado pelos países que crescem.
Por ter uma carga fiscal baixa
e muita poupança para investir, em pouco mais de vinte anos de crescimento a
China tirou seiscentos milhões de pessoas (três vezes a população do Brasil) da
pobreza. Quanto mais o país cresce, menos gente precisando de assistência
pública, do tipo Bolsa Família.
Prestem atenção nas conversas
entre amigos, nos bares, nos lares, nos clubes, nos ambientes de trabalho. Todo
problema que é levantado, alguém sempre invoca o Estado como solução. Parecemos
sempre filhos abandonados a procura de um pai. O povo, quando recebe uma
benesse qualquer, além de achar que o benefício foi gracioso, fica grato ao
Estado e aos políticos governantes, quando na verdade deveria estar grato ao
vizinho que pagou o imposto. Sempre que possível, devemos fazer ver ao
beneficiário que aquilo que aparentemente recebeu de graça do Estado
representou imposto a mais pago pelos seus concidadãos. Devemos criar a
consciência cívica de que o Estado não produz riqueza, pelo contrário, se
apropria de grande parte da riqueza por todos nós gerada.
Paro por aqui para não ir além
do razoável, mas fica a promessa de voltar a examinar outras verdades
incômodas.
Ah, embora já alongado, não
posso esquecer da coruja do beiral. Não é à toa que a coruja é o símbolo da
Filosofia. Se você tiver dificuldade de enxergar no meio da bruma ou da
escuridão, suba ao beiral, acocore-se ao lado da coruja e abra bem os olhos.
Ainda assim talvez você continue sem a acuidade pretendida. Então, peça à coruja
os olhos emprestados e você enxergará tudo.
Um bom domingo para todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas
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