Paulo Tunhas
Emitir abundantemente opiniões, exercer um
jornalismo militante - sim. Mas informar, oferecer informação que os
espectadores possam livremente avaliar segundo as suas próprias luzes - não.
Passei umas horas da tarde
deste último domingo em frente à CNN, à espera que fosse divulgada a carta do
procurador-geral William Barr ao Congresso americano onde se resumiriam os
principais resultados do relatório de Robert S. Mueller sobre a investigação
por ele dirigida e que se destinava a averiguar se houve ou não conluio de
Donald Trump ou de membros da sua campanha com os russos para interferir nas
eleições presidenciais de 2016.
Por volta das sete e meia já
se sabia tudo. A carta do procurador-geral era perfeitamente clara: não foram
encontradas quaisquer provas que levassem a concluir a existência de conluio de
Trump ou de membros da sua campanha com os russos. Quanto à outra questão
investigada, a de saber se houvera tentativas de obstrução à justiça por parte
de Trump, a carta revelava que o relatório de Mueller não concluía nem o crime
de Trump nem a sua inocência. Lendo-a, fica-se com a impressão que a recusa de
adoptar uma posição clara se deve à ausência de critérios absolutamente seguros
para avaliar as declarações públicas dele relativamente à natureza da
investigação de que era alvo. De qualquer maneira, foi uma vitória em toda a
linha de Trump.
Naturalmente, a CNN ficou
desiludida, para não falar dos democratas. Não se criam esperanças sanguíneas
impunemente, e a esquerda americana criou-as como gente grande. O desejo do
impeachment fazia alucinar a absoluta necessidade da culpa de Trump, e isso
mesmo antes do início, há dois anos, da investigação de Mueller. Era
ontologicamente impossível ele não ser culpado. E quando se cai de tão alto é
impossível não doer. Para mais, o esquerdismo galopante que tomou conta dos
democratas, algo com que, talvez por desatenção, nunca sonhei, vem pôr ainda
mais sal na ferida. Confesso que me é difícil deixar de pensar que tanta
cegueira e tanto irrealismo mereciam um corretivo destes.
De qualquer maneira, e por
muito que se embirre com as obsessões da CNN e com a fantástica radicalização
dos democratas, não é por aí que o mundo sai dos gonzos. Dito de outra maneira:
apesar de todo o ruído e todo o furor, não há nada do que se passa nos Estados
Unidos que seja verdadeiramente incompreensível. Em contrapartida, Portugal
oferece sempre surpresas, mesmo ao espírito mais habituado ao convívio com o
fantástico. E a noite de domingo trouxe-me uma delas.
Depois de ouvir alguma
conversa na CNN, liguei o Jornal das Oito da SIC. A minha intenção não era
completamente inocente. Estava com alguma curiosidade em saber como é que a
SIC, que, mais ainda do que os outros canais portugueses, considera sua missão
pessoal combater a nefasta influência de Trump nos Estados Unidos, no planeta e
em todo o sistema solar, lidava com a notícia sobre o relatório Mueller. Como
todos os portugueses, tenho direito aos meus momentos de Schadenfreude.
Bom, começou o Jornal, e
durou, durou, e depois houve Marques Mendes (que, por acaso, lá disse umas
palavras críticas sobre Trump a propósito de uma coisa qualquer), e depois
continuou o Jornal, e continuou, continuou, até acabar sem uma só referência ao
relatório Mueller. Convenhamos que era estranho. Apesar de tudo, não se contam
as vezes que a história do conluio com os russos gozosamente tinha vindo à
baila nos últimos anos. Alguma importância a coisa haveria de ter.
Nestes casos, nada como ser
persistente. A seguir ao Jornal das Oito vinha o Jornal de Domingo. Era preciso
talvez esperar. Mas o Jornal de Domingo começou, e depois continuou, continuou,
e depois houve Ana Gomes (que, por acaso, também lá disse umas palavras
críticas sobre Trump a propósito de uma coisa qualquer), e o Jornal continuou,
e durou, durou, e nenhuma palavra. Volto a insistir: sobre um assunto que
costumava ocupar a SIC com uma frequência extravagante. Nenhuma palavra?
Enfaticamente, não é verdade. Às nove e cinquenta e sete, o locutor anuncia
“uma informação com poucos minutos”: o relatório Mueller tinha inocentado Trump
de qualquer conspiração com os russos. Num minuto e meio, a notícia estava dada
– e o Jornal tinha acabado, para dar lugar a um programa sobre futebol.
Não vale a pena elaborar sobre
como tudo seria muito diferente caso Mueller tivesse decidido pela culpa de
Trump. Nestas coisas, dá-me uma preguiça infinita. Mas a notícia certamente
teria vindo célere e afoita, acompanhada de uma longa discussão. Assim – “ó pá,
temos de dizer alguma coisa…” -, duas horas e meia foram reduzidas a uns
“poucos minutos” e a fartura verbal substituída por um laconismo extremo.
Qual a moral desta história?
Das duas uma: ou a SIC é constituída por péssimos profissionais que nem sequer
a CNN veem, ou então labora voluntariamente na má-fé. Em qualquer dos casos,
parece não levar muito a sério a sua tarefa de informar. Emitir abundantemente
opiniões, exercer um jornalismo militante — sim. Mas informar, oferecer
informação que os espectadores possam livremente avaliar segundo as suas
próprias luzes — não. Ao ponto de quase se calar aquilo que, por uma razão ou
por outra, colide com o seu imoderado apetite pelo Bem.
Isto valia a pena ser dito,
mesmo correndo o risco de passar por um sinistro representante da alt-right,
que é a expressão que os espíritos com certa ambição à sofisticação agora
utilizam com a mesma mendacidade e a pesada ligeireza com que em tempos não
muito longínquos utilizavam a palavra “fascista”. Já agora: pobres tipos…
Título e Texto: Paulo Tunhas, Observador,
28-3-2019
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A "lengalenga" da SIC (acompanhado pelo DN, Expresso e outros) sobre o Bolsonaro é idêntica.
ResponderExcluirParabéns, PT.
Maria Alva