Vá até onde puder ver; quando lá chegar poderá ver ainda mais
longe.
Goeth
Resolvi passar meu aniversário
no Canadá. Fomos, Nêga e eu, a Toronto. Lá estava nosso cunhado, compadre e
queridíssimo amigo, enfim, um irmão, Ernesto, desincumbindo-se de um curso de
inglês. O homem tá danado, falando inglês pelos cotovelos. Foi uma farra só.
Um dia antes da viagem comprei
um laptop. Barbeiro como sou com essas geringonças tecnológicas, esqueci de
levar códigos e passwords. Aí o bicho pegou. Fiquei sem e-mail e sem facebook,
razão por que perdi, pelo tempo ausente de casa, contato com os meus queridos
amigos, agora retomado por esta breve memória de viagem.
Há muitos anos não ia a
Toronto, cidade belíssima, às margens do Lago Ontário, centro econômico da
Província de Ontário, de longe a mais rica das províncias canadenses.
No domingo, dia 9, almoçamos
no 360 Restaurant, localizado na CN Tower, a 351 metros de altura. O
restaurante é giratório. Um giro leva 72 minutos. Esse giro completo nos
permite ver as vastidões da planície em torno da cidade e do lago. A vista
deslumbrante, atiçada por um bem elaborado dry Martini à la 007, deu um sabor
especial ao regabofe em torno dos macios e suculentos rib eye steak e rack of lamb,
escoltados por cogumelos sautés sob
os acordes de um divino Shiraz, colhido e batizado no McLaren Vale da distante
e, naquele encantado momento, tão próxima Austrália. Saímos alegres para as
ruas e ensaiamos alguns passos aos sons de gaita de fole soprada por estilizado
escocês e um acordeom dedilhado por uma saudosa alemã, consumados artistas de
rua a quem remuneramos com certa generosidade. O embalo continuou a goles de
café expresso e baforadas de charutos especiais. A ata de encerramento foi
lavrada, já no hotel, por um vinho inesquecível, quando, emocionados, nos
despedimos de Ernesto, companheiro inseparável desses momentos de já
entronizadas memórias.
Mas voltemos ao tema Canadá,
que viajar não é só folia.
Cerca de oitenta por cento da
população do Canadá vive na fronteira com os Estados Unidos, numa profundidade
de mais ou menos cem milhas (160km). Trata-se de um país riquíssimo, com
produto interno bruto de quase dois trilhões de dólares para uma população ao
redor dos trinta e sete milhões, o que lhe confere renda per capita ano de
quarenta e cinco mil dólares, em números redondos. Sendo um pouco maior que os
Estados Unidos, tem quase dez por cento de sua riqueza, em termos absolutos.
Sob qualquer prisma, um país maravilhoso para se viver: democrático, mercado
livre, capitalismo sem amarras, população de grande qualidade cultural,
abundantes recursos naturais, exportador de comida, energia, manufaturas,
tecnologia. Um paraíso lindo de viver, com direito a muita neve.
Seu único vizinho são os
Estados Unidos, o que lhe confere grande estabilidade e segurança. Como o
vizinho, é um país multicultural, formado por imigrantes europeus, agora com um
considerável contingente de latinos, não sendo desprezível o número de
asiáticos, principalmente, como de costume, nos grandes centros. A presença dos
negros não é grande, pois o Canada, como o Norte dos Estados Unidos, não teve
escravidão.
Recebe, anualmente, quase
trezentos mil novos imigrantes. Precisa de muita gente para povoar a vastidão
de seu território, embora, em termos de qualificação dos imigrantes, seja
exigente. A imigração tem por alvo gente com idade entre os dezoito e os
quarenta anos, com formação superior, salvo os casos das pessoas grande de
conhecimento, dos perseguidos políticos, religiosos ou acolhidos em caráter
humanitário. Tais exigências garantem ao país uma imigração com alta
potencialidade. Os Estados Unidos são como a “casa da mãe Joana”, entra gente
de todo tipo. Por sinal, os Estados Unidos recebem mais imigrantes, legalmente,
do que o resto do mundo, fora parte o fluxo migratório ilegal.
O Canadá forma com os Estados
Unidos e o México uma comunidade comercial, estabelecida nos anos noventa pelo North American Free Trade Agreement
(NAFTA). Na verdade, o Nafta é um tratado de livre comércio entre os três, mas
opera como um tratado comunitário entre os Estados Unidos e o Canadá, com as
linhas gerais de uma espécie de comunidade europeia. Os nacionais de um podem
morar em termos permanentes ou trabalhar no outro país sem grande burocracia.
Lá ingressamos sem necessitar de visto e passamos na imigração destinada aos
seus nacionais. Por sinal, nos foi indagado se íamos a passeio ou morar. Na
saída, para minha surpresa, passamos por autoridades americanas, que atuam
dentro do próprio aeroporto de Toronto para atendimento aos seus nacionais. Em
suma, os nacionais ou residentes permanentes de um país circulam pelo outro com
um mínimo de aparato burocrático. Os dois países permitem que os nacionais de
um deles adquira a nacionalidade do outro sem a perda da cidadania.
As grandes empresas americanas
estão presentes no Canadá. Lá estavam Costco, Whole Foods, Target, The Home
Depot, Nordstrom, Ikea, McDonald’s, Chipotle, para não falar em bancos,
fábricas, companhias de aviação e tantas outras. Há uma integração grande entre
as duas economias. Os capitais americanos controlam boa parte das empresas
canadenses. Qualquer americano, em lá estando, se sente em casa, tudo
facilitado pelo mesmo idioma. O fato é
que não há diferença palpável entre uma cidade canadense e uma cidade
americana. Quando olho para o Canadá e Estados Unidos vejo um mesmo país, com
bandeira, hino e forma de governo diferentes.
De Toronto fui, em voo de
1h10m, para a linda Philadelphia [foto], Philly para os íntimos, na Pensivâlnia (Pennsylvania), cidade
maravilhosa, histórica, mesclada pelo novo e pelo antigo, plantada às margens
do rio Delaware, que a separa do estado de New Jersey, embora uma ponte faça a
união. Moraria tranquilamente nessa cidade, bem no meio da costa leste, próxima
a Washington, New York (duas horas de trem) e outras cidades importantes. É um
grande centro cultural. Somente o seu museu de artes abriga mais de duzentas
mil peças e é visitado por bem mais de seiscentas mil pessoas por ano. A
gastronomia é um caso à parte, pela profusão de bons restaurantes, com
culinária de todo o mundo. Centro histórico, berço do nascimento dos Estados
Unidos como nação, lá foi redigida e lida a proclamação da independência
americana. Além de tudo isso, dispõe de um campo magnifico, ornado por lindas
fazendas em vales e planícies verdejantes.
Íamos continuar a viagem,
agora por carro, em trajeto bucólico e pastoril pela formosa Virginia, projeto
abortado por uma pequena entorse no pé. Assim, impedido de andar, como gostamos
de fazer para bem conhecer as cidades, cometemos mais algumas estripulias
enogastronômicas e arrepiamos caminho de volta para casa em voo de 2h10min.
Durante todo o tempo usamos essa maravilha, que somente a livre iniciativa pode
criar, chamada Uber. Se o prefeito de sua cidade ficar contra, derrubem o
prefeito.
Nem bem chegado, tenho um
encontro emocionante com o meu teclado, amigo fiel e severo. Olha para mim e
ordena: Vá escrever para seus amigos! Obediente e apressado, alinhavei este
diário de bordo para dizer o porquê do meu prolongado silêncio.
Aí surge a pergunta: Estados
Unidos ou Canadá? Para mim, a resposta é fácil: ambos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas
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