O governo não resolve problemas, ele os subsidia.
Ronald Reagan
Gratidão é um fruto de grande cultura; não se encontra entre
gente vulgar.
Samuel Johnson
Nunca faça hoje o que pode ser feito amanhã.
Eu
Estou sentindo uma preguiça
caymmiana tão gostosa que me deu vontade de escrever.
A Bahia é musical, por
conseguinte, primeiro vamos cantar Caymmi:
“Você já foi à Bahia, nêga?
Não? Então vá!”.
“Ai, ai que saudade eu tenho
da Bahia...”.
Ah, Dorival Caymmi, quanta
contradição em teu nome! Se Caymmi fosse escrito com um “m” só daria menos
trabalho.
Assisti a uma entrevista de
Caetano Veloso no Jô Soares, se me não engano. Ponderou não ser tão preguiçoso
como se dizia. Preguiçoso mesmo era Dorival Caymmi que só fazia música de dez
em dez anos. Isso, obviamente, não era uma crítica, era um elogio a uma pessoa
por ele tanto amada e admirada.
Nessa mesma entrevista, relata
ter ido à casa de Caymmi, no litoral fluminense, salvo engano em Rio das
Ostras. Caymmi pediu para ele ver uma coisa maravilhosa. Tinha comprado um
desses ventiladores largos que se põe no chão. Ligou o ventilador e se sentou
numa poltrona, na sala, todo refrescado, estava de alagodaça e perguntou a
Caetano se aquilo não era uma maravilha.
Caetano relatou embevecido que
os seus olhos iam da poltrona, onde sentado Caymmi, ao ventilador e do
ventilador à poltrona, na contemplação daquela cena, de algo tão simples, mas
tão importante para aquele homem famoso e de sorriso de Buda Feliz. Aquilo só
poderia ser sabedoria em estado puro, algo difícil de as pessoas alcançarem. E
eu aduzo: a contemplação do homem se bastando a si mesmo.
Estou aqui retratando, em
minhas palavras, as impressões daquela entrevista.
Minha meta é a mesma de
Caymmi: bastar-me a mim mesmo, ser feliz com o que tenho e com o que sou.
Já lestes o que escrevi acima?
Já, né?
Sois baiano?
Não?
Se não sois, deveis parar de
ler, pois daqui por diante virou briga de família e roupa suja só se lava em casa.
Vou tratar do que não é de vossa conta, vou tratar de assuntos de família, da
família baiana, portanto, por favor, chispai daqui!
Diogo Mainardi, um
iconoclasta, referindo-se a Caymmi, Caetano, Gil, Betânia, Gal e outros, disse
que esses cantores famosos baianos só viviam dizendo que a Bahia era uma
maravilha, mas preferiam morar na zona sul do Rio de Janeiro.
É verdade. Os baianos somos
orgulhosos da Bahia, gostamos de cantá-la em prosa e verso. Salvador, por
exemplo, é uma coisa diferente, você vai de uma parte da cidade para a outra de
elevador! A Baia de Todos os Santos, com suas enseadas plácidas, de águas
claras e ondinhas preguiçosas, é um convite ao dolce far niente. E tome-lhe feriado, tome-lhe festa de largo,
tome-lhe micareta, tome-lhe carnaval, que ninguém é de ferro.
Certa feita, já em São Paulo,
conversando por telefone com meu administrador, perguntei como iam os
trabalhos. Queixou-se da morosidade do pessoal e atalhou dizendo que, na Bahia,
quando a colher cai na cozinha a pessoa já vai pegar dançando. Colher batendo
no chão dá som, então...
Há sempre aquela conversa de
que os festejos baianos são um ativo, rendem trabalho e dinheiro. Não vejo, por
outro lado, o cálculo do passivo, do quanto se perde em trabalho e produção por
tantos dias de festiva inação.
Assim, para que nos
preocuparmos tanto se temos a proteção dos Orixás, as bênçãos de Mãe Menininha
do Gantois, os despachos no terreiro de Coice de Mula, as louvações de Caymmi e
São Paulo trabalhando por todos?
Na música Sampa, Caetano canta
sobre a feia fumaça das fábricas e do povo oprimido nas filas, vilas, e favelas
de São Paulo. Pois é, meu camará, é justamente esse povo oprimido nas filas,
vilas e favelas de São Paulo que ajuda a sustentar a Bahia.
Duvida? Dá uma olhadinha nas
contas governamentais, dá uma olhadinha no Portal da Transparência. Verá que a
Bahia contribuiu, em 2015, com cerca de 24 bilhões em tributos federais e
recebeu, do mesmo governo federal, 29 bilhões. Isso significa numa dádiva
federal de cerca de 5 bilhões.
Enquanto isso, saiu do bolso
do paulista quase 493 bilhões para o governo federal, contra um retorno de 39
bilhões. São Paulo, só naquele ano, foi doador de 453 bilhões aos estados que,
como a Bahia, não conseguem se sustentar nas próprias pernas.
Você, meu conterrâneo, pode
dizer que estou sendo duro demais para com a nossa Bahia Velha de Guerra.
Outros estados do Norte e Nordeste, você pode ponderar, estão em situação pior,
quase na mendicância. Concordo, mas sou baiano e isso mexe com os meus brios e
espero que mexa com os seus também.
O pequenino Santa Catarina, em
área e população, de orografia complicada, dá um óbolo de 37 bilhões e meio a
estados gigantescos e muito mais populosos. O Espírito Santo, do meu amigo
Elias Assef, idem. Injeta 12 bilhões nas veias do Brasil. Isso por acaso não
nos é vexaminoso?
Pernambuco não passa por tal
vexame, é exceção no Nordeste. São poucos estados a sustentar o resto do
Brasil. Olho para isso e morro de vergonha.
Vamos a São Paulo e ficamos
admirados com as suas autoestradas, os prédios monumentais, agricultura de alto
nível, indústria moderna e competitiva, e sempre dizemos que se São Paulo fosse
um país seria uma nação desenvolvida.
Por que a Bahia, sendo maior
que a França, tendo mais do dobro da área de São Paulo, estando geograficamente
bem no centro leste do Brasil, está tão distante dessa realidade paulista? Aí
se pode avançar uma outra questão: já viram o ritmo do paulista, já viram sua
mística do trabalho, o senso de organização de suas empresas? Será que não está
faltando, a nós baianos, um pouco mais de afinco?
Confesso ter a indagação, mas
não ter a resposta. Ela pode ser mais complexa do que aparenta. Dito isto,
passo a palavra a todos nós, os formidáveis baianos, tão orgulhosos de si
próprios e de suas tradições.
Bem sei que festividades e um
certo relaxamento não são tão determinantes aos nossos problemas, mas também
sei que são indicativas de um certo zeitgeist, de um certo “espírito do tempo
baiano”. Mas também sei que é possível conciliar a nossa joie de vivre com
espírito de determinação, o sentido de um certo “destino manifesto” que tanto
impulsiona o povo americano.
Vocês viram que expulsei quem
não é baiano para podermos lavar a roupa suja sem intrujice alheia. Então, vou
admoestar baixinho no ouvido de vocês: vamos tomar tenência, gente?
Você pode estar molestado,
pode estar pensando: que cara chato, que baiano desnaturado, se eu trabalhar
mais como terei tempo de dançar na boquinha da garrafa?
Dance, meu filho, desfile nos
Filhos de Gandhi, faça discurso em cima de trio elétrico, corra atrás de
Carlinhos Brown e se empanturre de “água mineral”. Em contrapartida, empreenda
mais, espere menos do Estado, siga os ensinamentos políticos e econômicos do
Grupo Liberal da Bahia, preste atenção ao que dizem os liberais da Bahia, gente
como André Borges, Josuelito Britto, Odilardo Galvão, André Azin, Eduardo
Abreu, Romildo Pessoa, Siderval Couto, Nazareno Barbosa e muitos outros, homens
de ação, empresários, profissionais liberais, técnicos, empregados de diversos
setores, e tenha sempre presente a advertência de Ronald Reagan de que o
governo não resolve problemas, ele os subsidia. No caso, São Paulo, aquele da
“feia fumaça e do povo oprimido”, cujo povo muito trabalha, é quem basicamente
fornece os recursos que o governo malbarata através de subsídios aos que não
conseguem viver de recursos próprios.
Podemos continuar cantando a
Bahia, mas não nos esqueçamos de louvar o providencial São Paulo. Como bem
lembra Samuel Johnson, não sendo gente vulgar, devemos ser gratos.
Por outro lado, prestem bem
atenção: quando Ivete Sangalo ou qualquer cantor mandar que vocês tirem o pé do
chão, não façam isso. Pés fora do chão, cabeça nas nuvens. Lembrem-se da
expressão “fulano tem os pés o chão”. Isto diz muita coisa.
Lembrem-se igualmente que se
houvesse uma secessão e o Sul e parte do Centro-Sul se separassem do resto do
País, a sobra, a imensa sobra espacial, afundaria.
E a nossa preguiça gostosa, oh
baiano desnaturado?
Não se avexe, conterrâneo, vá
dançar na boquinha da garrafa e deixe a preguiça comigo, eu tomo conta. Ninguém
é de ferro.
Se começamos, terminemos
cantando Caymmi: “Pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser
feliz”.
Com uma leseira doida, desejo
uma boa semana para todos
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, 22-4-2017
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